Querências – Uma História de Amor Campeiro

Abichornado por ter sido a cabresto por tanto tempo, pensei em abrir cancha no meu coração. Pensava em acolherar alguém que me desse respaldo quando estivesse numa arapuca da vida. A laço e espora, esqueci da biriva do bolicho lá da serra.


Afeitei-me, banhei-me em água de cheiro e olhei-me no espelho: era macanudo e aporreado, mas ainda tinha o sangue dos farroupilhas e não iria ficar arrastando asas para uma prenda qualquer. Confesso que ainda tinha aquele cambicho pela prenda do bolicho, mas bah tchê: chinoca é chinoca!


Eu não era um chambão qualquer; eu era um bom capataz, cupincha, colhudo; mas que precisava mais de uma chinoca do que cuidar da gadaria. Estava cansado da vida de ficar sempre no galpão, tomando um mate amargo ao lado do fogão de lenha, ouvindo uma gaita ou comendo um churrasco.


Arriei meu flete e saí sem rumo. Já estava cansado de haraganear. Gaudério que é gaudério vive bem, por que eu não haveria de encontrar a chinoca que me fizesse apear?


Conferi minha guaiaca: dois mil reais em notas de cem! Quasqueacei o flete e saí  pela  invernada da querência, feito louco. Fui acompanhando um muro de taipas até que cheguei ao alto da serra.


Cheguei ao bolicho. A prenda me olhou com sorriso nos olhos!


-Oigalê, disse-me ela!


Um paisano que bebia numa mesinha ao lado me olhou com ciumeira. Ajeitei o rebenque na cadeira ao lado dele e levantei a barra do poncho com as cores do Grêmio, só para ele ver o revólver trinta e oito na cintura e as três-marias penduradas na guaiaca.


-O quê que este gaudério papudo quer com você, prenda?; disse o paisano.


-Parece que há cachorro na cancha; essa prenda me foi confiada pelo patrão velho, piá!


E dirigindo-me à prenda, mostrei-lhe o regalo que lhe levava: um vidro de água de cheiro!


-Gracias, disse-me ela. Mas não vá fazer entrevero aqui!


-Não vou fazer nenhuma uma-de-pé, prenda minha; mas este lambe-esporas é um lasqueado, que deve tomar seu rumo; zunir, sair fedendo, de vereda!


Nisso o paisano aquietou-se, terminou de tomar uma baga e saiu. Atrás dele um cusco marrom, magro e pestilento.


A estrela boiadeira já ia alta quando saí do bolicho, a tranco. Foi duro de charlar com o pai dela, mas sabendo que ele era gato, ofereci umas bagas; quando já estava à meia-guampa, ficou meu cupincha e concordou comigo, desde que fizesse sua filha feliz. Ela ficou a la pucha!


Num upa, essa chinoca voltou na anca do meu flete e nunca mais saiu do meu lado.

 

 

  Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.