Ante a juventude que jaz, choremos!
Para não nos esquecermos de quem deveríamos cuidar
Era serena a noite
sob o sereno e a tênue
prata d’Alba.
Era sereno o espírito da juventude
confiante nas mãos alheias
enquanto embalava os sonhos
e o idílio
que não se completariam,
suspensos no vazio voraz
das chamas.
Tão jovens! – meninos apenas!…
que sob a noite se entregavam
às juras e aos risos
enquanto a brisa se fazia lá fora.
E esperavam o futuro
que guardavam nos livros
e nos bancos da universidade.
Os livros fecharam em casa
sobre as mesas e as estantes
e seguiram para a noite
com a serenidade
de quem se descuida de si mesmo
porque está sob os cuidados
de mãos alheias.
Essas mãos, porém, não ofereceram
a recíproca confiança:
como poderiam ter-se esquecido
do zelo e da atenção permanentes?!
O descaso e a negligência
armaram o golpe,
fatal e definitivo,
aos desavisados
que só tinham vida à sua frente.
Tombaram tantos, meu Deus!
Sucumbiram dentro da luva negra
da asfixia – o novo holocausto
impiedoso para com aquelas
vidas tenras
que se entregavam à inocência
de um idílio promissor.
O que foi feito de suas vidas?!
Sobrou o eco de vozes atônitas
chamando do outro lado da linha
– Filhinho! Filhinha! … –
esperando a resposta
de um riso límpido
de ventura e inocência.
E só o silêncio de sombras
baixava, empilhando-se
do outro lado da vida.
Choremos, então, porque
nos resta chorar
essas lágrimas amargas.
Mas é preciso levantar
o brado clamando
pelo rigor diante da negligência
e da irresponsabilidade!
O descaso, neste caso,
preparou a terrível armadilha
aos corações desavisados,
tão próprio dos inocentes
e das vítimas,
que confiavam na noite feliz
de uma alegria vã.
Não mais o riso
se fará presente.
Só o desespero de quem desfalece
ao som da música
e ao torpor negro de chamas ardendo.
Traziam ainda nos olhos
a umidade da infância,
meu Deus!
Tão crianças eram na maioria!
Como não chorar
ante o desespero que
agora é só o silêncio
de quem confiava
em outrem e em suas forças?
A tragédia foi ilícita
naqueles momentos
que deveriam ser de felicidade.
A tragédia da trama insensata,
surda, estendeu-se
sem compaixão
sobre os que ali tombaram
sem aviso,
inocentes, sem saber que algozes,
(ainda que involuntários)
pesariam a mão sobre eles!
O horror da noite,
que seria promissora,
deitou-se impassível
com a força da impiedade
cortando-lhes o sopro
na garganta
derrubando o direito
de apostar no futuro.
Indefesos, sucumbiram
na teia mortal
os selecionados pela roleta-russa
do carbono escuro
que se instalara na pista de dança.
E quem poderá dormir,
de hoje em diante,
sob a mão que treme
apalpando o sono que não se concilia
à sombra obscura dos corpos tenros?
Porque aqueles que sonharam,
sob o manto da juventude,
só pediam o palpitar da vida
naquela noite.
Naquela noite devorada
pelo horror inclemente,
descompassada sob os ponteiros da tragédia,
que em seguida daria lugar à madrugada
tão cúmplice da dor…
São Sepé, abril de 2013.
Maria Aparecida Dellinghausen Motta,
escritora e ex-aluna da UFSM.