Reeleição caiu onde IDHM mais evoluiu
Os prefeitos das cidades que registraram o maior aumento proporcional no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010, divulgado pelo PNUD, tiveram maior dificuldade de se reeleger em 2012 do que seus pares pelo país. Em vez de se beneficiarem eleitoralmente da forte melhora nos indicadores de renda, saúde e educação – que compõem o índice – os prefeitos dos cem municípios com o maior avanço entre os IDHs de 1991 e 2010 viram suas chances de reeleição despencarem. É o que mostra o levantamento feito pelo Valor Data, a partir do cruzamento de dados do PNUD, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Os resultados surpreendem e, de acordo com especialistas consultados pelo Valor, sugerem um fenômeno semelhante ao ocorrido nacionalmente em junho: as manifestações de rua, que ocorreram a despeito da sensação de bem-estar, do baixo nível de desemprego e do consumo ainda elevado.
Os prefeitos dos cem municípios com maior crescimento no IDH – entre 201% e 369% – tiveram uma taxa de reeleição de 48,7%. É uma proporção menor que a dos prefeitos das cem cidades que registraram as menores evoluções de IDH (entre 21% e 33%, ou seja, um patamar dez vezes inferior) no período – municípios em boa parte que já têm os maiores IDH em termos absolutos. Neste grupo, o índice de reeleição foi de 55,8%, praticamente o mesmo da média nacional, que ficou em 55%.
A comparação das taxas entre os cem que mais evoluíram, os cem menos e o total de 5.568 municípios mostra que a expectativa de renovar o mandato foi ficando cada vez mais difícil, apesar do progresso no IDH.
Desde que passou a vigorar o instituto da reeleição, em 2000, nas últimas quatro corridas municipais a taxa média nacional de recondução foi de 59,7% (pela taxa líquida, que inclui também os prefeitos que poderiam se reeleger mas não tentaram, esse percentual é de 41,3%).
O índice de reeleição nos cem municípios que mais evoluíram no IDH subiu de 68,8% para o pico de 82,4%, em 2004, quando passou a declinar fortemente, para 68,8%, em 2008, e para os 48,7% do ano passado.
Para o economista Renan Gomes de Pieri o resultado não é contraditório, pois ao sair de um patamar muito baixo de desenvolvimento a tendência da população local seria a de naturalizar os ganhos e exigir mais. Com mais educação, viriam uma noção maior de cidadania e um maior rigor com os governantes. Seria uma versão do processo ocorrido nos protestos de junho e que deixaram a classe política e estudiosos perplexos, uma vez que o cenário não indicava tamanha turbulência ou insatisfação.
De Pieri é um dos autores de um artigo, baseado em sua dissertação de mestrado de 2011, que relacionou o impacto da melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) sobre as chances de reeleição dos prefeitos nas eleições de 2004 e 2008. Os dados da primeira disputa, quando o Ideb ainda não era divulgado, foram utilizados para controlar a relação causal, se ela não seria contrária, ou seja, se a reeleição é que estaria impactando a melhora no indicador – o que não foi confirmado. A pedido do Valor, Renan de Pieri estimou a probabilidade de reeleição dos prefeitos e também encontrou a correlação negativa nos municípios com maior avanço de IDH.
“Há o aumento do IDH, que, em princípio, nos leva à ideia de que estes prefeitos seriam recompensados. Mas pode ter ocorrido qualquer evento político local ou mesmo que os eleitores destes municípios tenham ficado mais exigentes. A reeleição neste caso pode ficar até mais difícil. É algo semelhante ao que aconteceu em junho. A despeito de termos uma taxa de 3% de desemprego, tivemos uma das maiores mobilizações populares que o país já viu”, diz De Pieri. “Se fizermos um cruzamento entre reeleição de governadores e crescimento econômico a correlação talvez também seja negativa, pois a população está de olho em outros fatores como a qualidade dos serviços públicos e a corrupção”, acrescenta.
Na dissertação, o pesquisador encontrou uma correlação positiva: o aumento em um ponto na escala do Ideb cresceria a probabilidade de reeleição em cinco pontos percentuais. O professor André Portela, da FGV-SP, que foi o orientador no estudo, diz que o trabalho quebra um mito de que educação não dá voto, mas ressalva que a diferença entre o Ideb, o IDH (que ainda inclui renda e saúde) e o perfil dos municípios pode levar a resultados distintos.
Não adianta um prefeito investir em educação, exemplifica, se no perfil demográfico do município há uma predominância de idosos, que demandam mais por investimentos em saúde. Ou o contrário: se numa população majoritariamente de jovens, a gestão privilegiar políticas públicas voltadas para saúde em detrimento daquelas da educação. “Por isso, nós, economistas em geral, somos críticos a essas rubricas, com percentuais obrigatórios para saúde ou educação. Quando elas são baixas, são irrelevantes. Mas se forem altas, restringem a alocação de recursos de forma mais apropriada”, diz.
De Pieri destaca que, embora seu estudo tenha apontado um efeito da educação nas chances de reeleição, o impacto seria menor que outras realizações mais visíveis. “Educação dá voto, mas a relação custo-benefício é alta. Para o prefeito, é mais barato fazer uma ponte. O retorno eleitoral é mais garantido. Na educação, é difícil o eleitor enxergar o produto”, afirma.
Essa dificuldade pode ajudar a explicar a baixa taxa de reeleição. Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – parceiro do PNUD na elaboração do IDHM – afirma que 65% da evolução do indicador na última década se devem à educação – enquanto 35% foram puxados pela renda e pela saúde.
Ele lembra que o efeito sobre as chances de renovação de mandato dos prefeitos, no entanto, são “realmente difíceis de achar”. “O IDH resume muitas políticas distintas e compartilhadas, que envolvem vários partidos e níveis de governos diferentes”, diz. Neri ressalta que a educação – embora tenha sido o componente que mais contribuiu para a evolução no IDH – é a antítese do ciclo político, pois o estudante, seu maior beneficiado é, majoritariamente, “aquele que não vota, que não é protagonista” na eleição. Uma prova disso, cita o presidente do Ipea, seria o trabalho de um ex-aluno seu – o economista Gabriel Buchmann, morto aos 28 anos, em 2009, quando fazia uma escalada na África – que mostrou diminuição de gastos educacionais em anos eleitorais.
Oposição concentra-se em cidades com melhor desempenho
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010 mostra uma tendência de elitização nos principais partidos da oposição, PPS, PSDB e sobretudo o DEM, quando observado o IDH médio das cidades governadas por cada sigla.
Os três subiram sua posição no ranking em relação às demais legendas à medida que perderam prefeituras entre 2004 e 2012. Ou seja, passaram a se concentrar nas cidades mais desenvolvidas.
O ex-PFL, que era conhecido por dominar os grotões e chegou a conquistar 1.027 municípios em 2000, minguou seu número de prefeituras para 274, no ano passado. Foi a maior queda no período. A redução coincide com o maior aumento relativo de IDH: era o 15º lugar em 2004 e passou para oitavo, em 2012, depois de ter sido o sexto em 2008. O movimento vai na direção de outra tendência: três siglas da oposição (PSOL, PSDB e PPS) estão entre os quatro primeiros no ranking deste IDH partidário – o outro é o PP, aliado dos petistas.
O PT e o PMDB, as duas maiores legendas da coalizão no governo federal, vêm, desde 2004, conquistando municípios com uma média de IDH semelhante, sem muitas alterações de posições, mas com uma leve tendência de queda no ranking. O PT, que era o quarto em 2004, desceu para sétimo, em 2012; e o PMDB de quinto passou para oitavo. Nestes oito anos, a variação positiva no valor do IDH de ambos foi de 0,12, abaixo da média de 0,15. O do DEM, por exemplo, foi de 0,17.
A tendência de PT e PMDB é acentuada no caso de outras duas legendas governistas: o PSB e o PCdoB. O forte aumento no número de prefeituras no período foi inversamente proporcional à queda relativa no ranking do IDH. Isso indica uma expansão baseada na conquista dos municípios mais pobres e menos desenvolvidos, o que reflete, de fato, o perfil do PSB, cujo reduto eleitoral é o Nordeste, região com o pior desempenho no indicador do PNUD.
Apesar destas movimentações no ranking, o forte progresso do IDHM nas últimas décadas ocorreu independentemente da coloração partidária. PSDB (0,677), PP (0,675) e PPS (0,673) aparecem nas primeiras posições do indicador. O nanico PTdoB (0,616) surge na pior posição, o que lhe daria o título de legenda que governa os municípios menos desenvolvidos. A diferença de média entre as legendas, no entanto, não é significante. Entre os índices do PSDB e do PTdoB a distância é de apenas 0,061. Todo esse arco de partidos se encaixa na faixa média de desenvolvimento. O PSOL, com 0,723, lidera o ranking e é o único a entrar na faixa de nível alto, mas sua base de comparação é menor, pois governa apenas duas cidades: Macapá, capital do Amapá, e Itaocara (RJ).
A concentração dos partidos na faixa média reflete a evolução por que passou o próprio país no geral, cujo IDHM foi de 0,493 (muito baixo), em 1991, para 0,612 (médio), em 2000, e para 0,727 (alto), em 2010. (CK)
Publicado no Valor Econômico – 12/08/2013