Câmara devolve mandatos de 14 deputados comunistas cassados em 1948
Passados 65 anos, nenhum dos deputados cassados por serem comunistas em 1948 sobreviveu para ver seus mandatos reinstalados pela Câmara na solenidade desta terça-feira (13).
A Câmara dos Deputados realizou sessão solene para devolver simbolicamente os mandatos dos 14 deputados federais do Partido Comunista do Brasil cassados em 1948. Os agraciados foram: Jorge Amado, Carlos Marighella, João Amazonas, Maurício Grabois, Francisco Gomes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcêdo de Moraes Coutinho, Gregório Lourenço Bezerra, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, José Maria Crispim e Oswaldo Pacheco da Silva.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, afirmou que esses parlamentares foram impedidos de concluir “um mandato outorgado pelo povo”. “Mesmo após ser colocado na ilegalidade, o Partido Comunista deu continuidade às suas lutas. Procedemos à devolução simbólica do mandato dos 14 deputados, mantendo o vinculo inalienável que o Parlamento deve manter com o povo brasileiro”, declarou.
Votos aos comunistas
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora do requerimento para a realização da sessão, destacou a trajetória de lutas do partido, citando diversas bandeiras defendidas no passado e ainda no presente. “Caminho pela história do Brasil no período da década de 40 por meio da leitura de depoimentos e dados, e tento alcançar não apenas o que levou 10% da população brasileira a dar seus votos aos comunistas, mas perceber o grande trabalho que desenvolveram no Parlamento, o significado que imprimiram a cada mandato e a cada conquista, as digitais que deixaram na Constituição de 1946 e também a violência que foi cometida contra a opção popular”, afirmou.
A líder do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), deputada Manuela d’Ávila (RS), disse que a devolução dos mandatos é a reconstrução de uma parte da história do nosso País. “Foram 65 anos que levamos para ouvir o pedido formal de desculpas da Câmara dos Deputados a esses 14 deputados. As suas lutas eram justas e as cassações foram equivocadas”, afirmou.
Compromisso com a democracia
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) lembrou os trabalhos da Comissão da Verdade e destacou que “o País passa a limpo a sua história nesse momento”. “Convido o Supremo Tribunal Federal a se incorporar a esse esforço e reparar os erros jurídicos daquela corte. Os ministros cassados da época também devem ser lembrados”, disse.
Para o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), “não pode reivindicar o futuro aquele que não conhece o passado”. Na opinião do parlamentar, a sessão solene serviu também para a renovação do compromisso com a democracia.
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) declarou que a democracia brasileira continua “engatinhando”. “Ainda é uma democracia dos bancos, do monopólio e do agronegócio. Ainda não é uma democracia dos de baixo”, disse. De acordo com o deputado, os deputados comunistas foram cassados “porque tinham um projeto generoso de sociedade”.
Silvio Costa (PTB-PE) afirmou que a Câmara celebra na solenidade a vitória de um partido que “compreende as dores e os sorrisos deste País”. Segundo ele, os deputados homenageados optaram por mostrar no Parlamento “o Brasil real”. “Não se pode contar a história do Brasil sem contar a história do PCdoB”, declarou.
Famílias
Para o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), pedir desculpas e devolver mandatos” nos faz muito bem”, “mas as desculpas não satisfazem as famílias dos torturados, desaparecidos e mortos”, continuou.
Na opinião do parlamentar, essas são “nódoas da história brasileira”. “Devemos rever também os atos que estamos praticando agora, para que daqui a mais 60 anos não tenhamos que pedir novamente desculpas”, concluiu.
A filha de Jorge Amado, Paloma, acompanhada pelo irmão, João Jorge Amado, recebeu o diploma e o boton em nome do pai, morto em 2001. Em plenário, ela cantou o hino da Internacional Comunista, a parte que fala ‘de se juntarem todos os que têm fome para lutar por um mundo melhor’. “Eles foram cassados por suas ideias, por dizerem e lutarem pelo que acreditavam”, disse.
“Esses deputados amaram o Brasil”, gritou ao receber o diploma a neta de Carlos Marighela, Maria. O ex-guerrilheiro que foi morto durante uma ação e se tornou símbolo da resistência à ditadura dos anos 60, já havia sido deputado e foi cassado em 1948. “Esses homens da bancada constituinte de 1946 foram valentes, e colocaram em campo já naquele momento o direito à igualdade, o direito aos direitos”, disse.
Direito retirado do povo
O filho de João Amazonas, João Carlos, lembra que seu pai considerava a própria cassação um direito retirado do povo, porque foram eles que ficaram sem seus representantes. Os comunistas conseguiram 10% dos votos na eleição de 1945, e todos os 14 deputados foram cassados quando o partido comunista foi declarado ilegal. “Gostaríamos que eles estivessem vivos para receber essa homenagem, mas a luta deles representou mais que uma mera formalidade, e se traduziu em direitos para a população”, disse.
O neto do ex-deputado Henrique Cordeiro Oest, Luiz Oest, lembra as discussões em família, e o fato curioso de que seu avô foi cassado novamente em 1964. “Ele nunca mudou suas ideias, nenhum deles”, disse. Ele contou, durante a sessão solene, que quando a família ouviu pela primeira vez a iniciativa, seu pai foi reticente, porque muito tempo se passou. “Mas reparar essa injustiça nos trouxe alegria, e ele acabou se rendendo à homenagem”.
Olga Crispim Bardawil, filha do ex-deputado José Maria Crispim, trouxe netos e bisnetos do deputado para a solenidade e disse que seu pai estaria feliz com a homenagem. “Antes tarde do que nunca, tomara que esses deputados agora reempossados sirvam de exemplo para os atuais”, disse.
Os parlamentares perderam o mandato porque o partido foi colocado na ilegalidade pelo Tribunal Superior Eleitoral, sob pressão do governo do presidente Dutra. Ele queria agradar os Estados Unidos, no início da Guerra Fria contra a então União Soviética.