Caminho pela história do Brasil no período da década de 40 por meio da leitura de depoimentos e dados e tento alcançar, não apenas o que levou 10% da população brasileira a dar seus votos aos comunistas, mas perceber o grande trabalho que desenvolveram no parlamento, o significado que imprimiram a cada mandato e a cada conquista,  as digitais que deixaram na constituição de 1946 e também a violência que foi cometida contra a opção popular, sua liberdade de escolha, o uso democrático do seu voto, o exercício legítimo do mandato parlamentar, a dura resistência que foi empreendida por esses aguerridos combatentes e por democratas que se aliaram contra o arbítrio e os sentimentos  que os envolveram, a  seus familiares e camaradas de partido.

Calaram os deputados e o senador Luís Carlos Prestes do Partido Comunista do Brasil, mas não calaram a voz desses  militantes e dirigentes que deixaram o front institucional de cabeça erguida e suas ideias sólidas na cabeça. Maurício Grabois, líder da bancada, quando faz seu discurso final na Câmara dos Deputados  diz:

“Quando ressurgir a verdadeira democracia, a democracia do povo, quando for respeitada sua vontade, podem estar certos, senhores representantes, que neste instante cassam nossos mandatos, que voltaremos.”

Haroldo Lima, ao assumir a liderança da bancada do PCdoB em agosto de 1985 reproduziu essa passagem do discurso de Grabois e proclamou: “E assim, senhor presidente, senhores deputados, povo brasileiro, VOLTAMOS”.
Hoje, após 28 anos de proferido o discurso do Deputado Haroldo Lima, realizamos esta sessão solene, que recupera a biografia e os direitos dos 14 deputados comunistas. E agora podemos dizer: VOLTAMOS TODOS!!!

Abílio Fernandes, Agostinho Oliveira, Alcedo Coutinho, Carlos Marighela, Claudino Silva, Francisco Gomes, Gervásio de Azevedo, Gregório Bezerra, Henrique Oest, João Amazonas, Jorge Amado, José Crispim, Maurício Grabois e Oswaldo Pacheco

Nossas saudações a esses representantes do povo, que ainda jovens, com coragem e altivez, enfrentaram a onda antidemocrática e a fúria reacionária que, já em março de 1946, buscava a cassação do registro legal do Partido Comunista do Brasil no Tribunal Superior Eleitoral.

A base para tanto consistia na falsa alegação de que se tratava de um partido antinacional e subordinado a uma potência estrangeira, a União Soviética. Um verdadeiro atentado contra o regime democrático e a própria Constituição.
Hoje, essa mácula, que envergonhava e manchava a história de nosso país, será, em parte, removida. Não mais podemos corrigir a injustiça perante os mandatários, todos falecidos, mas diante de seus familiares, testemunhas e parceiros de seus sofrimentos e suas lutas, a Câmara dos Deputados devolve simbolicamente seus mandatos em gesto de reconhecimento aos seus direitos políticos, à legalidade sequestrada de seus mandatos e ultrapassa com vigor a barbárie ilegal e ilegítima cometida pelos poderes do estado contra esses 14 deputados eleitos legitimamente pelo povo brasileiro.

Saíram do parlamento e continuaram junto a tantos outros nas lutas urbanas e campesinas, liderando batalhas libertárias e avançadas nas cidades e no campo, nas escolas, nos movimentos sociais, atravessaram momentos ainda mais adversos nas prisões, na guerrilha armada contra a ditadura nas margens  do Araguaia, no chão das fábricas, nas artes, alguns nunca mais pudemos ver pois foram assassinados pelos órgãos de repressão, outros conseguiram manter-se vivos e até hoje contribuem decisivamente  na  formação de novas gerações de lutadores, fortalecendo a nosso PCdoB e outras organizações e no redesenho do novo momento da nação brasileira.

Para registro do coração, cito aqui alguns dos nossos deputados. Lembro do nosso frágil e forte João Amazonas – dirigente com quem convivi e aprendi o que é o PCdoB, revolucionário, intelectual, ativo dirigente sindical e do Araguaia, feminista. Veio conosco até a década de 90 e deu grande contribuição política ao Brasil, na sustentação à nossa existência estratégica quando muitos valores ideológicos desmoronavam.

Grabois, não conheci, mas quanta admiração por este dirigente e comandante do Araguaia. Marighela, dirigente principal da ALN, poeta, destemido, foi referência da luta libertária.

Jorge Amado, que tive a chance de visitar em sua casa no Rio vermelho, escreveu e descreveu para o Brasil e para o mundo cotidiano, a realidade brasileira, o amor, o sagrado e o profano, a luta e a importância da liberdade. Gregório Bezerra, exemplo de luta e de sofrimento nas mãos da repressão.

A bancada comunista de 46 distinguiu-se na Assembleia Constituinte. Eleita em seis Estados da Federação, marcou na defesa intransigente da democracia, dos direitos dos trabalhadores, da reforma agrária, da soberania nacional e do socialismo, que na época tinha forte referência na experiência da URSS.

Foi consequente na defesa da democracia com ampla participação popular enfrentando, no contraponto os que  pretendiam uma democracia apenas formal, limitada ao exercício do direito de voto e com restrições aos direitos de organização partidária, ao direito de reunião e de livre manifestação.

Já àquela época, eram vozes a defender temas à frente do seu tempo e que invadiam polêmicas comportamentais, morais, sobre a laicidade do estado, preconceito racial, censura, ou exploração no mundo do trabalho e da produção no campo. Algumas foram vitoriosas e outras vieram a lograr êxito anos mais tarde e por outras que lutamos até hoje.

Embora, a maior parte das propostas comunistas fossem rejeitadas pelo muro intransponível da correlação de forças da época, a bancada do PCB logrou obter aprovação para algumas delas, como, de Batista Neto (PCB/DF), estipulando que o trabalho noturno teria maior remuneração que o diurno; de João Amazonas (PCB/DF), acrescentando “Higiene e Segurança do Trabalho” ao elenco de recomendações a serem observadas pela legislação trabalhista; de Maurício Grabois (PCB/DF), proibindo a extradição de estrangeiros casados com brasileiros ou que tivessem filhos de brasileiros natos; de Alcedo Coutinho (PCB/PE), determinando a transferência para os municípios de 10% do total do imposto de renda arrecadado pela União;, de Jorge Amado (PCB/SP), isentando de tributos a importação de livros, periódicos e papel de imprensa, tendo também aprovado a marcante emenda de sua autoria assegurando ampla liberdade religiosa e de culto.

Foi também de autoria da bancada comunista o primeiro requerimento apresentado à Constituinte de 1946, apoiando a greve nacional dos bancários, defendido no Plenário constituinte por João Amazonas.

Vejam, no entanto, que esta bancada  defendeu o voto dos analfabetos; a reforma agrária e o apoio à pequena propriedade rural. Defenderam o direito de greve incondicional (inclusive para os funcionários públicos) e a liberdade e autonomia da organização sindical, redução da jornada de trabalho para 8h diárias. Pela criação de uma Justiça do Trabalho paritária; a proibição do trabalho aos menores de 14 anos e do trabalho noturno e em indústrias insalubres aos menores de 18 anos; noturno e pela regulamentação do descanso semanal remunerado dos trabalhadores.

Apoiaram ativamente as lutas dos trabalhadores, denunciando violências e arbitrariedades policiais. Protestaram com frequência, e veementemente, contra todas as proibições de comícios e assembleias sindicais pelo Governo, exigindo a garantia do mais amplo direito de reunião e manifestação. Foram resolutamente contra qualquer forma de censura a livros, jornais e demais formas de expressão,

Em relação à família, posicionaram-se a favor do divórcio, que só veio a ser aprovado 31 anos depois. Defendiam a saúde pública, a previdência social condigna para os trabalhadores, o desenvolvimento e a defesa da Amazônia; a defesa dos direitos dos índios e de suas terras; a ampliação da anistia para os militares punidos por crimes políticos durante o Estado Novo.

Lutaram contra o racismo e os preconceitos raciais, pleiteando a igualdade de todos perante a lei “sem distinção de raça” e a punição da prática do racismo em território nacional.

O preço pela coerência na defesa dessas ideias foi caro: em 7 de maio de 1947 o arbítrio conservador cassou o registro legal do Partido Comunista do Brasil, violência estendida em 7 de janeiro de 1948 aos mandatos dos deputados e do senador que haviam sido democraticamente eleitos em dezembro de 1945.

Quando observamos as novas gerações sentirem as ruas como um território seu, riscando com seus pés um novo caminho, buscando expressar seus sonhos de vida e iluminar utopias, percorro por um instante o caminho de volta e só posso reafirmar para os meus camaradas e companheiros de caminhada, como também para os meus filhos e seus parceiros de caminhada  e de luta o que muitos já disseram nos livros e na vida. O PRESENTE É INDISSOCIÁVEL DO PASSADO e somado a ele se constrói o futuro.

Os cartazes escritos à mão, a criatividade popular, os gritos e cantos, os vários tons e cores da diversidade, a liberdade que gozamos hoje, apesar das reações policiais que ainda encontramos, devemos muito a todos que ergueram bandeiras vermelhas e que jamais poderão ser excluídos de onde nunca saíram – das ruas.

Esta sessão, senhor presidente não é apenas justa e oportuna. Corresponde ao que deve ser o Congresso Nacional brasileiro. O guardião maior da democracia e do processo democrático. Esta Casa soube ecoar a resistência na voz de muitos parlamentares que, desta tribuna ou deste plenário, combateram injustiças e denunciaram arbitrariedades quando a repressão e a censura colocavam sob mordaças a sociedade brasileira.

Esses companheiros de luta que hoje homenageamos mantiveram-se fieis ao povo que os elegeu e honraram o compromisso firmado como deputados federais. Respeitaram o juramento que fazemos a cada legislatura, quando prometemos “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.

É hora de renovarmos este compromisso, aprofundando a democracia, realizando a reforma política que impeça o poder econômico de definir quem pode ou não pode aqui chegar e garantindo que a pluralidade comande o processo. Aos militantes do PCdoB, em particular, renovo, no momento da realização do nosso 13º Congresso, a importância de reafirmarmos a bandeira do socialismo. Esta, a maior homenagem que podemos fazer a esses 14 brasileiros.

Muito obrigada.

Deputada JANDIRA FEGHALI – PCdoB/RJ