O vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nivaldo Santana, se mostrou otimista frente ao painel de desafios e assimetrias descortinado na mesa 6: A política externa brasileira, comércio internacional investimentos e assimetrias, ocorrida no âmbito da Conferência Nacional 2003-2013: Uma nova política externa, na UFABC de São Bernardo do Campo, na quarta-feira, 17 de julho. A pauta da desindustrialização tem sido o principal argumento oposicionista contra o Governo Federal. Santana sinaliza que é preciso analisar a situação com clareza e perceber os indícios que o governo aponta para solucionar este gargalo.

O professor Giorgio Romano, coordenador do curso de Relações Internacionais da UFABC definiu sua exposição como pessimista, enquanto a exposição do técnico de planejamento e pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcos Antonio Macedo Cintra, desabou no fatalismo, ao descrever um beco sem saída para o Brasil. “Embora também conheça os obstáculos, o meu otimismo se baseia no fato de que as forças criativas dos trabalhadores serão capazes de superar os limites históricos e fazer o governo avançar”, destoou o sindicalista.

Numa mesa formada por intelectuais da área de relações internacionais, economia e direito, Santana representou a sociedade civil e os movimentos sociais, a partir dos cerca de mil sindicatos filiados à CTB. “É importante a universidade abrir o debate para os movimentos e a sociedade civil e não se circunscrever apenas ao acadêmico”, afirmou o sindicalista, ressaltando o formato da conferência, que garantiu o diálogo com representantes de empresas, governos, intelectualidade e movimentos sociais.

Santana lembrou que, no último período, o governo conseguiu fortalecer o mercado interno, a partir da valorização do trabalho. Os bons salários foram resultado da geração de emprego pleno, além de uma política assertiva e contínua de valorização do salário mínimo, com reajustes acima da inflação. Essa cadeia virtuosa de medidas contribuiu para o desenvolvimento econômico, redução de desigualdades e da vulnerabilidade externa brasileira. “Lembro que no governo Fernando Henrique, a bandeira importante do sindicalismo era o salário mínimo de cem dólares. Hoje temos salário de nível maior e um estudo do Ipea sobre redução da pobreza e da desigualdade apontou o aumento do salário mínimo como o principal vetor”, disse Santana, dirigindo-se a Cintra.

Medidas criativas e inversão de prioridades econômicas se refletiram na política externa brasileira, quando o Brasil passou a diversificar seus mercados e reduziu a dependência do capitalismo central (EUA e Europa), hoje, afundados em crise. Santana aponta para a necessidade do país continuar sendo criativo em meio à ortodoxia estagnada dos organismos econômicos internacionais.

Santana colocou suas principais inquietações, ecoando os gráficos apresentados pelos economistas. “Há um grande gargalo nesse período de dez anos, que se expressa na necessidade de solução de problemas econômicos de forma sustentável e duradoura e a não realização de reformas estruturais”, afirmou, citando projetos de tramitação difícil no Congresso, como as reformas urbana, agrária, tributária, política, judiciária, além da regulamentação dos meios de comunicação.

Como sindicalista, Santana conhece bem as contradições do pleno emprego brasileiro. “O Brasil tem nível de desemprego baixo, mas o mercado de trabalho é precário e heterogêneo com alta taxa de rotatividade”, explicou, contando que, em 2012, o País contratou 22,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada, mas demitiu 21 milhões de outros, dado que revela a perversidade da rotatividade e da terceirização para garantir baixos salários.

O outro gargalo que atinge o mercado de trabalho, do ponto de vista do sindicalismo, é a primarização da economia e perda do espaço industrial. “A indústria é o carro chefe do emprego de qualidade. A imensa maioria dos empregos criados é de até dois salários mínimos. Tem pouco desemprego, mas com massa de trabalho de pouca renda e baixa qualificação”, pontuou o dirigente da CTB.

Outro movimento que atinge o coração da indústria brasielira, além da desindustrialização, é a desnacionalização em áreas estratégicas da economia. Santana refere-se a setores que passam a ser controlados por multinacionais que pouco contribuem para a economia interna, globalizando empresas brasileiras e gerando empregos e recursos em outros países. “A indústria ajuda a combater assimetrias internas e externas, nesse momento de profundas transformações no mundo. Se oBrasil se desamarrar de alguns entraves importantes pode se colocar como protagonista no próximo período”, afirmou.

O superávit ruim

O professor Romano focou sua abordagem nos gargalos e assimetrias regionais, demonstrando que o Brasil sempre foi superavitário em relação aos vizinhos. Sua dimensão territorial, população e diversidade econômica torna impossível que a relação com os outros países latino-americanos seja equitativa. “A política externa brasileira nunca foi boazinha, na visão dos vizinhos, pois o Brasil só tem a ganhar”, afirmou.

Para Romano, a crise de 2008 foi uma oportunidade para o Brasil, que vinha num crescendo de 7% do PIB e fortalecimento do mercado interno, reservas cumuladas, políticas desenvolvimentas (Programa de Aceleração do Crescimento) e popularidade alta de Lula no exterior. “A crise era uma marolinha, como disse Lula, mas o day after…”, sugeriu Romano.

Romano faz um mea culpa ao afirmar que discordava do Ipea que alardeava a desindustrialização em 2006, quando o Brasil estava gerando emprego industrial. “Agora estamos crescendo 3% e os empregos vão direto para a China”, completou.

Na opinião de Romano, quem fecha a conta da balança comercial é o agronegócio. “Por isso, Kátia Abreu é a grande parceira da Dilma. O Governo ficou refém dos setores atrasados”, afirma o professor. Em sua calculadora, o déficit em manufatura é camuflado pelo superávit em produtos primários, o que torna a balança equilibrada. “Mas não estamos mais gerando emprego industrial”.

Ambos os pesquisadores apontam um quadro sinistro, em que a ilusão da marolinha se tornou a tsunami do câmbio, que pode ter reflexos incontornáveis nas perspectivas da economia brasileira. Esse é o quadro de pessimismo/fatalismo pintado pelos palestristas. Dilma faz um esforço enorme para evitar a valorização do real, enquanto os EUA não param de fabricar dólar e mandar pra cá.

Na opinião de Romano, o “belo modelo do Lula” parou de funcionar: ampliação do mercado interno, geração de emprego e investimento, aumento de salários, transferência de renda via bolsa família. “A geração de crédito, agora, vaza, porque vai para as importações manufaturadas da China e desestimula o investimento industrial brasileiro”.

Segundo ele, esse mecanismo gera uma lógica perversa com entrada de fluxos de dólares, venda de papéis da dívida que pressionam os juros. “Quem faz a bondade de comprar os papéis da dívida quer que eles se valorizem, por isso defendem o aumento dos juros. “Vejam que Lula não teve coragem, mas Dilma jogou os juros pra baixo e comprou uma briga feia”, destacou.

Todo mundo está deprimido com o Brasil, diz Romano, menos as multinacionais. “Essa é a oportunidade de pactuar: quem quiser participar dessa festa, venha contribuir com conteúdo local em tecnologia e pesquisa. Traga dinheiro para as universidades”, sugeriu Romano, destacando  a firmeza de Dilma neste tema. Ele citou os 1900 trabalhadores na indústria naval em 2000, que agora são 80 mil, como demonstração do foco do governo num comércio com maior valor agregado.

Romano ainda acha que é possível uma mudança na lei do petróleo, durante a eleição, para colocar em debate a redução de privilégios de alguns setores. Ele acredita que os candidatos de oposição não terão coragem de se desgastar com isso. “Leio o Valor Econômico diariamente e sei que ele ataca, sistematicamente, a Petrobras, com mentiras, reduzindo o valor do pré-sal. O Brasil vai ser um dos maiores exportadores de petróleo do mundo. É isso que interessa, não o debate dos royalties, que só virão depois”, afirma Romano.

Grávido de mais hegemonia

Cintra diz que nossa cadeia produtiva é um desastre e produzir petróleo não é suficiente para equilibrá-la. Apesar do entusiasmo com a política externa, diz ele, tem uma revolução tecnológica em andamento, com a miniaturização dos produtos que implica em redução de preços. Ele citou o caso do aparelho gigantesco de ressonância magnética, custando 700 mil dólares, que tornou-se portátil, muito mais barato, e pode chegar à casa do paciente.

A robótica é outro ambiente industrial que está mudando tudo. Com ar grave, Cintra denuncia que a própria Petrobras e o agronegócio não tem criado empregos para a geração de jovens que ele vê nas universidades. A Petrobras traz periodicamente um profissional do Reino Unido, pagando fábulas, para desenvolver seus projetos mais avançados.

Cintra também critica os otimistas que se convencem de que haja um mundo multipolar, depois da crise que atingiu EUA e Europa. “Há uma revolução tecnológica impressionante liderada pelos EUA”, alerta. Para o pesquisador do Ipea, o episódio de espionagem denunciado por Edward Snowden é o sintoma mais evidente da hegemonia dos EUA.

“É bom que se tenha claro que não há decadência dos EUA, mas sim da Europa”, declara. Cintra faz um exercício de futurologia em que o cenário da Europa se torna cada vez mais instável e crescente em todos os níveis. “Crise do capitalismo é bullshit”, diz ele, usando o termo inglês para “bobagem”. Para ele, a atual crise serve apenas para engravidar os EUA com mais poder.

Como nos inserimos nessa ordem? Cintra foi cruel ao afirmar que neste novo mundo não cabem os estudantes que lotavam o Anfiteatro Olga Benário. “Vocês vão trabalhar no supermercado ou no banco, no máximo”, referindo-se a uma suposta condenação do Brasil urbano à lógica dos serviços.

Cintra citou o exemplo da Embraer, como modelo empresarial, pois exporta R$ 2 bi e importa R$ 1 bi em máquinas e tecnologia. “Temos um desequilíbrio no ativo e no passivo externo. Enquanto os estrangeiros têm aqui 1,6 trilhão de dólares, nós temos 800 bi lá fora. São 400 bi de reserva, 300 bi de empregos brasileiros e um passivo externo de 800 bi de gap”, afirmou.

Cintra também aponta o “beco sem saída” dos títulos da dívida que pressionam os juros. “Os estrangeiros estão investindo aqui dentro em títulos da dívida pública. Tem que vender em reais para sair”, diz ele, mostrando que não há interesse em vender os títulos, mas forçar a alta de juros.

Por isso, diz ele, o impacto da crise no Brasil também mudou. Não estamos mais sujeitos à saída de capitais das crises de 82 e 99. “A crise cambial não vai ter fuga de capital ou congelamento com dificuldade de negociação e acesso ao crédito”, diz ele, revelando a sutileza do drama que vive o governo. Segundo ele, a gestão da crise também mudou com o impacto da crise se revelando no câmbio e na taxa de juros, com baixo investimento . “Os próximos anos serão difíceis. Preparem-se!”, encerrou ele, em tom sombrio.

Comentários

Em sua mediação, a professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Michele Ratton, contrastou com Cintra ao apontar algumas questões para o debate. Embora admita que não dá pra pensar no sistema econômico, sem falar do financeiro, extremamente desregulado e pouco debatido em termos políticos. Segundo ela, faltam mecanismo de controle e interesse dos mecanismos multilaterias em debater propostas alternativas, blindando o sistema financeiro em meio à violenta crise atual. “Nosso destino é ser prestador de serviços com uma juventude que vai para o sistema financeiro, como a Índia? É possível incorporar algum elemento solidário na lógica do multilateralismo?”, pergunta. Na opinião dela, a estratégia dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), contrastando com a estratégia dos países centrais, revela que há uma tendência, como a desdolarização da dívida para combater a crise.

Com essas sinalizações, Michele abriu o debate em que os palestrantes puderam pontuar e precisar melhor suas afirmações, reduzindo eventuais impressões erradas. Giorgio relativizou as afirmações categóricas de Cintra ao dizer que vê um cenário de oportunidades no futuro do Brasil. “A multipolaridade não é dada objetivamente, mas uma aposta criada pela política externa. Há multipolaridade, mas há uma hierarquia em que os EUA continuam liderança com sua capacidade de reação”, diz.

Para Giorgio, o pré-sal não é solução mas é oportunidade. Para ele, é importante manter o preço da gasolina no mercado interno igual ao do mercado externo, mesmo com a abundância que vier do pré-sal. “Na Venezuela tem desperdício e não tem espaço para nenhuma outra matriz energética”, critica ele.

O pré-sal pode afetar o etanol, como fez o governo administrando o preço da gasolina para ajudar as refinarias de etanol. “Até Marina Silva tem defendido o etanol!”, mencionou ele, ao ironizar o apoio da ambientalista à matriz energética baseada na monocultura extensiva.

Embora o crescimento da energia renovável no mundo seja enorme, como a energia eólica, por exemplo, Giorgio acredita no aumento da demanda por energia fóssil por países em desenvolvimento. “Esse potencial alimentar e energético do Brasil atrai o interesse da China e dos EUA”, alerta ele.

Giorgio faz outro alerta, ao dizer que foi a dívida pública que se libertou do dólar, não a dívida privada. “A A Petrobras capta em dólar. Quando ocorrer um problema é o setor público que vai ter que resolver”, previu.

Cintra diz que vivemos um paradoxo da mudança. Temos riqueza do mar, alimentos, emprego, juro baixo e a economia não vai a lugar nenhum. Respondendo à uma inquietação da plateia, ele fez uma proposta de agenda para o avanço da integração regional: investir num processo de transformação das cadeias produtivas do Mercosul, tarifa zero para a circulação de mercadorias, financiamento do BNDES e Banco do Sul para produtos que são efetivamente integrados. Ele citou a necessidade de integrar produtos de alto valor agregado como o software do Uruguai. Também sugeriu que o Brasil envie parte de seu petróleo para ser produzido na Argentina e parte na Venezuela.

Cintra acredita que a Índia sofre um déficit de conta corrente que deve afetá-la como parte no jogo comercial. “Se estamos sofrendo com o impacto da China, imagina a Índia, ali do lado!”.

Na opinião do economista, o G20 está morto como ator global capaz de mudar a agenda econômica. “A agenda que os EUA querem que avance, avança. O que me incomoda no senso comum que circula nesses debates é apostar na crise americana para no inserirmos. Concordo que a diplomacia significa aproveitar os espaços possíveis, mas acho que temos que apostar em outras alternativas”, diz ele, mencionando a estratégia de longo prazo de EUA e Alemanha, que visa sufocar as exportações de países em desenvolvimento, algo que a China já faz.

Com um discurso menos técnico e mais à esquerda,  a dialética de Nivaldo Santana apenas refuta receitas seguidas por países que estão fracassando no enfrentamento à crise, sinalizando para uma aprovação das políticas heterodoxas do Governo Dilma. “O Brasil não deve seguir o caminho do México, pobrezinho, tão longe de Deus e tão perto dos EUA, que inviabiliza o desenvolvimento daquele país”.

Para ele, temos que perseverar no caminho do fortalecimento dos BRICS e do Mercosul para ter um protagonismo maior. Ele defende a incorporação da pauta das centrais sindicais no programa que é considerado chave para resolver o problema da reprimarização da economia: o Plano Brasil Maior.  Hoje, ele se constitui de uma multiplicidade de medidas tópicas para atacar problemas desse ou daquele setor. Uma das principais medidas repetidas pelos empresários e setores do governo é a desoneração da força de trabalho. “Na busca do potencial de desenvolvimento industrial do país, os trabalhadores não encontram espaço para fazer valer seus interesses”.

Ele avalia que o modelo que privilegia o consumo jogou um papel no último período, contribuindo para enfrentar a crise e diminuir a pobreza, mas está perdendo fôlego. “Não significa que temos que rejeitar essas políticas. Elas têm que ser preservadas, mas é preciso uma nova arrancada”.