Paolo Gerbaudo abriu as palestras dizendo que teve o privilégio de acompanhar, como sociólogo, os movimentos sociais em diferentes partes do mundo. Essa nova onda de protestos, disse ele, tem sido chamada de muitas maneiras. Dizem que são movimentos populares ou movimentos das praças, por serem ações que se caracterizam por ocupação do espaço público, registrou, complementando que essas denominações decorreram do seu caráter popular, com ambição de representar o povo. Paolo Gerbaudo lembrou que a onda começou com a chamada “Primavera Árabe”. Depois surgiram os indignados na Espanha, os movimentos contra a austeridade na Europa e o movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos.

Segundo ele, essas manifestações têm sido vistas por muitos analistas como continuação daquela onda de movimentos das praças — em particular as do Brasil e da Turquia —, apesar das diferenças de objetivos e dos inimigos. No caso da “Primavera Árabe”, foi a ditadura, a autocracia. No caso na Europa e dos Estados Unidos, a crise econômica, a política de austeridade. No Brasil e na Turquia, países com situações econômicas muito diferentes porque cresceram muito no último período, a questão é a ideia de que há algo que não funciona, a maneira como a democracia opera.

Razão emocional

Gerbaudo disse que, estudando esses movimentos do ponto de vista da cultura digital, com a prática nas redes sociais, eles são novos, mas têm algo em comum: uma nova cultura global de protestos. Segundo ele, há uma contradição visível: de um lado, há a importância dos símbolos das nações, um regresso da simbologia nacional, que é muito surpreendente; não se via bandeiras nacionais nos protestos nos últimos anos, quando houve os protestos antiglobalização — uma questão que na esquerda era associada à direita, ao nacionalismo, ao fascismo.

Por outro lado, há uma cultura global compartilhada entre esses movimentos, uma série de símbolos compartilhados, em particular a máscara de Alan Moore, que representa uma revolução popular contra um governo autocrático, protofascista. Essa máscara capturou um sentimento que havia em todos esses países, não obstante suas enormes diferenças, disse o professor, o que revela uma diferença em relação às manifestações antiglobalização do final dos anos 1990 e começo dos anos 2000.

Três elementos

Para Gerbaudo, existem três elementos fundamentais nessa diferenciação. Primeiro, a utilização das redes sociais, que muitas vezes aparecem nas avaliações de modo superficial. Às vezes há uma certa ilusão de que esses movimentos são hipertecnológicos, de que a circulação de informações cria esses movimentos. Isso não é verdade, segundo ele.

Os meios sociais são instrumentos que são utilizados não só para mobilizar, mas criar uma razão emocional, para concentrar as forças e as experiências das pessoas, para transformar noções individuais em indignação frente a sistemas injustos, e frustrações das experiências pessoais em paixões políticas coletivas. Esse aspecto emocional dos meios sociais tem sido fundamental em todos esses movimentos, lembrou Paolo Gerbaudo. São a plataforma para se concentrar as energias surgidas da indignação frente ao sistema injusto.

O segundo elemento é que o espaço virtual não tem nada a ver com o espaço físico. Essa concentração de energia nacional é uma etapa para preparar a assembleia no espaço público. São como um trampolim. Os meios sociais não são espaço público, são um canal, uma via, um lugar onde as pessoas se encontram virtualmente antes de chegar às ruas. Segundo ele, isso ocorreu na Espanha, quando os manifestantes diziam que estavam nas ruas, não no Facebook. Paolo Gerbaudo afirmou que viu uma foto no Brasil com o mesmo dizer. Há essa ideia compartilhada de que há algo limitado no isolamento, na individualização da experiência cotidiana do uso da internet. Essa nova cultura de protesto vai contra muitas ideias que se tinha da geração digital, disse ele.

O terceiro elemento é a cultura antiautoritária, que identificam nas “classes políticas e comerciais” partes da mesma elite, uma aristocracia, analisou. Uma parte eleita e outra não. Uma ideia contra os poderosos. Paolo Gerbaudo observou que os manifestantes não têm uma ideia de alternativa, mas deixam muito claro que não querem esse sistema de poder atual. Segundo ele, há um sentimento geral de desconfiança frente à “classe política”, considerada cúmplice da “classe empresarial” e vista como não capaz de representar o povo.

Sociedade civil

Para Gerbaudo, há um conflito entre povo e elite, típico de momento de interregno, quando um sistema institucional não é capaz de capturar as demandas populares. Uma parte consistente da população não se considera representada não só pelos partidos políticos, mas também por outras organizações da sociedade civil, incluindo os sindicatos. Paolo Gerbaudo  lembrou que os protestos na Europa não eram apenas contra os partidos, mas contras os sindicatos, vistos como culpados da situação de desemprego e trabalho precário, organizações fundamentalmente corporativas, que não defendiam direitos universais, mas direitos de uma categoria específica.

Esses três pontos, segundo Paolo Gerbaudo, sintetizam a ideia de que não é o povo que tem de ter medo do governo, mas o governo que tem de ter medo do povo. Por isso há na manifestação antigoverno um certo espírito neoanarquista. Desde 1968, esse fenômeno tem sido observado, mas agora ele representa setores mais amplos, com a mesma ideia de que outro mundo é possível, de que há outras maneiras de organizar-se, de viver, de consumir, de estar juntos. São movimentos com o traço comum de uma revolução democrática, com novas formas de participação política.

Paolo Gerbaudo concluiu que as manifestações levantam muitas esperanças por mais formas de democracia participava, de representação das classes que não se consideram representadas — em particular a “classe média emergente” e os jovens —, mas também levantam, porque se não há uma maneira de institucionalizar as demandas surgidas, cria-se um vazio político que pode ser ocupado por forças autoritárias.