A indústria do 11 de setembro
Apenas nove dias após os dois aviões atingirem as torres do World Trade Center, em Nova York, o Congresso americano autorizou um repasse emergencial de US$ 40 bilhões para fortalecer o aparelho de defesa antiterrorista do país. Desde então, os gastos não pararam de crescer. Em 12 anos de “Guerra ao Terror”, os Estados Unidos ultrapassaram a marca dos 4 trilhões de dólares em gastos que incluem desde equipamentos de vigilância interna, confecção de manuais antiterror para aeroportos, 30 milhões de câmeras de segurança instaladas no país e a a presença ostensiva de tropas militares no Oriente Médio.
Surfando na onda de paranoia que se espalhou pelo país pós-11/9, talvez a principal beneficiária do cheque em branco que o combate ao terror produziu seja a indústria de segurança. Cerca de 70% do orçamento de inteligência interna dos EUA é gasto com contratos privados e vai parar direto no bolso de grandes empresas do setor. Criado em 2002, a conta do Departamento de Segurança Interna (Homeland Security) cresceu mais de 300% na última década. Existem hoje pelo menos 1.271 ONGs e 1.931 companhias privadas relacionadas a terrorismo, inteligência e segurança.
Abaixo, veja alguns dos serviços oferecidos pela rentabilíssima “indústria do 11 de setembro”. Uma das únicas que não parou de crescer (exponencialmente) nem quando o país era sufocado com a recessão econômica — muito embora seja muito mais provável que um norte-americano morra em um acidente de carro do que em um ataque terrorista.
Scanners de aeroportos. Nada mais lógico que o boom inicial tenha sido sentido onde foi registrada a falha primária que permitiu os ataques do 11/9: segurança aérea. Um dos mais populares, e também polêmicos, são os scanners de corpo inteiro. As vendas do aparelho — cuja unidade chega a custar US$ 200 mil — foram impulsionadas depois que uma tentativa de ataque suicida foi desvendada, no Natal de 2009. Líder no nicho de scanners, a L-3 Communications já vendeu mais de US$ 900 milhões para o governo norte-americano.
Educação anti-islã. O sentimento revanchista após 11/9 tomou o islã como o próximo inimigo a ser combatido. Não podia deixar de existir, então, consultorias especializadas em providenciar esse “treinamento islamofóbico”, característico da ideologia da Guerra ao Terror. O CI Centre, por exemplo, oferece cursos e análises supostamente abalizadas sobre a ameaça muçulmana para agências do governo e outras forças da lei. Um curso de cinco dias para funcionários públicos intitulado “Doutrina da ameaça jihadista global” custa US$ 39 mil. Para uma classe de 30 alunos, o workshop “Morrendo para nos matar: compreendendo a mentalidade das operações suicidas” sai por US$ 7 mil.
Drones. A “guerra sem baixas” (pelo menos, não do “nosso lado”) virou uma das marcas da política externa do presidente Barack Obama. A principal ferramenta: aeronaves não-tripuladas. A alta demanda faz do mercado de drones um dos mais quentes, movimentado quase US$ 6 bilhões todos os anos. A General Atomics, fabricante do Predator e líder do mercado, tem contratos milionários com o Departamento de Defesa e um futuro promissor, já que os EUA pretendem exportar o modelo para outros países.
Soldados profissionais. As intervenções do Exército norte-americano fora do país foram responsáveis pela criação de um verdadeiro complexo industrial paramilitar. Por meio de contratos milionários com os EUA, empresas como a Blackwater terceirizaram a “Guerra ao Terror” e criaram “soldados profissionais”. A companhia, que depois mudou de nome, atuou por um tempo como uma espécie de extensão da CIA, mandando recrutas — “mercenários contemporâneos” — para o Afeganistão, fazendo da base das forças armadas um verdadeiro campo privado de treinamento militar.
Privatização da inteligência. Recentes vazamentos de informação confirmaram que os EUA têm acesso a uma infinidade de dados de comunicação: emails, bate-papos, histórico de navegação, buscas na internet, telefonemas. E quem vai processar e sistematizar toda essa montanha de informação? Empresas como a Booz Allen, a antiga empregadora de Edward Snowden, o homem responsável por vazar o esquema de vigilância da NSA. Companhias como esta trabalham no cerne da inteligência norte-americana, cada vez mais privatizada. Dos 854 mil cidadãos que possuem acesso a informações secretas, 250 mil (30%) são do setor privado.
Lobby. “Onde tiver dinheiro público nessa quantidade, sempre vai haver um enxame de lobistas”, afirma Michael Beckel, pesquisador político. Em Washington o lobby existe, e é pesado. Certa vez, introduziram scanners dentro do prédio do Capitólio para convencer os parlamentares da sua utilidade. Mas o problema é quem está fazendo esse lobby. Quando as parcerias público-privadas começaram nos EUA, a maior justificativa foi comercial. Seria mais barato. Hoje, uma década após a escalada dos gastos em segurança, fica mais e mais evidente o conflito de interesses entre o público e o privado. Na indústria de scanners, 8 em cada 10 lobistas são egressos da carreira pública. Boa parte da linha de frente das agências públicas de segurança já passou pelas gigantes do setor privado — James Woosley (ex-chefe da CIA) foi da Booz Allen; William Studeman (ex-diretor da NSA), foi fisgado pela Northrop Grumman; e Barbara McNamara (também da NSA) foi contratada pela CACI. Entre 2004 e 2008, pelo menos 80% dos oficiais de alta patente que se aposentaram foram trabalhar no setor privado.
Publicado na revista Samuel