A ideia do seminário é discutir crise, representação, novas tecnologias, relações em rede, reforma política, mídia livre, regulamentação da comunicação e formas inovadoras de participação no Brasil e no mundo. O evento tem site próprio (www.gabinetedigital.rs.gov.br/seminário) e recebe inscrições para as atividades da sexta-feira (6), que ocorrem no Theatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura.

O governador Tarso Genro participa, às 18h, no Salão Negrinho do Pastoreio, do painel de abertura – Representação política no século XXI: crise e alternativas. Representantes de movimentos sociais, jornalistas e blogueiros completam o grupo que vai discutir os principais desafios para os sistemas democráticos.

Com transmissão ao vivo pelo portal do Gabinete Digital e uma ampla estrutura de cobertura colaborativa, a programação inclui, ainda, a entrega dos resultados das consultas sobre reforma política realizadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul à bancada gaúcha do Congresso Nacional.

Um dos debatedores do painel, o jornalista Altamiro Borges avalia que as demandas apresentadas nas manifestações das principais capitais do país ainda não foram atendidas pelos governos. Presidente do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé e autor do livro “Ditadura da Mídia”, Altamiro garante que a crise de representação resulta do distanciamento entre representados e representantes e do papel exercido pela mídia nas últimas décadas, a qual classifica de “deformação midiática”.

Na entrevista a seguir, ele afirma que as manifestações registradas na Europa, nos Estados Unidos e no mundo árabe reuniram componentes diferentes das realizadas no Brasil.

Como avalia essas mobilizações dos últimos meses no Brasil?
Borges: Estamos presenciando uma crise de representação que não é de agora, que é de algum tempo e tem a ver com a estrutura política no próprio sistema capitalista. O eleitor vai se afastando cada vez mais do eleito. Essa forma de representação, as disputas eleitorais cada vez mais dependendo de dinheiro, isso vai criando uma fenda entre os chamados representados e os representantes e deformações que temos no sistema político, incluindo aí a deformação midiática.

O papel que a mídia adquiriu nos últimos tempos, nas últimas décadas, e o poderio que ela tem de interferir na sociedade, na subjetividade humana, com muito mais força. Se eu junto todos esses fatores, o distanciamento do eleitor do eleito, o dinheiro tendo um papel decisivo nos processos eleitorais e o papel da mídia como uma formadora, mas uma ‘deformadora’ da chamada opinião pública, isso leva a uma crise de representação grande hoje no sistema político do mundo e também do Brasil.

As mobilizações no mundo todo começaram a partir de 2011, com a primavera árabe. Essa mobilização não chegou de forma tardia no Brasil?
Borges: Cada explosão de revolta tem a sua particularidade. Não dá pra dizer que é uma mesma onda de revolta mundial. Se pegarmos a revolta dos indignados, na Espanha, a componente decisiva foi a questão do desemprego, e principalmente do desemprego na juventude – que atinge 50% dos jovens hoje na Espanha.

Se pegarmos a explosão de revolta em Londres, aquele movimento que alguns chegaram a comparar com o que ocorreu em junho aqui no Brasil, de quebradeiras, de destruir carros, teve a particularidade da crise do capitalismo no Reino Unido e do governo Cameron (David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido), um governo conservador do Reino Unido ter retirado investimentos em várias áreas sociais. A explosão (início dos movimentos) em Londres, o fato gerador, ‘o detonador’, foi o trabalhador negro assassinado que a polícia não entregou o corpo para mãe por alguns dias. Isso gerou uma onda de revolta.

A revolta no mundo árabe, a chamada primavera árabe, são outras componentes. Tem uma componente de crise de governos que eram muito autoritários, monarquias muito autoritárias, no Egito e na Tunísia, por exemplo, com a crise econômica. Então eram governos autoritários se fragilizando, junto com a crise econômica que se agravou.

Se estendermos (a análise) no mundo árabe, também tem diferenças. Uma coisa é uma explosão de revolta no Egito e na Tunísia, que alguns até chamaram da revolução do Facebook. Outra coisa é o que ocorreu na Líbia e o que ocorre atualmente na Síria, que aí já não é Facebook, aí é armamento que vem de fora, intervenção estrangeira.

Além do componente religioso
Borges: Tem também o componente religioso, de disputa de seitas. Vamos pegar o exemplo mais próximo, do occupy street. Aquela explosão teve muito a ver com a crise econômica nos Estados Unidos, que foi muito profunda e deixou explícito para a sociedade, até na forma que o governo estadunidense agiu, de que era uma sociedade dividida entre o 1% e 99%, com desemprego, desalojamentos, despejos.

Quando analisamos o Brasil, temos um governo autoritário? Não. É um governo eleito, democrático, nessa crise de representação da democracia liberal. Tem uma explosão de desemprego? Também não, ao contrário, tem geração de emprego no Brasil. Até agora, mais recente, até em função da crise internacional, pode ter diminuído o ritmo de geração de vagas, mas continua gerando vagas, não está desempregando. Então também não tem essa componente espanhola, vamos chamar assim, e não tem a componente árabe do governo autoritário.

Aqui foram demandas que foram se acumulando. E acho que tem a ver com as próprias mudanças que ocorreram no Brasil nos últimos anos. Se imaginarmos o seguinte: tem 19 milhões de pessoas que estavam fora do mundo do trabalho, estavam desempregadas até por desistência, porque não vale a pensa sair pra procurar emprego porque a pessoa só gastava dinheiro.

Dezenove milhões de pessoas ingressaram no mundo do trabalho. Ao ingressar, passam a ter outras exigências. O tema não é mais desemprego, é mobilidade urbana, por exemplo. O cara, antes, estava desempregado. E hoje ele está empregado, mas gasta duas ou três horas no transporte nos grandes centros urbanos Criou uma nova demanda.

Se pegarmos esse dado de que mais de 40 milhões de brasileiros estavam totalmente excluídos, estavam na pobreza, e que hoje têm acesso a algum bem de consumo, essas pessoas passam também a ter outras exigências. A questão dos serviços públicos, médicos, educação, passa a ser uma coisa com muito maior força do que era antes. As próprias mudanças que ocorreram no Brasil fizeram com que essas demandas, que são muito antigas, ganhassem um novo peso.

No caso dessa explosão de revolta, da chamada jornada de junho aqui no Brasil – que eu volto a dizer, não me parece similar ao que ocorreu na Europa ou no mundo árabe ou nos Estados Unidos – nesse caso também houve interesses que entraram em jogo, tentaram pegar carona nos protestos.

Chama muito a atenção a atitude que a mídia tradicional teve nesse episódio. Num primeiro momento, como ela sempre faz com qualquer luta popular, qualquer demanda social, foi tentar invisibilizar a luta pelos 20 centavos, pela mobilidade urbana em São Paulo. Num segundo momento, foi tentar criminalizar pedindo repressão. Quando o governo de São Paulo acatou o pedido de repressão e bateu para valer, inclusive em jornalistas, 15 jornalistas que foram duramente reprimidos, criou-se uma onda de solidariedade. Aí a mídia passou a adotar uma terceira postura, que foi tentar pegar carona nas mobilizações para pautá-las. E passou a incentivar as mobilizações.

Foi emblemática a postura do jornalista Arnaldo Jabor, que num primeiro momento, disse que aqueles jovens que estavam na rua reivindicando os 20 centavos equivaliam ao crime organizado, ao PCC, e que não valiam nem 20 centavos. Esse foi o comentário dele na Globo. Num segundo momento, dois dias depois, ele apareceu “dizendo que errou, que as manifestações são lindas, que precisa ter mais no Brasil inteiro, só que elas precisam ter eixo. Qual é o eixo? PEC 37, prisão para os mensaleiros e corrupção”. Ou seja, a mídia mudou de postura. Da criminalização para a tentativa de pegar carona.

Isso teve uma interferência muito grande na explosão no Brasil. Esse é um dos grandes problemas da democracia hoje Brasil. Essa democracia pode estar combalida em função do poder que algumas instituições na sociedade adquirem, entre elas a mídia.

O que podemos esperar desses movimentos daqui para a frente, quais são os desdobramentos que a gente pode esperar? Achas que eles já atingiram seus objetivos ou ainda têm muita coisa a reivindicar?
Borges: As demandas do movimento não foram atendidas. O governo federal teve uma postura correta que foi respeitar, de não ter adotado uma postura de colocar tanque na rua, exército na rua. Teve uma postura correta de respeitar esse clamor popular, o que a própria presidente Dilma Rousseff chamou de clamor das ruas. Isto é uma postura democrática. Acho que o governo tomou algumas atitudes para responder as demandas na área da saúde, por exemplo, com toda essa onda que está se formando em torno do Programa Mais Médicos.

Na área da educação, tem a questão dos royalties do petróleo. Foram atitudes positivas. Mas as demandas continuam e também o jogo de forças na sociedade, o jogo de interesses, também continua se manifestando. Eu não diria com tranquilidade que essa onda de protestos acabou. Ela refluiu, mas pode não ter terminado.

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