Congresso foi favorável aos infringentes. E Gilmar Mendes sabia
Brasília – O Congresso Nacional já debateu e tomou decisão favorável à admissibilidade dos embargos infringentes em ações penais originárias do Supremo Tribunal Federal (STF), ao contrário do que afirmam os cinco ministros que votaram contra o recurso para os réus do mensalão. E dos cinco, pelo menos um não pode alegar sequer desconhecimento do fato: trata-se do ministro Gilmar Mendes, o que mais vociferou contra os recursos, na histórica sessão de quinta (12), que empatou o placar em 5 votos a 5, delegando a decisão final ao decano Celso de Mello.
A comprovação está na edição do Diário da Câmara dos Deputados de 14 de outubro de 1998, que apresenta o texto do projeto de lei 4.070, enviado ao Congresso pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O projeto propunha, entre outras medidas, a supressão do artigo 333 do Regimento Interno do STF, que prevê os infringentes.
Na época, o hoje ministro Gilmar Mendes, depois indicado ao cargo por FHC, exercia a função de subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Portanto, não tinha como ter ficado alheio ao tema.
Celeridade judiciária X direitos dos réus
Na justificativa do projeto, os então ministros Iris Rezende (Justiça) e Clóvis Carvalho (Casa Civil) alegaram que a medida tinha “a louvável intenção de combater a verdadeira incapacidade material de enfrentar a enxurrada de recursos que lhes são, diariamente, submetidos à apreciação” . A proposta, entretanto, foi rejeitada já na primeira discussão no parlamento, ainda na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Os argumentos foram contundentes.
“A possibilidade de embargos infringentes contra decisão não unânime do plenário do STF constitui importante canal para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas constitucionais, além dos demais para os quais esse recurso é previsto. Percebe-se que, de acordo com o Regimento Interno da Suprema Corte (Artigo 333, par. único), são necessários no mínimo quatro votos divergentes para viabilizar os embargos. Se a controvérsia estabelecida tem tamanho vulto, é relevante que se oportunize novo julgamento para a rediscussão do tema e a fixação de um entendimento definitivo, que depois dificilmente chegará a ser revisto”, afirmou em seu parecer o relator da proposta, o então deputado Jarbas Lima (PPB-RS), advogado e professor de direito.
Na ocasião, o relator também previu a possibilidade de mudança na composição da corte durante o curso de uma ação. E, assim como os demais legisladores que o seguiram no seu parecer, a julgou favorável a uma decisão equilibrada. “Eventual mudança na composição do Supremo Tribunal no interregno poderá influir no resultado afinal verificado, que também poderá ser modificado por argumentos ainda não considerados ou até por circunstâncias conjunturais relevantes que se tenham feito sentir entre os dois momentos. Não se afigura oportuno fechar a última porta para o debate judiciário de assuntos da mais alta relevância para a vida nacional”.
Fatos concretos X discursos políticos
Os ministros que votaram contra o acolhimento dos embargos infringentes na ação penal 470 entenderam que o recurso foi revogado tacitamente pela lei 8.038, de 1990, que se sobrepôs ao Regimento Interno do STF, de 1980, mas acolhido com força de lei pela Constituição Federal de 1988. A Lei 8.038 não faz nenhuma referência aos infringentes nem a vários outros instrumentos legais que continuam a constar no Regimento Interno da corte, sem que esses mesmos ministros contrários ao recurso contestem sua validade.
Conforme explicou a ministra Carmem Lúcia na sustentação do seu voto contrário, só o Congresso tem a prerrogativa de legislar sobre as leis nacionais, como é o caso da legislação penal – e se não há lei de autoria do Congresso que preveja os embargos, eles não podem ter validade. Será que, à luz dos novos fatos, sabendo que o Legislativo já se pronunciou sobre o recurso, ela mudará seu voto?
A mesma pergunta vale para os demais ministros (Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio) que não queiram, a exemplo de Mendes, se esconder sobre o manto de uma falsa ignorância.