Embargos conhecidos
Tive a oportunidade em meu último artigo neste espaço de expor meu ponto de vista sobre a questão do conhecimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470, o chamado caso do “mensalão”. Como a maioria dos ministros do STF manifestei minha posição pelo conhecimento dos embargos.
Os ministros do STF, em especial Celso de Mello pela circunstância de votar por último em sessão isolada, o que ocasionou sensível pressão midiática para que não adotasse a decisão que acabou adotando, tiveram de decidir uma questão jurídica de difícil deslinde.
Ao contrário de outras decisões no caso, em que a divisão em plenário não expressou uma verdadeira dificuldade interpretativa de nossa ordem jurídica, essa última decisão se referiu a um caso que na teoria jurídica é chamado de um “hard case”. Ou seja um caso difícil no sentido que a ordem jurídica oferece mais de uma solução possível para o caso, contraditórias entre si.
A verdade é que ambas as posições estavam estribadas em argumentos consistentes, o que exigiu dos ministros ponderarem valores de nossa carta constitucional como forma de verificação da interpretação mais adequada a Constituição. Tal valoração se dá não pelos valores pessoais do julgador mas pelos positivados em nossa Carta.
Creio que Celso de Mello valorou da forma adequada o duplo grau de jurisdição e a interpretação favorável ao réu em caso de dúvida fazem o sopesamento de valores constitucionais pender para o conhecimento dos embargos. Embora tal fator não impeça de reconhecer consistência nos argumentos jurídicos em contrário.
Sem qualquer sentido as primeiras críticas que observamos nos sites dos veículos de mídia que atribuem a decisão do ministro o caráter de “pizza” ou de leniência excessiva com os réus.
Primeiro porque julgamento não é linchamento. Num país civilizado ímpetos histéricos de conclamação ao linchamento devem ser sempre repudiados pela jurisdição democrática.
O portador da opinião pública a ser levada em conta pelo STF é o texto da Constituição e não editoriais histéricos. Opinião pública no sistema democrático é aquela que é aferida por votação parlamentar ou pela vontade constituinte.
O conhecimento dos embargos não implica sua aceitação no mérito. Não implica por si na reversão da culpa dos réus nas decisões embargadas. Quer dizer apenas que agora vai se proceder ao julgamento dos embargos.
De forma alguma há o que anunciam manchetes destes mesmos veículos de que haverá “reabertura do caso do mensalão”.
Os infringentes incidem apenas nas decisões que contaram com 4 votos a favor dos réus, dividindo o plenário.
Isso implica dizer que mesmo que julgados procedentes no mérito os embargos, os principais réus do caso, embora possam ter alterado o regime de cumprimento de sua pena, continuarão condenados em crimes gravíssimos com penas pesadas. Crimes infamantes, graves e com penas aplicadas de forma inusualmente pesada. Isso é jogo jogado, definitivo.
Mesmo que um réu como José Dirceu venha a obter vitória nos embargos e altere seu regime de execução de pena do regime fechado para o semi-aberto, ainda assim terá de dormir num estabelecimento penitenciário de péssima qualidade, vestindo roupa de prisioneiro, por um tempo considerável. Terá direitos políticos cassados agora por decisão judicial, terá sua vida pública definitivamente enterrada, sofrerá sanção patrimonial de pagamento de multa de valor vultuoso, carregara pelos restos de seus dias a condição infamante de condenado por corrupção ativa.
E mais, todas essas condenações pesadas e já imutáveis jamais foram vistas em nossa história em se tratando de crimes contra a administração pública. E tudo isso tendo-se em conta provas extremamente frágeis de autoria, sem qualquer consideração por provas apresentadas pela defesa.
O discurso midiático de insatisfação do desejo público ou publicado de punição não corresponde à realidade dos autos e do que já está deliberado definitivamente no julgamento.
O que estará em jogo nos embargos é apenas o crime de quadrilha, o menos grave de todos atribuídos e com penas mais leves. Óbvio erro chamar esse fato de reabertura do caso. Imprecisão a serviço da histeria.
A meu ver a decisão do ministro Celso e de seus pares merece elogios pela racionalidade jurídica e pela isenção que expressa. Mas mesmo quem não a considera adequada deve mitigar qualquer crÍtica que tenha. O caso era de muito difícil decisão, tribunal e comunidade jurídica especializada não se dividiram a toa. Só o leigo desavisado, o “técnico de futebol” palpiteiro ou o jornalista não tão desavisado e não tão isento podem ter certezas e arrotar lições dotadas de plena assertividade.
Pedro Estevam Serrano
Advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, é mestre e doutor em Direito do Estado
Publicado em Carta Capital