Stiglitz afirma que movimento dos “indignados” marca ponto de viragem política
Joseph E. Stiglitz, prémio Nobel da Economia, afirma, no livro “O Preço da Desigualdade”, que os manifestantes norte-americanos do Occupy Wall Street e os “indignados” europeus “perceberam mais depressa” do que os políticos os efeitos da crise.
“O Preço da Desigualdade”, que vai ser lançado esta semana em Portugal, incluiu um novo prefácio, que corresponde à segunda edição do livro nos Estados Unidos, em que o autor se refere à importância dos movimentos de contestação à crise, quer na Europa quer nas cidades norte-americanas, e em protesto contra a falta de políticas e pela regulação do sistema financeiro.
“O slogan ‘somos os 99%’ pode ter marcado um importante ponto de viragem de debate sobre a desigualdade nos Estados Unidos”, escreve o prémio Nobel, sublinhando que os 99% continuam a defender “a classe média tradicional”, mas com a ressalva de que agora dizem que nem todos ascendem juntos.
“A grande maioria sofre junta, e os do topo — 1% – vivem uma vida diferente. A grande maioria dos norte-americanos simplesmente não tem beneficiado do crescimento do país”, escreve Stiglitz no prefácio do livro “O Preço da Desigualdade” (páginas 33-53).
“Houve, durante anos, um acordo entre as franjas do topo e o resto da sociedade: damos-vos emprego e prosperidade, e vocês deixam-nos sair ilesos com os nossos bónus. Cada um fica com a sua fatia do bolo, mesmo que nós fiquemos com a maior. Porém, esse tácito acordo entre os ricos e os outros, que sempre foi frágil, foi agora desfeito. Os 1% levam consigo as riquezas, mas ao fazê-lo apenas provocam ansiedade e insegurança aos 99%”, afirma Stiglitz sobre o Movimento Occupy Wall Street que marcou a contestação contra o sistema financeiro nos Estados Unidos desde 2011.
Para o Nobel da Economia 2001, se o Presidente Obama e o sistema judicial norte-americano tivessem considerado os que levaram a economia dos Estados Unidos à beira da ruína “culpados de alguma conduta ilegal”, então teria sido possível afirmar que o sistema funcionava e que haveria pelo menos um sentimento de responsabilidade.
“A indústria dos fundos de cobertura não provocou a crise. Foram os bancos que a causaram. E foram os banqueiros que se safaram. Se ninguém é responsável, se nenhum indivíduo pode ser culpado pelo que aconteceu, isso significa que o problema reside no sistema político-económico”, escreve o autor de “O Preço da Desigualdade”.
Segundo Stiglitz, o movimento Occupy Wall Street ligou-se “intimamente” ao movimento antiglobalização e têm muito em comum: a crença não só de que algo está mal, mas também a crença de que a mudança é possível. Contudo, o problema, afirma, não é que a globalização seja boa ou má, mas sim que os governos a estão a gerir de um modo “paupérrimo” e somente em benefício de interesses especiais.
“Os manifestantes, porventura mais do que os políticos, perceberam o que se estava a passar. De certo modo, pedem muito pouco: uma oportunidade para usarem as suas capacidades, o direito a ter um emprego decente com uma remuneração decente, uma economia e uma sociedade mais justas, que os tratem com dignidade”.
“Na Europa e nos Estados Unidos, os seus pedidos não são revolucionários, mas sim evolucionários. Contudo, de certa maneira, também estão a pedir muito: uma democracia onde as pessoas, e não o dinheiro, é que interessam; e uma economia de mercado que cumpra o que é suposto cumprir”, considera Stiglitz, que defende a regulação do sistema financeiro, uma agenda política, e reformas eminentemente políticas como solução para a crise económica.
“A economia é clara; a questão é: e a política? Os nossos processos políticos permitirão a adoção até dos mais simples elementos desta agenda? Se isso acontecer, têm de ser precedidos por grandes reformas políticas”, defende.
“Na verdade, privatizámos em grande medida o apoio e a manutenção do bem público, com consequências desastrosas. Deixámos as grandes empresas privadas e as elites ricas gastarem dinheiro para nos ‘informar dos méritos’ de políticas e de candidatos alternativos”, escreve.
“Os 99% podem aperceber-se que foram enganados pelos 1%, que os interesses dos 1% não são os seus interesses. Os 1% trabalharam muito para convencer os restantes de que um mundo alternativo não é possível; que fazer alguma coisa que os 1% não desejam irá inevitavelmente prejudicar os 99%. Grande parte deste livro tem sido dedicada a destruir este mito e a argumentar que poderíamos realmente ter uma economia mais dinâmica e eficiente e uma sociedade mais justa”, sublinha o Nobel da Economia, para quem “a esperança é vacilante”.
“O Preço da Desigualdade” (495 páginas — Bertrand Editora) de Joseph E. Stiglitz é lançado em Portugal na próxima sexta-feira, dia 13.