DOI-Codi
A década de 70 teve um preço para Honestino. Jovem, idealista, apaixonado pela luta de classes e por um país justo, o estudante era exemplo de um movimento que pulsava nos meninos e meninas que cresciam sob amarras do “não” e a explosão de sonhos. Sua persistência por um Brasil liberto era contagiante e não tardou a chamar a atenção. A ditadura enfrentou este “problema” revolucionário, desaparecendo com o símbolo estudantil, crendo que seria fácil acabar com suas idéias e lutas.
Esta semana, ao entrar nas dependências do 1º Batalhão de Polícia do Exército, ali na Rua Barão de Mesquita, numa Tijuca encalorada pela primavera, me deparei novamente com a História. Éramos uma comitiva de parlamentares de esquerda, oficialmente organizados, acompanhados de representantes do Ministério Público e da Comissão da Verdade do Rio, como o presidente Wadih Damous, Marcelo Cerqueira e Álvaro Caldas, ex-preso político naquele mesmo local.
Lá foram mais uma dezena de ex-presos, dirigentes partidários e entidades, a exemplo do grupo Tortura Nunca Mais!, dando apoio e sustentação à iniciativa. Foi uma verdadeira visita ao passado atravessar as grades da antiga sede do nefasto DOI-Codi que, pela primeira vez, abre os portões, empurrados por um contexto diferente de nosso tempo, onde ações democráticas avançam e a sociedade exige a verdade.
Caminhar naqueles corredores, com a descrição atenta e emocionada de Álvaro, foi muito angustiante e ao mesmo tempo vitorioso. Ele, sobrevivente das torturas, falando abertamente sobre o que ocorreu, indicando as celas e a “sala roxa” (onde estavam os instrumentos de tortura utilizados contra ele e tantos democratas, socialistas e comunistas).
Nos lembrávamos dos mais de mil presos que por ali passaram, como as mortes de Mário Alves, Rubens Paiva e Raul Nin, dentro daquelas salas de terror. Eu, particularmente, via os rostos de meus companheiros e companheiras de partido, o Partido Comunista do Brasil, que foram violentamente tratados naquele indigno espaço.
A visita ao antigo DOI-Codi foi um passo simbólico e histórico de uma série de iniciativas que estão sendo executadas no Brasil, especialmente no Rio, onde a ditadura militar massacrou centenas de militantes da liberdade. O cenário do atual batalhão precisa ser aberto a todos os ex-presos e organizações políticas que continuam na busca da verdade; afinal, o Exército é uma instituição pública, sustentada pelos tributos da sociedade e faz parte das forças armadas do Brasil – pertence ao povo brasileiro.
É necessário que locais que serviram aos aparatos da repressão sejam transformados em centros de memória, assim como estamos fazendo com a Casa da Morte, em Petrópolis, na Região Serrana. Em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos, o local será o primeiro centro do Brasil aberto à visitação das gerações, antigas e novas, para que o arbítrio nunca mais ocorra. Não mais aceitamos as velhas ou atuais formas de tortura e desaparecimento que continuam a assombrar famílias e sociedade. O sumiço e a ocultação de cidadãos são hoje exemplificados por um brasileiro chamado Amarildo.
Os trabalhos das Comissões da Verdade nos estados e sua matriz nacional são atividades investigativas que almejam esclarecer as diversas lacunas em nossa história. A verdade e justiça são pautas que não podem cessar dentro de nossa República. Enfrentar o passado é reescrever o presente e projetar o futuro. Não esmoreceremos diante daqueles que, covardemente, repudiam a investigação sobre comandantes, militares, torturadores e todos aqueles envolvidos na tortura psicológica, física e assassinatos.
Também não deixaremos de lado a paixão pela democracia, fruto da luta de tantos brasileiros. É hora de darmos resposta à angústia de seus familiares, ainda hoje mutilados pela perda de seus entes queridos e pela repetida negação de informação.
Como disse Juliana, filha de Honestino: “É desse pai que eu morro de saudade. É esse pai que me tiraram e é desse pai que eu quero a verdade. Junto-me ao clamor pelas explicações das circunstâncias da morte. É como cidadã brasileira e filha que eu peço respostas que, depois de 40 anos, ainda não foram dadas. O que aconteceu com meu pai e onde ele está?”
Jandira Feghali é médica, deputada federal (PCdoB-RJ) e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara.
Publicado em Monitor Mercantil