Vivemos uma espécie de “fim da história” no Brasil, a julgar pela opinião vulgar, academicista e intelectualista que tomou conta dos maiores meios de comunicação a respeito das eleições do ano que vem. Para os porta-vozes desta opinião, os paradigmas econômicos e políticos que marcaram o século XX perderam a razão de ser. O modo como estávamos acostumados a ver as coisas e a entender o mundo não faz mais sentido. Os conceitos clássicos de esquerda e direita, segundo essa tese, não existem mais porque a oposição básica que lhes daria sentido — socialismo versus capitalismo — foi varrida pela “nova ordem mundial”. E com ela teria desaparecido a dicotomia entre revolução e reação, que estabelece o fio condutor com marxistas e liberais.

Onde havia a chama da revolução, teria passado a existir um desejo sereno de mudanças porque as forças da reação estariam tendendo a defender a manutenção dos cenários estabelecidos de uma forma menos autista. Em conseqüência, as possibilidades de diálogo e de solução dos conflitos seriam maiores. A nova dicotomia no máximo lembraria um pouco a organização partidária norte-americana, comandada por republicanos à direita e democratas à esquerda — um espectro político muito próximo do “centro”. O PSDB seria a principal força de centro-direita e o PT a principal força de centro-esquerda, ambas enquadradas por “instituições maduras” no trato das políticas macroeconômicas e sem espaços para operar mudanças estruturais.

É difícil a comprovação desta tese num país em que o combate histórico à hegemonia liberal ainda é uma luta contra resquícios medievais. Essa constatação ajuda a desvendar por que no Brasil a direita morre de vergonha em admitir-se de direita e procura manter baixa a visibilidade de sua bandeira. A realidade, no entanto, mostra cotidianamente que o enfrentamento entre forças de transformação e forças conservadoras não desapareceu. Travamos hoje uma batalha contra uma direita que age de tacape na mão para suprimir direitos sociais, que luta com unhas e dentes para manter a imprensa a seu serviço, que abomina qualquer iniciativa que visa a distribuição de renda e que desqualifica qualquer conceito de Estado de corte humanista.

História do movimento partidário imperial

Ou seja: direita e esquerda, que sempre pintaram suas bandeiras com cores nítidas, enfrentam-se com projetos claramente opostos para o país. A direita brasileira não assume o escopo ideológico que lhe corre nas veias porque ele já está há muito tempo superado. Ela sempre se soube na contramão da história, dando sustentação a qualquer regime que protegesse seu senhorio, porque privilégios feudais e arcaísmos oligárquicos que já estão sepultados há séculos em outros países ainda são a essência do seu projeto estratégico. Daí a tentativa da direita de camuflagem de sua bandeira, que vem sendo pintada desde antes da disputa ideológica típica do século XX — entre socialismo e capitalismo, o conflito clássico da esquerda com a direita —, quando no Brasil já havia o choque do contemporâneo com o obsoleto.

A história do movimento partidário imperial — principalmente no auge das disputas entre monarquistas e republicanos, quando os últimos fundaram mais de 300 clubes no ano e meio decorrido entre a Abolição e a República — guarda perfeita simetria com o atual estágio em que as forças políticas conservadoras reproduzem a forma como as oligarquias trataram o povo ao longo do período republicano. Ainda hoje pouco se sabe a respeito da atividade política popular contra a monarquia, registrada em muitos jornais republicanos, e do fio condutor das ações progressistas do século XX com as lutas que se vinham travando por um futuro melhor desde antes da proclamação da República — resultado da contumaz ação autoritária das forças conservadoras.

O papel progressista do PTB até o golpe

Na República Velha, que continuou restringindo a participação popular nos destinos do país, os trabalhadores começaram a construir um efetivo movimento político, que culminou na criação do Partido Comunista do Brasil. Depois da derrocada da República Velha e da consolidação da revolução que levou Getúlio Vargas à Presidência da República em 1930, com a superação da fase em que os comunistas enfrentaram a repressão varguista, o quadro partidário ganhou nova configuração. O PCB — a sigla do Partido Comunista do Brasil na época — contribuiu de forma decisiva para a unidade nacional contra a reação e conquistou a legalidade. Sua atuação junto ao povo, mesmo depois de ser cassado no governo do general Dutra, em 1947, foi marcante.

Neste período surgiu, pelas mãos de Getúlio Vargas, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o objetivo declarado de ocupar os espaços do PCB. Surgiram também o PSD e a UDN, que retomaram a clássica configuração partidária da República Velha — além de outros partidos de menor expressão à direita e à esquerda. O PTB, partido ligado ao movimento operário que adotou uma plataforma nacional e democrática após dar sustentação inicial ao governo reacionário de Dutra, revelou-se uma força ponderável na formação de um campo político nacional amplo e ao mesmo tempo com base popular, também integrado pelo PCB, e cumpriu importante papel até o golpe militar de 1964.

A política de unidade confirma seu acerto

Vencido o longo inverno antidemocrático, o quadro partidário, após uma fase de redefinição das posições políticas, voltou a ser basicamente o mesmo do período que sucedeu o Estado Novo. Hoje, pode-se dizer que, numa conjuntura evidentemente muito mais complexa, o DEM — o ex-PFL — e o PSDB são, em essência, a continuidade do PSD e da UDN. O Partido Comunista do Brasil, já com a sigla PCdoB, voltou a figurar com destaque no cenário partidário e novamente propôs uma frente popular, liderada pelo PT, que foi se ampliando até a vitória eleitoral que conduziu Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002, a sua reeleição em 2006 e a eleição de Dilma Rousseff em 2010.

As eleições de 2014 são mais um passo que concorre para agrupar no plano político as correntes progressista e conservadora. Há, no entanto, um tremendo esforço — às vezes por meio de um academicismo exasperante e tumultuado — para situar o quadro político fora da realidade, ignorando classes, grupos de classes e interesses antagônicos. As eleições vêm comprovando a heterogeneidade de alguns partidos tidos como grandes, mas também estão evidenciando a necessidade de unir para a ação conjunta todos os setores democráticos e populares.

Política progressista acertada

No entanto, o processo para levar adiante essa unidade merece atenção. Os fatos vêm revelando que o campo governista não está suficientemente coeso. Concorrem para isso, principalmente, os conflitos de interesses, uma ligação débil com os interesses estratégicos do país e até resquícios do tradicional “esquerdismo” sectário e divisionista. Na corrida presidencial já em preparação, a grande massa do povo brasileiro se integrará conscientemente no projeto mudancista surgido em 2002 à medida que ver claramente a relação entre seus interesses vitais e a defesa dos interesses gerais da nação.

Talvez seja essa deficiência o principal entrave hoje para uma definição clara dos dois projetos que historicamente disputam a condução do país. Uma política progressista acertada, portanto, exige, além do apoio popular decidido às ações favoráveis do governo aos interesses nacionais, o combate enérgico à proposta dos conservadores de manter a economia do país subordinada à dependência do capital financeiro. O grande desafio, já em franco andamento, é o de dar cada vez mais conseqüência às reivindicações populares.