Quartim de Moraes aponta importância da denúncia marxista de Losurdo
O historiador e filósofo italiano Domenico Losurdo vem à Unicamp na próxima quarta-feira, dia 2 de outubro. Docente da universidade de Urbino, na Itália, Losurdo dedica-se à crítica do pensamento liberal do ocidente. Possui obras significativas sobre Gramsci, Nietszche e Heidegger, com edições traduzidas para várias línguas.
Na Unicamp ele ministra a conferência “Dimensões e perspectivas da luta de classes”, que contará com tradução simultânea. Também lança o livro O pecado original do século XX, publicado pela editora Anita Garibaldi. O evento acontece às 17 horas no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
Por sugestão de Armando Boito Júnior, professor titular de Ciência Política da Universidade, o Portal da Unicamp ouviu o professor João Carlos Kfouri Quartim de Moraes, profundo conhecedor da obra e do pensamento de Losurdo. Quartin de Moraes, docente colaborador do IFCH, foi um dos responsáveis pela primeira vinda de Losurdo ao país. Confira os principais trechos da entrevista.
Retórica da democracia
O Domenico Losurdo tem refletido sobre o fato das grandes potências liberais imporem seus próprios interesses, alegando aos outros países valores que em si ‘merecem respeito’. Ele tem tentado desmistificar estas pretensões. Há uma retórica interminável de democracia, sobretudo da Casa Branca, mas também da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Eles falam em nome da comunidade internacional. Só que não foi concedido nenhum mandato para que se imponham deste modo, identificando estes grandes valores da humanidade com as iniciativas políticas que tomam.
Ciclo interminável de guerras
João Quartin: ‘Losurdo mostra que a ideologia liberal que os Estados Unidos promovem como uma justificação para defender seus interesses, ela, na verdade, não é tão pura politicamente quanto pretende”
A grande constatação que se tem, baseada no pensamento do Losurdo, é a seguinte: desde a derrocada da União Soviética – que tinha um poderio militar capaz de conter as potências ocidentais da Otan – nós temos um ciclo interminável de guerras, de agressão: guerra no Panamá, duas invasões no Iraque e no Afeganistão. Guerras movidas diretamente pelos Estados Unidos ou pelos parceiros da Otan. E agora os Estados Unidos só não entraram na Síria porque, desta vez, finalmente a Rússia – que está reconstituída como potência e aliada com a China – disse: ‘chega, não vai entrar na Síria coisa nenhuma.’
Desrespeito à autonomia
O Losurdo mostra que essa ideologia liberal que os Estados Unidos promovem como uma justificação para defender seus interesses, ela, na verdade, não é tão pura politicamente quanto pretende. Esta ideologia sempre se comportou nos Estados Unidos com um aspecto de discriminação, de violência dentro do próprio país. Antes da Guerra de Secessão, os Estados Unidos eram dirigidos por senhores de escravos. A Guerra Civil Americana foi terrível e mesmo depois da vitória do norte – sem dúvida um fato progressista, porque aboliu formalmente a escravidão – ainda há discriminação. Hoje, os negros ganham menos do que os brancos… Todo o ocidente conseguiu estabelecer instituições do estado de direito nos seus territórios, mas, ao mesmo tempo, sempre tratou o resto do mundo como uma espécie de humanidade menor, uma sub-humanidade. O ocidente nunca aplicou de fato o respeito à autonomia, sobretudo para aquele grupo que não faz parte do pelotão rico liderado pelos Estados Unidos. É essa a denúncia, vamos dizer assim, que o Losurdo faz, com argumentos claros e consistentes.