Apocalypse now
Apocalypse now
the horror…
o megacowboy vestindo uma armadura
de carapaças de armadillo à
prova de tiro
divide o mundo em adeptos do
mal e cruzados do bem
(em sua caixa craniana
um vozerio de apostas ruge
em torno de uma briga de cascavéis)
o macrovaqueiro do bem
revestindo uma couraça de raios lazer
à prova de bazukas
não ouve o clamor dos pais da pátria
(“o jovem povo de vanguarda”, sousândrade)
ignora a biblioteca de jefferson
nas estantes lavradas de monticello: jefferson ele
próprio fora o arquiteto de sua mansão
enquanto se correspondia com humboldt e outros
notáveis da época – uma época
(dizem) em que se chegou a pensar em adotar o
grego clássico
(em vez do inglês) com idioma da nova república:
-que antecipou a revolução francesa
-que inspirou os libertadores da hispano-américa
e os inconfidentes de minas
o megamacrosuperherói do bem
não está interessado em ouvir mais nada
nem repara quando martin luther king
apresenta afro-condolências a uma afro-
-americana condoleezza verde-hirta
ferrúgeo-parda como a estátua da liberdade (vista
de perto)
o senador byrd
robert byrd
da virgínia do norte
um filho de mineiros de carvão
em seu terceiro mandato
(um membro do “establishment” porém
decente
fiel à memória dos patriarcas)
discursa
alertando o senado:
por três vezes apela aos pro-homens
da república
por três vezes o senado cala
(nem uma linha na grande imprensa americana
sobre o discurso do byrd)
o supermacromegacowboy vestido de “mariner”
chegou ao limite
seus olhos azuis são um frio risco de aço:
basta de onus onerosas e inoperosas!
basta de franceses amolecidos e decadentes
e de alemães desleais!
(vênias dadas ao trêfego blair e aos dois
porta-vozes de eurodireita: o asinino aznar
ostentando as medalhas do generalíssimo e o
mafioso berlusconi com bufos esgares de mussolini)
azuis os dois olhos são agora um único risco de aço
o dedo no comando
está prestes a apertar o botão
o ar tem um ataque cardíaco
a primeira bomba
como um ovo de assombro
tomba
(ali onde foi o zigurat
de babel ali onde
a rainha semíramis
passava tardes amenas
e odorantes
em seus jardins suspensos)
Haroldo de Campos