PT versus PSDB: muito mais do que polarização
Mais do que uma questão partidária, a polarização no país reflete as profundezas da sociedade brasileira. O quadro partidário no país, desde o fim da ditadura militar, tem evoluído para uma “udenização” do PSDB e uma “petebização” — do PTB de Getúlio vargas — do PT. O partido tucano surgiu como ala organizada dentro do PMDB quando Franco Montoro, eleito em 1982, assumiu o governo do Estado de São Paulo.
Na ocasião, Orestes Quércia já era o principal líder do PMDB no Estado e aceitou, em nome da unidade, ser vice de Montoro. Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi eleito senador pela sublegenda, de carona. Mário Covas foi nomeado prefeito de São Paulo e José Serra assumiu como o poderoso secretário de Planejamento. Sérgio Motta — ministro das Comunicações no governo FHC — assumiu a presidência da Eletropaulo. Paulo Renato e Bresser Pereira ficaram com o controle das finanças.
Na sucessão de Montoro, o empresário Antônio Ermírio de Moraes candidatou-se pelo PTB — o ressurgido após a ditadura, completamente divorciado do trabalhismo varguista — e era um dos concorrentes de Quércia. Mas não lançou candidatos ao Senado. Covas e FHC eram os candidatos a senadores pelo PMDB. A deputada peemedebista Ruth Escobar — que mais tarde virou tucana de carteirinha e num banquete chamou Lula de “aquele mecânico” — criou um grande comitê Ermírio, Covas e FHC.
O PSDB achou o par perfeito
Em seguida, pipocaram comitês semelhantes pelo Estado. Foi a senha para a criação do PSDB. Logo o partido, majoritariamente, bateu asas para a direita. Já em 1989, quando os tucanos lançaram Covas para concorrer à Presidência da República, estava claro que este era o destino do partido. No dia 28 de junho daquele ano, em seu lançamento como candidato a presidente, Covas pronunciou o discurso que ficou famoso sob o título “Choque de Capitalismo”. “Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção a atividades econômicas já amadurecidas”, disse ele. (Esse discurso, até na forma, também ficou famoso na boca de Fernando Collor de Mello quando ele se candidatou a presidente, e foi repetido infinitamente por FHC durante aos longo dos seus mandatos na Presidência da República.)
Logo depois, em 1991, um setor tucano capitaneado por FHC defendeu a incorporação do partido ao governo Collor. A manobra seria um desastre político. Foi combatida por Covas, o que possibilitou, mais tarde, a FHC ser o principal executor de uma espécie de golpe branco contra o presidente Itamar Franco ao comandar o processo de transição da economia para a “estabilização”. Mais à frente essa transição resultou no “Plano Real” e na consolidação da “era neoliberal”. Para essa tarefa, o PSDB achou o par perfeito: o PFL — hoje DEM —, que acabara de se divorciar de Collor. Velho e novo liberalismos se uniram em regime de comunhão de bens. Como a política dos liberais tem discurso e prática diferentes, FHC assumiu a Presidência da República empalmando as promessas de Covas e o resultado de seus dois mandatos é a herança maldita da qual o país ainda se bate atualmente para livrar-se.
A semeadura é livre, mas a colheita é certa
Já o PT surgiu como guarda chuva de tendências de esquerda. No final dos anos 1980, o partido abandonou seu velho testamento exclusivista e sectário, e adotou um novo — mais afinado com a realidade política brasileira. Liderou a formação da “Frente Brasil Popular”, que lançou a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República, e consolidou um movimento organizado de oposição à arrancada neoliberal com a eleição de Collor. Isso cacifou Lula para entrar na disputa eleitoral de 1994 como franco favorito. Derrotado pelo “Plano Real”, ele voltou a ameaçar os neoliberais na disputa de 1998 quando a pesquisa Datafolha de 8 e 9 de junho mostrou uma diferença de 5% a favor de FHC no primeiro turno e 1% no segundo turno.
O projeto neoliberal calibrou o rumo da sua campanha, centrado basicamente na imagem de FHC como o Joãozinho do Passo Certo, e recuperou a vantagem, vencendo as eleições novamente no primeiro turno. Mas ficou na população aquele gosto amargo de derrota, uma sensação de ter sido enganada por aquela mão espalmada insistentemente levantada por FHC. Nas eleições seguintes, veio a derrota. Como diz o povo, a semeadura é livre, mas a colheita é certa. Ao assumir o poder, no entanto, o PT teve dificuldades em aplicar o seu novo testamento político. O partido mostrou que havia sido abalado pelos efeitos do fim da Guerra Fria e da crise do Estado de bem-estar-social. O velho exclusivismo petista voltou a manifestar-se.
O PT parecia não ter se convencido de que com a modernização do quadro partidário brasileiro pelo governo do presidente Getúlio Vargas, quando houve a incorporação de uma ativa classe trabalhadora ao cenário político, passou a existir um espaço de centro-esquerda bem demarcado e com um enorme potencial de crescimento. Até 1964, esse espaço foi liderado pelo PTB, partido ligado ao movimento operário que adotou uma plataforma democrática e revelou-se uma força ponderável na formação de um campo político nacional amplo e ao mesmo tempo com base popular.
Duas falsas hipóteses
Por tudo isso, não se deve acreditar que um aparente vácuo à direita na disputa presidencial de 2014 não será ocupado. Aécio Neves tenta ser o seu ocupante. José Serra também. Marina Silva idem. E até outros aventureiros podem sonhar com a possibilidade de preenchê-lo. O nome conta, evidentemente, mas o que vai determinar o rumo da prosa será a plataforma política da direita.
Não passa de conversa mole essa historinha de que o PSDB se esfarela numa disputa interna interminável e isso abre campo para outros projetos de enfrentamento ao campo governista. A pergunta que emerge é a seguinte: há espaço para projetos desse tipo? A resposta é não.
Essa cantilena constrói duas hipóteses. Na primeira, o que a mídia diz sobre o quadro partidário brasileiro é balela de campanha para o eleitor incauto engolir. Sua tese é a de que, se o crescimento do PT e do PSDB se deve ao fato de esses dois partidos terem capitaneado o moderno desenvolvimento político brasileiro, um terceiro partido que conseguisse subir alguns degraus na escala partidária poderia desalojar um dos dois de seu posto.
Um projeto alternativo ao do campo governista atual e diferente do que foi o da nefasta “era FHC” poderia ser a melhor alavanca para a volta dos conservadores ao poder — condição que vinham conseguindo manter já há décadas e que foi derrotada em 2002. A questão é saber se a aparência difere da essência. O candidato teria de ser um autêntico malabrarista para dizer que não.
Aécio Neves tenta dizer que o cara para encampar essa ideia seria ele. Para a direita não importa o nome, evidentemente. Podem ser vários, que se juntariam em um eventual segundo turno — como parece ser, hoje, a sua tática. O importante será a defesa do ideal oligárquico que, sabemos, representa as práticas mais atrasadas do país, ideologicamente melífluas e um retrato fiel do fisiologismo e do clientelismo na política brasileira. A difrença seria tópica para ser vendida como algo novo.
Para o PT, a lógica política preconiza uma ampla aliança de forças. Como tendência política progressista majoritária, o partido de Lula e Dilma tem a obrigação de unir o máximo de forças para dar combate à linha de desconstrução nacional que vem da colônia, da República Velha, da ditadura militar e do neoliberalismo. Do centro à esquerda, todos podem — e devem — ser mobilizados para esse propósito.
Na segunda hipótese da cantilena da mídia sobre um projeto alternativo ao atual campo governista e ao do da “era FHC”, todos os partidos sonham com o poder para abraçar a missão de gerar progresso e azular o imenso déficit social reinante no país. Outra balela eleitoreira. Não se deve ignorar que a vitória de Lula em 2002 e 2006 e a de Dilma em 2010 representaram a negação do neoliberalismo radical do PSDB e do liberalismo de feição feudal do DEM.
Furacão golpista
Este governo pode ser definido como bem-sucedido do ponto de vista social. É possível que Dilma ganhe mais quatro anos dos brasileiros já no primeiro turno, porque seu governo tem gerado valores sociais facilmente perceptíveis. A presidenta está com um crédito imenso e, invejas à parte, certamente pedirá para ir mais uma vez às urnas.
Dilma está certamente entre os melhores presidente que o Brasil já teve. Se comparamos com os que antecederam Lula após a ditadura de 1964 a diferença fica aina mais perceptível. José Sarney, apesar de ter conduzido bem o país pela senda democrática, ficava com o rosto marcado por erupções toda vez que seu governo passava por um momento mais difícil.
O período Collor dispensa comentários. Itamar Franco foi emparedado já no início do seu governo e FHC reinou absoluto com seu cesarismo atormentado. Depois veio o Lula, um presidente que aparentava tamanha sobriedade diante dos problemas de uma forma que não se via no Brasil desde os tempos de Juscelino Kubitschek, Brasília e a bossa nova.
Com o debate sobre as eleições de 2014 em andamento, tudo o que a direita quer é impedir o campo governista de se pronunciar. Fala-se em “questões éticas”. Não seria “ético” colocar para debate as mudanças no país agora. Por quê? O que existe de “antiético” em oferecer aos eleitores, o quanto antes, a chance de conhecer o que vem sendo feito depois do furacão golpista dos últimos meses? Haja balela!