O escritor Luis Fernando Veríssimo disse, em uma de suas crônicas sempre bem-humoradas, que a vitória de Lula nas eleições presidenciais em 2002 significou a mudança da era dos Bragança para a dos Silva. A tirada pega o fio da meada da disputa política na história do Brasil e estabelece uma mudança de paradigma de proporções ainda incalculáveis. Por razões mais do que evidentes, há uma tentativa, desde quando a faixa presidencial trocou de ombro no início de 2003, de descaracterizar o simbolismo da vitória de Luis Inácio Lula da Silva.

A tese mais difundida, inicialmente, foi a de que o Partido dos Trabalhadores (PT) adquirira certa “maturidade”. O que estaria por trás desse “amadurecimento” seria o fato de esse partido finalmente entender que a política está cada vez mais balizada pela economia. O mercado financeiro, com sua sede inflexível por resultados e por previsibilidade, seria a engrenagem por meio da qual o Estado funcionaria com mais “responsabilidade”. Como a complexa equação econômica que define a atual situação brasileira não se alteraria com a mera chegada de Lula a Brasília, o leque de opções que o novo presidente teria no Palácio do Planalto não seria muito diferente daquele que compôs o painel de comando do país na era tucana.

Texto de campanha

A cúpula do PT aparentava ter assumido isso. Tanto que, no começo de 2003, respondendo a ataques de senadores do PSDB e do então PFL — hoje DEM — segundo os quais a oposição “petista” ao governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) impediu a aprovação das reformas o à época senador Aloizio Mercadante (PT-SP) lembrou que a administração tucana tinha ampla maioria e poderia ter votado o que quisesse. Mas encaixou a ressalva: “Ainda que a oposição possa ter contribuído para não aprovar coisas relevantes para o país. E estava errada quando não contribuiu”. O senador fez questão de ressaltar a história em seu site pessoal, colocando lá os editoriais em que os jornais “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo” aplaudiram o mea-culpa. Saiu assim no site: “Mercadante na mídia: editoriais sobre a autocrítica do líder do governo.”

O discurso petista havia mudado durante a campanha presidencial, especialmente com a “Carta ao Povo Brasileiro”, assinada por Lula em junho de 2002. Mas era um texto de campanha, do candidato, não do partido. No governo, depois de bater cabeça a cúpula do PT assumiu a política econômica de forma explícita. Logo em seguida, o economista Paul Singer, petista tradicional, publicou no jornal Valor Econômico um artigo elegante, mas cujo título não deixava dúvidas: “O medo vence a esperança”. Singer inverteu a frase famosa do presidente Lula para explicar sua vitória e desancou a opção “ortodoxa” de política econômica — a que “tem medo da inflação acima de tudo” e “vê o futuro ameaçado pelos desequilíbrios financeiros”.

Sofismas de José Serra

Felizmente o PT compreendeu o dilema no qual estava enredado, especialmente depois que estourou a crise da farsa do “mensalão”: ou o governo mudava o país ou o país mudava o governo. No auge da crise, a direita, tendo FHC como um dos seus principais porta-vozes, deitou falação sobre a violação das “tradições republicanas”, omitindo que a mais notável “tradição republicana” da ideologia da elite brasileira é o quartel. Estaria em curso um mitológico “hegemonismo da máquina” pelos partidos da base aliada, falácia que varria para debaixo do tapete as práticas do hegemonismo neoliberal que assaltou o Estado depois de amarrá-lo inclusive institucionalmente. José Serra, outro tucano histórico, também pisou nesse terreno. Segundo ele, “numa perspectiva republicana o governo é para servir às pessoas, não aos partidos”.

Há nessa afirmação dois sofismas que revelam a essência da estratégia política dos conservadores. O primeiro é a deliberada generalização das “pessoas” a quem um governo “republicano” deve servir prioritariamente. Contra a direita, no entanto, pesa a tradição republicana, que é essencialmente progressista — nenhum presidente da República elegeu-se com o voto popular prometendo claramente defender interesses elitistas. Em nossa história, existem muitos exemplos de governos odiados pelo povo por prometer uma coisa e fazer outra.

Classes sociais

Existem também os que foram golpeados pela violência das forças reacionárias como resposta à concretização de compromissos com os interesses nacionais. Essa prática recorrente da elite brasileira reflete a lógica da luta pela sobrevivência dos ideais conservadores frente às aspirações populares. Toda a nossa história mostra que a República é vista pela ampla maioria da sociedade como a negação do conservadorismo e sinônimo de independência nacional — um movimento que surgiu com Tiradentes e seus companheiros em 1789, com os Alfaiates em 1798, com os republicanos do Nordeste em 1817 e 1824, inspirado nas ideias da Revolução Francesa e da Independência Americana, e que marcou profundamente o século XX.

O segundo sofisma de José Serra é a tentativa demagógica de negar que os partidos são expressões de classes sociais. Se há interesses antagônicos em uma sociedade, como é o caso brasileiro, há também a disputa política expressa por meio do embate entre os partidos que refletem as concepções de um ou outro conjunto de forças sociais. Numa perspectiva republicana, portanto, governos democráticos levam a sério o papel dos partidos. A negação desta obviedade por José Serra implica, em última instância, em cercear a manifestação democrática do povo — prática que a direita brasileira conhece mais do que ninguém.

Autoridades em abobrinhas

Esse debate tem, historicamente, permeado o cenário político brasileiro. E a falsidade dos que hegemonizam os conceitos sociais foi crescendo até chegar ao alarmante grau de cinismo atirado à face na nação pela mídia atualmente. Quem observa, minimamente que seja, o comportamento das sempre bem informadas autoridades em abobrinhas dos principais meios de comunicação do país vê facilmente que para essa gente o importante é criar ondas de boatos de toda ordem. A busca desenfreada e desqualificada de palpites, fofocas, pseudofatos, pontos de vista e pontos sem vista cresce numa velocidade supersônica. E, para além da eclética e deletéria boataria, toma conta do país a disseminação do sentimento de Armagedon, uma mistura de bravatas, foguetórios e nenhuma substância.

Os primeiros movimentos concretos no tabuleiro do xadrez das eleições de 2014, no entanto, mostram que, no fundo, o que determina o jogo é a sábia definição do escritor Luis Fernando Veríssimo. Ou seja: a luta entre os contendores Bragança e Silva. Ou por outra: a esquerda e a direita, conceitos que se formaram, possivelmente, como analogia às posições que os parlamentares ocupavam na Assembleia Nacional, em Paris, logo após a Revolução Francesa. Nas galerias à esquerda da mesa diretora ficavam os jacobinos, radicais quanto ao fim da monarquia e quanto aos rumos da Revolução. À direita ficavam os girondinos, que defendiam posições mais moderadas e não simpatizavam com a ideia da França transformada em República.

Monarquia e república

Já no século XIX, quando a maioria dos países havia trocado a monarquia de base feudal pela república baseada no liberalismo, direita passou a representar a defesa dos valores conservadores, como a tradição familiar e a propriedade privada dos meios de produção; e esquerda a crítica a esses valores. Quando os projetos socialistas e capitalistas passaram a disputar a hegemonia política e econômica do planeta no século XX, a denominação de esquerda coube aos marxistas e a de direita aos liberais.

Esquerda passou a significar o projeto de modificação da estrutura republicana arquitetada pela desigualdade social e do sistema econômico baseado na propriedade privada das forças produtivas. Seu ideário reivindica a precedência do trabalho em relação ao capital, da propriedade social em relação à propriedade privada dos meios de produção. E direita tomou o significado de manutenção do status quo do sistema econômico e político sustentado pela correlação de forças favorável aos capitalistas. Seu ideário advoga a primazia do capital em relação ao trabalho, da propriedade privada em relação à propriedade social dos meios de produção.

Revolução e reação

É verdade que entre uma e outra apareceram tendências moderadas, que preconizam a conciliação, a construção de um modelo de sociedade capaz de trazer a relação entre capital e trabalho da truculência patronal para o acordo, da instabilidade litigiosa do capitalismo para o equilíbrio negociado social-democrata. O problema é que essa conciliação contraria a natureza de um modelo de sociedade fundado em um agudo conflito de classes expresso pelos interesses de quem vive do trabalho e de quem vive do lucro do capital.

Desde que o homem deixou de ser nômade e passou a criar e acumular riqueza, esse conflito entre explorados e exploradores tem estado no âmago das relações econômicas, políticas e sociais. O capitalismo é apenas o capítulo mais recente dessa história. Já nos organizamos para produzir, depois do modelo de comunitarismo primitivo, principalmente em regimes escravista e feudal. Mas é no regime capitalista que esse conflito atinge seu ápice. Nele afloram todas as contradições das sociedades calcadas na divisão de classes e a clareza da dicotomia entre revolução e reação — que, de certa forma, estabelece o fio condutor entre os pensamentos estratégicos dos jacobinos e dos girondinos no pós-Revolução Francesa.

Relacionamentos humanos

O panorama político do século XX está claramente demarcado pelas experiências dos dois lados do espectro político. Como o bloco liderado pela ex-União Soviética se esfarinhou e o projeto social-democrata fez água, emergiu uma ordem mundial com pretensões à univocidade, baseada na mais dura ortodoxia liberal — expressa como pensamento único e, portanto, totalitário. “Não há como duvidar de que em fins da década de 1980 e início da década de 1990 uma era se encerrou e outra nova começou”, escreve o historiador Eric Hobsbawm.

Segundo ele, a comparação entre o começo e o final do século XX mostra “um mundo qualitativamente diferente em pelo menos três aspectos”. Primeiro, o planeta deixou de girar em torno da Europa. O segundo aspecto é que a economia mundial se tornou uma unidade operacional integrada — a “globalização” enfraqueceu o papel dos Estados nacionais. Por fim, assistimos a uma revolução nos padrões de comportamento e de relacionamento humanos.

Virada ideológica

Felizmente, no Brasil não vimos a guinada à direita de muitos partidos social-democratas, como ocorreu na Europa. Lembremos que por lá as conversões de movimentos progressistas às cartilhas conservadoras foram dramáticas — algo que reproduziu, em cada país, o drama bíblico da conversão de Saulo na estrada de Damasco. No caso britânico, boa parte do trabalhismo renegou cem anos de luta para assumir integralmente o conteúdo rival. Eles se integraram à ordem mundial que nasceu hegemônica das cinzas da Guerra Fria e que está afundando, no Continente, o que resta do projeto social-democrata.

Houve a virada ideológica à direita do final dos anos 1970, com o neoliberalismo de Margareth Thatcher, mas, a partir de meados da década de 1990, partidos à esquerda do centro passaram a dirigir a maioria dos países da União Europeia aplicando o receituário neoliberal. A frustração com a badalada “onda rosa” social-democrata chegou ao ponto de surgir ameaças de sua substituição pela amarga “onda azul” fascista. Antes do susto causado pela votação de Le Pen na França e da vitória da Lista Pim Fortuyn na Holanda, países como Espanha, Noruega, Áustria, Dinamarca, Itália e Portugal pegaram o caminho à direita. Embora não estivesse diretamente em causa, o tema União Europeia motivou muitos eleitores que optaram por esse caminho.

Encruzilhada histórica

A perda das soberanias nacionais e de direitos históricos é uma realidade que fere profundamente o sentimento patriótico dos europeus. Na Dinamarca, por exemplo, os social-democratas perderam o referendo sobre a entrada do país no regime do euro e em seguida foram substituídos pela direita. Mais tarde, a Constituição europeia, de cores liberais, foi exemplarmente derrota na França e na Holanda. Os direitistas diziam, com certa razão, que a tática dos social-democratas de reavaliar suas posições políticas para agradar a um “eleitorado mais amplo” era o neoliberalismo com discurso de esquerda.

Na Itália, essa constatação ficou nítida: o governo do “ex-comunista” Massimo D’Alema chegou ao ponto de passar por cima de uma das mais queridas conquistas da classe trabalhadora, a proibição constitucional de participação do país em guerra ofensiva, ao participar ativamente do sangrento ataque imperialista à Sérvia. Na América Latina, vimos esse movimento, com nuances diferentes, na Argentina (com Fernando de la Rúa) e no Equador (com Lúcio Gutierrez), que logo seria suplantado pela onda progressista que se levantou na região. Na encruzilhada histórica da época, as opções eram nitidamente entre esquerda e direita.

Forças produtivas

Esta é uma questão que, na conjuntura atual, requer análises refinadas. Há hoje no Brasil uma tendência de “esquerda” que abomina qualquer acordo dos progressistas com setores do centro porque isso seria benéfico para o desenvolvimento do capitalismo. Desse ponto de vista, vamos negar todo progresso histórico-social e preferir a comunidade primitiva, a volta à caverna. Marx já qualificava de “jeremiadas (lamentações) reacionárias” os ecos do passado como ameaças sobre o futuro.

Nenhum socialista sério é ingênuo a ponto de desconhecer que o progresso capitalista tem como objetivo principal o lucro e não proporcionar melhores condições de vida ao povo. Mas não se pode ser leviano a ponto de pretender queimar etapas, ignorando o estágio das lutas de classes no qual a disputa política se desenvolve. No atual patamar de desenvolvimento das forças produtivas — e isso inclui a compressão da sociedade sobre a melhor forma de se organizar politicamente e produzir —, especialmente em países com elevado grau de complexidade social como é o caso do Brasil, o conceito de unidade e luta ocupa lugar central na tática das forças democráticas e progressistas.

Dívida social

Este é, possivelmente, o ponto pelo qual se pode puxar o fio da meada do esforço para se estudar os governos Lula e Dilma em nossa história. A esquerda chegou ao poder com muitos votos das classes intermediárias, tradicionalmente refratárias às propostas progressistas. Estas camadas sociais podem oscilar à esquerda ou à direita de acordo com as respostas que se oferecem aos seus anseios. E isto tem reflexos nos rumos do país.

O que salta aos olhos dos brasileiros — e os preocupa — é o fato de que a dívida social continua sendo rolada, embora já numa velocidade bem menor. Não fará sentido, portanto, ao campo governista entrar na disputa de 2014 somente com o discurso de prioridade ao social. Parece mais eficiente estampar o quanto antes as diretrizes pelas quais Lula e Dilma foram eleitos na primeira página de um novo contrato com a sociedade, que pode surgir de um pacto nacional já mil vezes proposto.

Pirâmide social

Isto é: talvez a melhor estratégia para o campo governista seja assumir claramente a premissa de que o Estado precisa aumentar a sua capacidade econômica voltada ao setor produtivo. E ao mesmo tempo dizer à sociedade que mamatas para o setor financeiro não serão mais automaticamente contabilizadas na conta de Brasília — sublinhando que, se o governo guarda alguma responsabilidade em adventos desse tipo é porque o Estado está ainda demasiado contaminado pela herança maldita da “era FHC”.

Temas como esses precisam ser didaticamente explicados. Afinal, o diálogo se dá com uma população que há cinco séculos é bombardeada pela ideologia de uma elite que permanece isolada no pico da nossa esquizofrênica pirâmide social. Romper com essa tradição obtusa à luz de um discurso político moderno abre um flanco para se atingir a direita — secundada por alguns seguimentos “esquerdistas”.

Regras sociais

Certas contemporizações precisam deixar de ser feitas no Brasil. Com um debate franco, ficaria mais difícil aos setores conservadores emperrar o processo de transformação. Sobretudo, a sociedade teria a certeza de que os piquetes antiprogresso social são mesmo obra de minorias pouco significativas e não um reflexo do pensamento nacional médio. A aprovação nas urnas novamente de um projeto progressista discutido claramente com a sociedade será uma espécie de carta branca para o governo, em um eventual novo mandato, prosseguir nesse rumo.

Mais do que nunca, é preciso transmitir esses conceitos à sociedade por meio de uma campanha ampla e dizer, em palavras simples, quais são as medidas necessárias para alcançar do Estado as regras sociais mais eficientes. E teríamos de transmitir, cotidianamente, que vantagem Maria leva com a volta de um projeto — o dos Bragança — que a história recente do país tratou de macerar. Dizer também que o projeto que está no poder não foi traçado de modo surdimutista, como é comum aos projetos da direita.

Atraso da esquerda

Num país como o nosso, onde, se quisermos contar a verdade, a história deve passar por uma completa reelaboração, o significado da chegada à Presidência da República de pessoas com perfil nitidamente de esquerda ainda não pode ser devidamente dimensionado. Não há dúvida, porém, que valem os esforços de alguns estudiosos no sentido de interpretar o que representa um governo como este para o Brasil. E esses esforços devem ser estimulados, tanto mais que nada — ou quase nada — temos de sólido e apenas damos os primeiros passos neste terreno.

A esquerda tem um atraso tradicional na elaboração do seu pensamento, mas tem buscado se atualizar e achar o caminho por meio de um estudo sério da realidade. Erros, portanto, são inevitáveis. Diz o povo que errando é que se aprende. Talvez seja essa a explicação para certas tendências exclusivistas que ainda permeiam alguns setores da esquerda. Em grande medida, isso se deve ao fato de que tivemos poucas oportunidades ao longo do tempo de aparecer diante do povo, de mostrar nossa fisionomia e propostas.

Aspiração popular

Este respiro democrático surgido com a Presidência Lula e Dilma Rousseff tem permitido maiores espaços para a defesa das nossas concepções. É sabido que o peso das lideranças políticas de um país reflete o estado de espírito de uma época segundo a força das aspirações de uma ou outra classe — ou de um conjunto delas. Mas há hoje, apesar da vitória da esquerda em 2002, 2006 e 2010, uma nítida predileção entre os “formadores de opinião” pela ideia de que os líderes de uma nação não são expressão de classes e grupos de classes, mas sim resultado de um abstrato “jogo democrático”.

A origem dessa atitude está no fato de haver motivações poderosas na prática de negar que as eleições de Lula e Dilma foram a concretização de uma aspiração popular histórica. Desde antes da sua proclamação, o povo brasileiro vê a República como sinônimo de independência nacional, liberdade política e distribuição de renda. Pode-se dizer que os governos Lula e Dilma cumpriram razoavelmente bem a missão.

Hegemonia liberal

Por essas e outras, o projeto da direita enfrenta no país o visível obstáculo da imensa maioria da sociedade. Nesse ambiente, a conceituação de direita e esquerda renova seu sentido histórico. De um lado está o pensamento elitista e excludente, que privilegia a acumulação da riqueza em relação à sua distribuição, a ordem macroeconômica em relação à qualidade de vida dos indivíduos, a benesse de poucos em relação ao bem-estar de todos. De outro lado, está o pensamento que considera o todo e busca incluir, que busca aumentar e distribuir a riqueza, que eleva a qualidade de vida dos indivíduos à condição de prioridade econômica, que privilegia os consumidores em relação aos monopólios e o bem-estar de todos em relação ao acúmulo de alguns.

Ou seja: enquanto a esquerda na Europa, ou o que remanesce dela, luta somente contra a hegemonia liberal, no Brasil ainda combatemos resquícios do escravismo. Aqui, a direita representa privilégios feudais, arcaísmos oligárquicos que já estão sepultados há séculos por países que, não por acaso, ao fazê-lo desbloquearam seus caminhos em direção ao desenvolvimento.

Lado duro

O ex-governador do Estado de Pernambuco e ex-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Miguel Arraes, disse que o golpe militar de 1964 não acabou com o processo de redemocratização, iniciado em 1979 com o fim do AI-5. De acordo com ele, quem completou o golpe foram os presidentes Fernando Collor e principalmente FHC.

Segundo Arraes, Collor e FHC repetiram, com suas políticas de destruição do patrimônio nacional construído nos anos que precederam os seus governos, a política do general Eurico Gaspar Dutra, que dilapidou os recursos que foram acumulados durante a guerra, no governo de Getúlio Vargas. “O pior foi que Fernando Henrique fez tudo isso com um sorriso na televisão. Os militares ao menos tinham o lado duro”, afirmou.

Ideais republicanos

Arraes reprovou a condução da economia nos primeiros anos do governo Lula, mas não jogou água no moinho da direita. “Não faríamos o mesmo caminho, mas também não vamos atirar pedra sobre Lula. Porque atirar pedras em Lula é abrir espaço para a direita”, disse Arraes. Às constatações de Arraes, acrescentaria que a bandeira da direita, hoje, é a mesma — talvez com estilo diferente — que foi desfraldada pelos golpistas que atentaram contra Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e João Goulart.

Ou seja: são essas forças, que sempre governaram contra os ideais republicanos, o alvo principal a ser mirado na luta política que se trava atualmente no país. Este é um fato da maior importância. Compreendê-lo é compreender as eleições de 2014 como um capítulo decisivo da história da República.