O interesse nacional e o leilão de Libra
Cinco das maiores petroleiras do mundo decidiram não participar do leilão de Libra. Na história desses leilões, isto não é novidade. Na 6ª Rodada da ANP, em 2004, quando importantes blocos foram licitados, também as grandes multinacionais do petróleo não compareceram.
Por ocasião da 6ª Rodada, quando iam a leilão os “blocos azuis”, os de maior potencial até então leiloados, surgiu a “informação” de que o leilão visava “entregar” às multinacionais do petróleo, a “preço de banana”, os valorizados blocos. Findo o leilão, verificou-se que a Petrobras, sozinha ou com sócios, ficou com 94% dos blocos localizados no mar, onde estavam todos os “azuis”. E que as multinacionais do petróleo, a quem supostamente esses blocos seriam “doados”, nem apareceram no leilão, exceto uma, que disputou três blocos em sociedade com a Petrobras. As grandes petroleiras demonstram não tomar conhecimento das fantasias que lhes anunciam “doações” de imensas riquezas petrolíferas.
Agora, a nação aguarda para 21 de outubro próximo o primeiro leilão na província do pré-sal, após a mudança do marco regulatório. Tudo está pronto, até porque sete anos já se passaram da descoberta do pré-sal.
Eis que a mesma fantasia que apareceu antes da 6ª Rodada, a da “doação” às multinacionais de campos de petróleo, e que foi rotundamente desmentida pelos fatos, reaparece, escondendo uma posição conservadora, imobilista e medrosa. China, Índia, Noruega, Canadá, Cuba, Angola e tantos outros países articulam-se com quem quer que seja para impulsionar seus desenvolvimentos. Empregam regulação que preserva suas soberanias e seus projetos nacionais. E nós, que para muitos países somos modelo de regulação, não podemos fazer o mesmo? Até a pérfida espionagem perpetrada pelos Estados Unidos no Brasil é aproveitada com o mesmo fito protelatório, imobilista. “Dados podem ter sido descobertos”, então, suspenda-se o leilão! Mas, que dados, se eles são públicos? E se a existência de espionagem, por si só, leva à suspensão de um leilão, e se a espionagem vai continuar, como previu o chanceler brasileiro Luiz Roberto Figueiredo, então, nunca mais tocaremos no pré-sal.
O exame minucioso do edital e do contrato, relativos ao leilão de Libra, revelam que foram elaborados com uma preocupação central – resguardar o interesse nacional. Esse interesse não exclui espaços para atrair o empreendedor privado, tanto que grandes empresas estão inscritas e vão participar do certame. Se outras lá não estão, não é por ausência de atratividade do leilão, nem porque o mesmo estaria sofrendo ingerência demasiada do Estado brasileiro. É porque as decisões dessas grandes empresas são individualizadas e dependem de oportunidades e conveniências analisadas à luz de dados globais.
Em Libra, o interesse nacional começou a ser resguardado quando o então presidente Lula convocou uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em 8 de novembro de 2007, para examinar o que fazer com o pré-sal recém-descoberto. Aí se constatou que 41 blocos, situados na área da descoberta, estavam na relação da 9ª Rodada de Licitações, que ocorreria em 19 dias. Quem os arrematasse iria explorá-los com contratos de concessão. Como não se sabia ainda o que seria feito naquela área, decidiu-se, por proposta da ANP, retirar todos esses blocos da lista da 9ª Rodada. Na continuidade, introduziu-se em lei, para aquela região e eventuais congêneres, o sistema de partilha da produção, em geral usado mundo afora em áreas altamente prolíferas.
Na partilha, paga-se o custo da extração do óleo e os royalties com parte do petróleo extraído. O excedente é para ser partilhado entre a empresa ou consórcio contratado e a União. Quem se comprometer em dar a maior parcela desse excedente à União ganha o leilão, sendo que o mínimo que pode ser aceito, segundo o edital, é 41,65%. No formato proposto, serão grandes as vantagens para o Brasil. Quatro se destacam.
Se o consórcio vencedor não der à União nada além do mínimo exigido, a participação pública no óleo ficará em 75%, segundo estudo da ANP, divulgado em reunião da CPI da Espionagem, no Senado; se a parcela do excedente chegar a 50%, a participação pública irá a 80%, das maiores do mundo. Hoje, para os campos maiores, essa participação não chega a 60%, oscila em torno de 52% para os demais.
Em segundo lugar, a Petrobras será a operadora do campo, a empresa que acumulará todo o conhecimento da atividade exploratória e produtiva da área, e terá também, por força de lei, 30% do consórcio vencedor, qualquer que seja ele.
Depois, uma empresa 100% estatal, a Pré-Sal Petróleo S.A., a PPSA, será criada para representar o governo federal na gestão do contrato, com voto de minerva e poder de veto.
Finalmente, uma política de conteúdo local será aplicada, bem como outra de pesquisa e desenvolvimento, favorecendo a indústria nacional e o avanço da ciência e tecnologia entre nós.
Haroldo Lima foi diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
Publicado em Valor Econômico.
http://www.valor.com.br/opiniao/3301210/o-interesse-nacional-e-o-leilao-de-libra#ixzz2hRB8qSYF