“Construir um novo pacto social destinado a reforçar o caráter de política de Estado do SUS  (Sistema Único de Saúde), recuperando o espírito generoso do movimento sanitarista dos anos 80, que coloca o paciente em primeiro lugar”. Este o grande desafio a ser enfrentado pela população brasileira, segundo a deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG), ao fazer um balanço dos 25 anos do SUS. Para ela, o Sistema Único de Saúde é uma das políticas sociais públicas de maior inclusão de direitos da população, norteadas pelos princípios básicos de universalidade, integralidade e equidade.

“Desde sua origem, a construção do SUS se deu numa arena política de disputa entre  reforçar a saúde pública para todos ou privilegiar as atividades da saúde como mercado”, apontou, ao analisar as mudanças e a conjuntura em que o sistema nasceu e foi implementado.

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Em razão de seu caráter universal, o Sistema deve atender 200 milhões de pessoas, destas, cerca de 75% dependem exclusivamente do sistema público. Ela lembrou que o aumento da renda dos brasileiros e a situação positiva do mercado de trabalho, o crescimento dos vínculos empregatícios, a formalização da mão de obra – realidades evidenciadas a partir dos governos Lula e Dilma Rousseff  – também tiveram outra consequência no âmbito da saúde. Ou seja, 24,9% da população, segundo dados de 2011, tornaram-se usuárias de planos de assistência médica no Brasil.

Limitações

Mas a população que enfrenta a saúde privada sofre as limitações de um setor ainda pouco regulado e fiscalizado, ponderou. Segundo aferição da Agência Nacional de Saúde (ANS) apenas 10% atendem satisfatoriamente os consumidores de seus serviços.

Em sua abordagem, a parlamentar também apontou para a impossibilidade de o SUS responder às demandas da população, com o Ministério da Saúde tendo um orçamento próximo a R$ 95 bilhões, ou 3,65% do Produto Interno Bruto.  O equivalente para satisfazer apenas 60% das necessidades. Neste sentido, ela lembrou  “o profundo golpe sofrido pelo setor com a derrubada da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF), que levou R$ 40 bilhões da Saúde”.

Ao concluir, Jô Moraes conclamou a união de esforços dos gestores, dos profissionais da área, do controle social e dos mais interessados – os usuários do sistema – em torno de uma agenda para enfrentar, de forma global, os desafios de qualificar a política pública de saúde.

Discurso

Eis a íntegra do pronunciamento da deputada federal Jô Moraes:

“Excelentíssimo Senhor Presidente, queridas deputadas, senhores deputados,

Uma das demandas do serviço público que mais incomoda a população brasileira nos últimos tempos é a que se refere à atenção à Saúde. Este é sem dúvida um dos maiores desafios que os governantes em todos os níveis têm de responde com urgência e eficácia. E esta resposta passa necessariamente pela construção de um novo pacto em defesa do Sistema único de saúde, inspirado nos generosos ideais de 1980.

Há 25 anos, em 1988, o Brasil conquistava um dos mais avançados instrumentos legais de sua história – a Constituição Cidadã – como assim a chamou Ulysses Guimarães.

Fruto das memoráveis lutas pela redemocratização do País, aquela Constituição foi escrita pela gente brasileira através de suas incontáveis manifestações, assembleias, encontros temáticos e setoriais. Seu aperfeiçoamento foi feito nas santas invasões dos corredores desta Casa, onde as propostas e emendas eram escritas nos gabinetes, permanentemente “arrombados” pelos ares democráticos de então.

Naquele ventre fértil surgiu uma das mais importantes políticas de Estado – o Sistema Único de Saúde – conquista que se tornou uma das políticas sociais de maior inclusão de direitos da população brasileira, orientada pelos princípios básicos de universalidade, integralidade e equidade.

   Acumulação de avanços e demandas

É bom registrar as grandes diferenças do País de então em relação aos dias presentes, destacadas em reportagem do Jornal da Câmara, em edição especial comemorativa do acontecimento, para compreender os enormes desafios que se apresentam.

O Brasil de 1988 tinha 138 milhões de habitantes, o de hoje tem 201 milhões; tinha uma expectativa de vida de 65,8 anos, frente aos 74 anos de hoje; tinha uma taxa de 17% de analfabetismo, diferente dos 8,6% atuais, na população acima de 15 anos. A frota de automóveis de 10 milhões de veículos passou para 70,5 milhões. O Produto Interno Bruto por pessoa, em dólares, pulou de 6.600 para mais de 12.000 dólares, neste Brasil imenso.  Sem falar aqui nos níveis de desenvolvimento científico e tecnológico alcançados pelos brasileiros, ou nas transformações ocorridas na comunicação, estes números dão a dimensão exata das novas demandas que a população passou a apresentar, sobretudo pela elevação de sua consciência cidadã e que teve sua maior expressão nas “Jornadas de Junho”.

Quero aqui me debruçar sobre a maior reivindicação que a sociedade apresenta nos dias de hoje, que é a melhoria e o aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde. Desde sua implantação, a construção do SUS se deu numa arena política de disputa entre reforçar a saúde pública para todos, ou privilegiar as atividades da saúde como mercado.

Não tem sido fácil a batalha para assegurar a construção do SUS dentro dos seus princípios orientadores e de tal forma que responda às novas exigências da população: de novos recursos humanos que assegurem a expansão de sua rede; da incorporação dos avanços tecnológicos que garantam eficácia no atendimento; de mais investimentos em infraestrutura.

Conquistas forjadas pela luta do povo

O Brasil avançou pela luta de sua gente, particularmente nos últimos 10 anos. Como diz o documento do 13º Congresso do PCdoB: “A geração de quase 20 milhões de empregos formais, entre 2003 e 2012, e a política de aumento real do salário mínimo deram base objetiva ao esforço pelo progresso social e pela distribuição de renda. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) atestam que de abril de 2003 a janeiro de 2013 houve um aumento real do salário mínimo de 68,25%. E mais: estendeu-se o salário mínimo aos trabalhadores do campo, medida que favoreceu 20 milhões de pessoas. O governo Lula ainda prorrogou o direito desses trabalhadores à Previdência Rural com base no tempo de trabalho e não no de contribuição”. Estes avanços se deram num País marcado por profundas mazelas sociais e desigualdades crônicas, que evidentemente levaram a acumulação de grandes demandas na área da saúde.

Nas últimas três décadas a explosão das grandes cidades ocorreu sem planejamento, criando imensa carência de políticas urbanas, de saneamento, de mobilidade, de habitação.  Some-se a isso o adoecimento da vida moderna que no Brasil se caracteriza pelas doenças dos aparelhos circulatório, respiratório, do câncer, da diabetes, da Aids, e das ainda existentes cólera, dengue, hanseníase, hepatite, leishmaniose, malária, sarampo.

Fim da CPMF – um duro golpe no financiamento

São 200 milhões de pessoas a quem o Sistema Único de Saúde deve atender pelo seu caráter de universalidade. Destas, cerca de 75 % dependem exclusivamente do sistema público.

É verdade que o aumento da renda dos brasileiros e a situação positiva do mercado de trabalho, com baixas taxas de desemprego e crescimento de vínculos formais com carteira assinada, fizeram crescer a venda de planos de saúde, sobretudo os coletivos e empresariais, que somam 77% do mercado. Segundo dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, 47,6 milhões de pessoas (24,9%  da população, em levantamentos de 2011) são usuárias de planos de assistência médica no Brasil.

Mas a população que enfrenta a saúde privada sofre as limitações de um setor ainda pouco regulado e fiscalizado. Em recente aferição dos serviços das prestadoras privadas, a Agência Nacional de Saúde constatou que apenas 10% atendiam satisfatoriamente os consumidores conforme reportagem do jornal Correio Braziliense.

Levando-se em conta essas particularidades históricas e circunstanciais não há possibilidade de se responder às exigências do momento com o orçamento atual destinado ao sistema público, mesmo que tenhamos saído de R$ 67 bilhões, em 2010, para perto de R$ 95 bilhões, que é o orçamento do Ministério da Saúde.

Os 3,6% do PIB que hoje são gastos com o SUS representam aproximadamente 60% da necessidade, registra nota da Secretaria de Assuntos da Saúde do PCdoB. É importante relembrar que, em 2007 a saúde pública enfrentou um profundo golpe com a derrubada da CPMF, que levou da saúde da população cerca de  R$ 40 bilhões.

É evidente que se ampliaram os investimentos públicos na atenção básica, particularmente nos últimos 10 anos. No Orçamento do Ministério da Saúde houve uma variação nominal acumulada de 40,6% entre 2010 e 2013.

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     Mais cuidado com a atenção familiar

Em documento de informação ao Congresso Nacional, a Presidência da República registra: A Estratégia de Saúde da Família apresenta hoje cobertura de 55% da população brasileira, contando com 33.404 equipes implantadas. Essa estratégia vem sendo expandida a outros espaços além do domiciliar, a exemplo das iniciativas de promoção, prevenção e avaliação da saúde de estudantes de 56.157 escolas situadas em 2.495 municípios.

O Programa de Requalificação de unidades básicas de saúde (UBS) beneficiou, no último ano, unidades em 3.872 municípios. 877 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs ) estão com obras de melhoria, assim  também 818 hospitais.

Apesar desses avanços é preciso reconhecer que o público que depende exclusivamente do SUS chega perto de 75% da população. É o próprio Ministério da Saúde que informa que, considerando a população usuária exclusiva do SUS, 10 estados brasileiros têm número de leitos disponíveis abaixo da média recomendada pela Organização Mundial de Saúde, que é de 2 a 3 leitos por mil habitantes.

Vinte e dois estados têm número de médicos por habitantes abaixo da média nacional – 1,8 médico por habitante. E a média do Brasil está abaixo da Venezuela (1,9), do México (2) e da Argentina (3,2).

       Boicote ao Programa Mais Médicos

  Num quadro como este, são inúmeras as medidas a serem tomadas para que o SUS possa dar as respostas que a população precisa, particularmente no âmbito da atenção básica. Medidas que passam pela ampliação do financiamento; dos investimentos em infraestrutura; por uma nova política de recursos humanos que inclua a criação de carreira para os profissionais da atenção básica; pela regulação e fiscalização da saúde privada e pela formação de novos profissionais.

O Programa Mais Médico apresentado pelo governo federal é parte do movimento que procura responder situações emergenciais, como a inexistência de médicos em 700 municípios do Brasil.

É inexplicável o clima de radicalidade que envolveu o debate em torno deste programa e de outras votações relativas aos profissionais da saúde. Em que pesem equívocos de condução entre as partes, não encontram amparo as ações de boicote e preconceito de alguns setores contra médicos que vieram integrar um programa governamental. Com diálogo se chegou a bom termo, assegurando-se o reconhecimento do papel fiscalizador dos Conselhos e o direito do Ministério da Saúde de emitir o registro inicial do médico intercambista.

  Um novo pacto é possível

É a hora de concretizarmos UM NOVO PACTO PELO SUS, destinado a reforçar seu caráter de política de estado. É a hora de colocar o paciente em primeiro lugar em todos os debates que se fazem hoje no País sobre a saúde pública, recuperando o espírito generoso do movimento sanitarista do passado.

Esta é a hora de unificar os esforços dos gestores, dos profissionais da área, do controle social e dos mais interessados – os usuários do sistema – em torno de uma agenda para enfrentar, de forma global, os desafios de qualificar a política pública de saúde.

Está na ordem do dia:

– Mais financiamento: Aprovando o Programa Saúde mais 10;

– Mais infraestrutura, liberando os recursos do Programa de Requalificação das Unidades Básicas de Saúde;

– Carreira para os profissionais da atenção básica;

– Qualificação e reforço do controle social;

– Mais regulação e fiscalização da saúde privada.

Nestes termos, queremos que se estabeleça uma nova mesa de pactuação,  que tenha o Conselho Nacional de Saúde como seu principal espaço de construção, e o diálogo com as entidades de profissionais da saúde, como objetivo a ser pautado.

Era isso senhor presidente.  Deputada Jô Moraes –  PCdoB/MG”