PCdoB divulga novo texto das Teses do 13º Congresso
Em sua última reunião, realizada nos dias 18, 19 e 20 de outubro, o CC aprovou o texto final das Teses em que já foram contempladas as emendas oriundas das conferências e as contribuições apresentadas na Tribuna de Debates. O 13º Congresso do PCdoB se realizará em São Paulo nos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2013.
Temário
Primeiro tema
Balanço dos governos Lula e Dilma, atualização da perspectiva para o Brasil. A construção do Partido nesta realidade inédita e as diretrizes para seu fortalecimento
Segundo tema
Balanço e tendências da crise estrutural e sistêmica do capitalismo, do mundo em transição, e da nova luta pelo socialismo
Sumário
PRIMEIRO TEMA
Balanço dos governos Lula e Dilma, atualização da perspectiva para o Brasil. A construção do Partido nesta realidade inédita e as diretrizes para seu fortalecimento
I – O balanço do decênio: governos Lula e Dilma
a- Lula herdou pesado e perverso espólio, resultante da década de barbárie neoliberal
b- Lula e o início de uma longa transição – da herança maldita ao Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento
– Ampliação da democracia e redução da pobreza
c- A questão nuclear desta longa transição – o nível alcançado de superação do modelo neoliberal
– A viragem no conteúdo da política externa: afirmação da soberania
– A prolongada luta por mudanças na macroeconomia
– A desafiadora missão de promover avanços
d- O caráter das mudanças e do governo – o sentido democrático, soberano e de avanços sociais
– A base social dos governos Lula e Dilma
– Permanente ataque do sistema de oposição
– Os desafios do movimento social
– O governo Dilma e as manifestações de junho
II – A intervenção e a construção do Partido como protagonista de um ciclo político progressista
a- Rico impulso da política dos comunistas para o êxito dos governos Lula e Dilma
– A contribuição importante do PCdoB à superação da grave crise política de 2005
– Com reeleição e nova correlação de forças, comunistas propõem audácia!
– Alerta em 2007: sem o impulso da esquerda, o governo não avançará!
– A terceira vitória do povo: os desafios de promover o avanço da mudança
– A participação do PCdoB nas manifestações sociais de junho de 2013
– Relevantes contribuições partidárias no Legislativo e no Executivo
– Ataques ao PCdoB
– Uma síntese das contribuições do PCdoB ao ciclo político progressista
b- Aproveitamento das condições para a construção partidária em patamar superior
– Elaborações estratégicas que orientaram a ação política e a construção do Partido
– Abertura das portas do Partido a lideranças expressivas do povo
– Virtudes, vicissitudes e potencialidades do crescimento
III – Perspectivas e a necessidade de uma nova arrancada: mais democracia, mais desenvolvimento e progresso social
a- Destravar e acelerar as mudanças
– Fronteiras fundamentais que precisam ser superadas
– Mais democracia!
– Mais desenvolvimento!
– Mudança da orientação macroeconômica – condição para maior investimento e pleno desenvolvimento
– Mais progresso social
– Desenvolvimento sustentável
– Expansão da produção de energia
– Indicações para uma estratégia de desenvolvimento
– Bloco de afinidades de esquerda – para mudanças mais consequentes
b- Perspectivas atualizadas para a edificação partidária
SEGUNDO TEMA
Balanço e tendências da crise estrutural e sistêmica do capitalismo, do mundo em transição, e da nova luta pelo socialismo
I – A prolongada crise sistêmica e estrutural do capitalismo contemporâneo
a- A caracterização da atual crise do capitalismo
– Os impasses da crise do capitalismo e o desenvolvimento desigual
– A expansão global do capital financeiro e da produção industrial
– A hipertrofia da esfera financeira
– A sobreacumulação de capital na presente crise
b- Tragédia social e brutal exploração dos trabalhadores
c- O fim da crise não está à vista
d- As forças neoliberais atacam a democracia
II – Balanço e tendências da situação internacional: mundo em transição e mudanças geopolíticas no contexto de uma grande crise do capitalismo; da ofensiva imperialista e a resistência dos povos e nações; do avanço progressista e a integração da América Latina e Caribe; e da nova luta pelo socialismo no mundo
a- A crise acelera a transição no sistema de poder mundial
b- A jornada dos povos pela emancipação nacional e social, a solidariedade internacional e a luta pela paz no mundo
– A ofensiva imperialista e a resistência dos povos e nações
c- O novo ciclo político, com desenvolvimento soberano e integração, na América Latina
– A contraofensiva imperialista e da direita latino-americana
– O desafio de avançar nas mudanças e na aceleração da integração sul e latino-americana
d- As condições da nova luta pelo socialismo
– As experiências atuais de transição ao socialismo permanecem e se renovam
– A nova luta pelo socialismo na América Latina e Caribe
PRIMEIRO TEMA
Balanço dos governos Lula e Dilma, atualização da perspectiva para o Brasil. A construção do Partido nesta realidade inédita e as diretrizes para seu fortalecimento
I – O balanço do decênio: governos Lula e Dilma
Após 10 anos de governos das forças democráticas e populares, uma questão se destaca na acirrada luta política travada no Brasil: Que balanço, que legado se pode atribuir a esses governos? Para o PCdoB, tornam-se imprescindíveis o retrospecto e a atualização da perspectiva dessa experiência percorrida, pois o Partido é um dos construtores e partícipes deste processo desde a campanha presidencial de 1989. Neste balanço, será feito um exame multilateral e abrangente desse período, avaliando seus êxitos e realizações, bem como os equívocos e problemas que perduram.
Para os comunistas, a base da análise da última década é o Programa Socialista aprovado no 12º Congresso do PCdoB (2009), que define a construção e execução de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND), constituinte do caminho brasileiro para o socialismo.
a- Lula herdou pesado e perverso espólio, resultante da década de barbárie neoliberal
Desvendar a essência dos últimos dez anos requer a análise de um processo histórico iniciado com a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989, e seguido do aprofundamento do modelo neoliberal por Fernando Henrique Cardoso (FHC), entre 1995 e 2002. Em 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao governo, abre-se a possibilidade de interromper este percurso ascendente do neoliberalismo.
A aplicação do neoliberalismo fez com que o tecido social brasileiro fosse rompido pela elevação do desemprego que, em 2000 – segundo dados do IBGE –, atingiu 11,5 milhões de trabalhadores, próximo à explosiva taxa dos 15% da População Economicamente Ativa (PEA). Foi a época das privatizações de setores-chave da economia, em processos contaminados por ilicitudes, por meio das quais o patrimônio público foi vendido mediante empréstimos oficiais de bancos como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Banco do Brasil, com a justificativa de utilização dos recursos para a redução da dívida pública. Na realidade, ocorreu o contrário: a relação dívida/PIB, de 30,2% em 1995, saltou para 55,9% em 2002.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o avalista de um acordo tácito que, em troca da adesão à estabilidade monetária do Plano Real, garantiu ganhos elevados e seguros aos que mais acumularam riqueza com a espiral inflacionária. Os ganhos com a inflação foram trocados pela emissão de títulos públicos que pagavam taxas de juros reais que atingiram o pico de quase 60%, em 1995. O Pacto Federativo foi proscrito com a explosão das dívidas dos estados e municípios com o governo federal.
O Brasil literalmente quebrou nas mãos de FHC em três ocasiões (1997, 1999 e 2002). E, por isso, não é nenhum exagero afirmar que o Brasil dos tucanos reduziu-se a um emirado do Fundo Monetário Internacional (FMI), com sua soberania comprometida pelas imposições das cláusulas de empréstimos.
As altas taxas de juros não foram o único mecanismo concentrador de renda no “paraíso” do Plano Real. Antissocial por natureza, o neoliberalismo agravou o processo de desigualdade com a transformação do arrocho salarial em ferramenta de combate à inflação. O arrocho, ao lado da abrupta abertura financeira e comercial tal como foi feita, prejudicou a soberania nacional e contribuiu para aprofundar o abismo entre ricos e pobres no Brasil. O Estado brasileiro sofreu grave desmonte num processo criminoso, no qual foram rasgadas importantes páginas da Constituição de 1988. E as carreiras profissionais do Estado foram seriamente depreciadas, tendo o funcionalismo passado oito anos sob pesado achatamento salarial. A face da vergonha deste período estampava-se nas imagens de compatriotas alimentando-se com sopa de papelão durante a seca de 1998, ao lado de cenas comuns de fome nas favelas dos grandes centros urbanos.
Além desta trágica situação social, a economia do país sofreu com a baixa taxa de investimento. Entre 1995 e 2002, a relação entre investimento e Produto Interno Bruto (PIB) não passou da casa dos 15%. Um exemplo que revela as consequências disso foi o apagão de energia elétrica em 2001, causado pela deficiência de investimento no setor.
b- Lula e o início de uma longa transição – da herança maldita ao Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND)
O perverso legado neoliberal fincou raízes na economia, no Estado, e obteve o êxito em assaltar subjetividades, tornando verdade pétrea dogmas do receituário ortodoxo e conservador, que persistem como mantras ainda não totalmente superados. O último decênio marca a transição de uma “herança maldita” neoliberal – que aprofundou os impasses estruturais do Brasil – para a execução de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, cujos fundamentos estão ainda em gestação dentro e fora do Estado brasileiro.
– Ampliação da democracia e redução da pobreza
Em 2002, quando Lula e as forças democráticas e populares venceram a dura disputa eleitoral, foi iniciada a edificação do primeiro governo da história do Brasil nucleado pelas esquerdas, incluindo os comunistas do PCdoB. No âmbito de um governo deste tipo, as primeiras – e mais rápidas – transformações ocorreram – e prosseguem – no campo da democracia e dos direitos sociais.
Lula foi antípoda de Fernando Henrique Cardoso nesta questão. Se FHC foi a encarnação da intolerância e da criminalização dos movimentos sociais, Lula abriu as portas do Planalto aos representantes de todos os segmentos que conduzem as lutas do povo. Direitos foram ampliados e as centrais sindicais foram legalizadas. E foram criados fóruns de discussão dos mais variados temas nas periódicas conferências nacionais, que mobilizam em seu conjunto alguns milhões de pessoas, embora com limitações na aplicação de suas resoluções. Questões relevantes alcançaram o patamar de ampla institucionalidade com a criação de secretarias especiais para a promoção de políticas públicas para a juventude, para as mulheres e os negros. A Secretaria de Direitos Humanos foi fortalecida e a Comissão de Anistia ampliou o seu trabalho. Também foram criados a Coordenação Nacional e o Conselho Nacional LGBT, e elaborados o Programa Brasil sem Homofobia e o Plano Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos LGBT. No governo Dilma, foi atendida uma reiterada reivindicação das forças democráticas com a constituição da Comissão da Verdade.
A questão democrática se entrelaça com a questão social. Por essa razão, o primeiro e mais marcante objetivo foi o enfrentamento de problemas que calam fundo na alma do povo: As imensas diferenças sociais, regionais e o maior dos flagelos humanos, a fome.
A execução de amplos programas sociais de transferência de renda, e também a preferência por investimentos diferenciados no território nacional, foram iniciativas decisivas para tirar mais de 36 milhões de pessoas da vergonhosa linha de extrema pobreza. O carro-chefe deste processo é o Bolsa Família, um programa de caráter emergencial, que foi muito além de simples transferência de renda, pois tem ajudado a alavancar microeconomias regionais. Esse programa foi a chave, inclusive, para pôr a pique poderosos interesses oligárquicos para os quais a manutenção da pobreza e da ignorância transformara-se em pilar central de manutenção de seu status quo. A restauração das mínimas condições de vida de milhões de pessoas deve ser encarada sob uma perspectiva mais ampla, relacionada com a elevação não só da autoestima das massas, mas também das exigências crescentes por conquistas de mais direitos.
A geração de quase 20 milhões de empregos formais, entre 2003 e 2012, e a política de aumento real do salário mínimo deram base objetiva ao esforço pelo progresso social e pela distribuição de renda. O salário mínimo obteve aumento real de 65,96% (2002-2012). Em 2002, ele equivalia a apenas US$ 78, hoje equivale a cerca de US$ 320. E mais: Aos trabalhadores do campo estendeu-se o salário mínimo – medida que favoreceu 20 milhões de pessoas – e lhes foi dado o direito à previdência rural com base no tempo de trabalho e não no de contribuição. Tais iniciativas complementam-se com significativo aumento de créditos voltados aos pequenos produtores (familiares) e aos médios. No caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o salto foi superior a 800% em pouco mais de dez anos.
Na área da educação, foram registrados avanços importantes no tocante ao acesso ao ensino superior: a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) e a concessão de mais de 1,5 milhão de bolsas até 2012; a ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) de 65 mil financiamentos, em 2002, para 368 mil em 2012; a previsão de abertura, até 2014, de 250 mil novas vagas nas universidades federais e de 600 mil matrículas nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia são vitórias importantes que asseguram a milhões de brasileiros acesso ao ensino e, consequentemente, contribuem para o desenvolvimento do país. A política de cotas para estudantes de baixa renda, negros, índios e oriundos de escolas públicas deverá chegar, até 2017, a 50% das vagas disponibilizadas nas universidades públicas federais, outrora reserva de mercado de setores sociais de renda mais alta.
A política social enfática do governo Lula tem continuidade no governo Dilma, com a implementação de um amplo programa de erradicação da extrema pobreza, chamado Brasil sem Miséria. No âmbito desta iniciativa, serão direcionados significativos aportes ao Programa Brasil Mais Educação, que alcançará 47 mil escolas. Foram instituídos ainda vários programas de proteção à saúde da mulher e da criança, e o governo sustentou a lei que estende direitos da CLT às trabalhadoras domésticas.
Apesar da rápida velocidade com que milhões começaram a deixar a miséria, o Brasil continua um país muito desigual. Os êxitos do último decênio em termos de distribuição e transferência de renda, embora significativos, não foram ainda suficientes para reverter obstáculos estruturais e problemas sociais e econômicos acumulados em séculos de história. O problema é agravado pela não-realização e/ou atraso das reformas estruturais democráticas em decorrência de entraves da correlação de forças e de equívocos e cedências na condução da política do governo analisados ao longo deste texto. Além da desigualdade social, a qualidade de vida nas cidades se agrava por um conjunto de problemas relacionados à mobilidade urbana, segurança, moradia e saneamento – fruto também das enormes dificuldades orçamentárias e financeiras vivenciadas pela maioria dos municípios brasileiros.
Nas periferias, a situação é pior, visto que faltam, ou são precários, os serviços públicos – em especial o transporte –, e os índices de violência e criminalidade são elevados. Entre outras causas dessa situação, se destaca o fato de a reforma urbana não ter sido realizada. O conservadorismo a obstruiu e as forças progressistas não se empenharam o bastante para realizá-la.
É igualmente precário o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Diariamente, os que dele mais necessitam – os trabalhadores e os mais pobres – vagam de hospital em hospital sem receber o atendimento de que carecem.
Na educação, apesar dos avanços, ainda existem limitações a serem superadas, como a precária regulação do ensino superior privado e a crescente presença de capital estrangeiro em instituições de ensino privado no Brasil. E a educação pública, sobretudo a básica, além de não ser universal, não tem bom nível. Tudo isso somado, resulta um verdadeiro cerco contra as aspirações de vida digna do povo – o que leva a tensões sociais crescentes.
c- A questão nuclear desta longa transição – o nível alcançado de superação do modelo neoliberal
Em que grau as realizações do último decênio contribuíram para que o país se desvencilhasse do neoliberalismo? Esta é uma das principais questões a serem enfrentadas pelas forças progressistas.
Hoje, o que caracteriza a transição em curso no Brasil é a luta entre o neoliberalismo que persiste e o novo desenvolvimento nacional que emerge. A correlação de forças é definida pelo embate entre a continuidade determinada pelo status quo conservador e a transformação aspirada e empenhada pelo impulso mudancista de sentido democrático, patriótico e progressista. E há uma particularidade, e uma vantagem, da atual transição brasileira: ela faz parte de um movimento da América Latina. E isto estimula, facilita, reforça e acelera o seu progresso.
Pode-se estimar que um país como o Brasil precise de mais tempo para superar o legado neoliberal, e de mais algumas décadas para se tornar uma poderosa nação – de elevado bem-estar para seu povo – à altura de sua dimensão continental e importância regional e internacional. Mas, além do fator tempo, a transição exige uma elevada convicção política das forças progressistas.
O núcleo dessa longa transição em curso foi sendo configurado na tarefa primordial de recompor o Estado como condutor do desenvolvimento e da afirmação nacional. Simultaneamente, retomou-se o desenvolvimento através do entrelaçamento entre a questão democrática e a questão social materializada nos programas de erradicação da pobreza. Assim, o desenvolvimento econômico é conduzido pelo próprio motor da distribuição de renda, e não pelo postulado convencional de crescer para depois distribuir.
– A viragem no conteúdo da política externa: afirmação da soberania
A política externa brasileira nos últimos dez anos é vitoriosa em contribuir, ao mesmo tempo, para a construção de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e para o impulso da integração continental e de uma nova correlação de forças no plano internacional, defendendo a paz, a soberania e o desenvolvimento para todos os povos. Por este conteúdo afirmativo, esta política tem sido combatida pelos setores das classes dominantes vinculados aos interesses do imperialismo estadunidense.
Um primeiro sinal do afastamento da ortodoxia na política econômica foi a nova postura brasileira nas relações internacionais que, entre outros componentes, reorientou a política de comércio exterior, outrora hegemonizado pelos Estados Unidos da América e pela Europa. Tal reorientação diversificou e ampliou o número de parceiros comerciais e nos permitiu diminuir a dependência de um restrito grupo de grandes potências. E a China ultrapassou os EUA como maior destino das exportações brasileiras.
Um segundo sinal de avanço na política externa do governo Lula foi o afastamento da ameaça de neocolonização representada por um projeto expansionista dos EUA: A Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Este fato decorreu tanto de uma postura altiva e afirmativa da política de relações exteriores, quanto da percepção do surgimento de grandes oportunidades com a ascensão de novas forças no mundo, notadamente China, Índia e Rússia – que compõem, junto com o Brasil e a África do Sul, o bloco denominado Brics. E o Brasil não somente aproveitou essa oportunidade como se tornou parte integrante e influente dessa transição nas relações de poder em nível mundial, que se desenvolve sob a rubrica dos Brics. Também se empenhou para consolidar parcerias estratégicas e aumentou as relações comerciais e políticas denominadas Sul-Sul.
Esta conduta de resistência, e enfrentamento, à hegemonia imperialista na América Latina também foi evidenciada na prioridade para a integração sul e latino-americana e caribenha, vide o desempenho do Brasil na formação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), no relançamento que reorientou, ampliou e fortaleceu institucionalmente o Mercosul, e na criação do inédito Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). E mais: Foi constituída a arrojada Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), sem a participação dos Estados Unidos! Neste período, o Brasil aprofundou seus laços econômicos com Cuba. Consoante aos desafios dessa política externa altiva, o governo brasileiro tem procurado fortalecer e renovar sua estratégia de defesa nacional, elevando as capacidades das Forças Armadas, inclusive seu poder dissuasório. Nesta renovação, é preciso enfatizar que a defesa nacional é um tema cujas diretrizes devem ser formuladas em debates amplos e democráticos com todos os segmentos da Nação.
Exemplo também da conduta altiva da atual política externa foi a tomada de decisão da presidenta Dilma de denunciar com veemência, inclusive na Assembleia Geral da ONU, em 2013, os episódios de espionagem patrocinados pelos Estados Unidos contra instâncias e autoridades do governo brasileiro.
A diplomacia brasileira atuou pela democratização da Organização das Nações Unidas (ONU), e de seu Conselho de Segurança. O Brasil também teve papel central nas disputas políticas no âmbito do G-20 (grupo formado pelas maiores economias do mundo, mais a União Europeia) e da Organização Mundial de Comércio (OMC), e na liderança do G-77 (bloco formado por países em desenvolvimento).
Ainda no âmbito de sua diplomacia renovada, o Brasil adotou postura ativa, buscando uma solução pacífica e soberana diante das negociações em torno do programa nuclear iraniano. A iniciativa contou com o apoio do Irã e da Turquia e só não prosperou pela adversa posição dos EUA. Além disso, o Brasil condenou as guerras imperialistas contra o Iraque e a Líbia.
– A prolongada luta por mudanças na macroeconomia
A luta pela superação do neoliberalismo no Brasil ganhou mais velocidade com o abalo da credibilidade das políticas macroeconômicas nele inspiradas, ocasionado pela grande crise capitalista mundial em 2007-2008, que pôs na defensiva as forças internas que defendiam o paradigma neoliberal. Nestes últimos dez anos, as tendências de mudança na política macroeconômica se deram em três fases:
Uma primeira fase caracterizou-se pela dualidade política no primeiro governo Lula, comprometido com os acordos expressos na Carta ao povo brasileiro e, ao mesmo tempo, com o programa popular vitorioso nas eleições de 2002. A expansão da economia mundial a partir de 2003 – apesar da desaceleração econômica desse ano no país – e a elevada valorização das commodities deram condições para que o governo conseguisse vitórias no combate à pobreza, mesmo com os grandes lucros auferidos pelo capital, especialmente o rentista.
Na segunda fase, correspondente ao segundo mandato do presidente Lula, ganhou mais estabilidade um núcleo central de governo, e a política econômica híbrida aproveitou oportunidades surgidas com a crise do sistema capitalista em 2007-2008.
Essas condições levaram o governo Lula a tomar iniciativas em prol da construção de uma alternativa de desenvolvimento robusto, duradouro e em benefício da Nação. Suas marcas centrais foram o lançamento, em 2007, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), agora conhecido como PAC 1; o fortalecimento do sistema financeiro público; e as políticas econômicas contracíclicas. Com isso, alargaram-se significantemente a oferta de crédito e a capacidade de consumo das massas. E o BNDES retomou seu papel de agente promotor do desenvolvimento: seus empréstimos anuais passaram de R$ 37,4 bilhões, em 2002 – último ano do governo de FHC –, para R$ 168,4 bilhões, em 2010.
Com isto, os investimentos públicos evoluíram de 2,6% do PIB, em 2003, para 4,7% do PIB, em 2010. O PAC conseguiu também alguns êxitos na reconstrução da infraestrutura energética e logística. E houve a descoberta de enormes reservas petrolíferas do pré-sal, ocasião em que o governo agiu com rapidez para alterar o marco regulatório na região descoberta, em defesa do interesse nacional e prevenindo-se dos riscos de descontrole econômico. Além disto, a dívida pública reduziu-se significativamente e as reservas internacionais do país cresceram. Nos oito anos de governo Lula, a média de crescimento do PIB foi praticamente o dobro daquela do período de FHC.
Na terceira fase – iniciada com o governo Dilma Rousseff –, apresentaram-se novos fatores, entre os quais: a persistência da crise internacional do sistema capitalista, as pequenas taxas de crescimento do PIB, a taxa média de investimentos relativamente baixa e os retrocessos na indústria de transformação nacional.
Para enfrentar esse quadro, a presidenta busca reorientar a política macroeconômica de forma mais consequente e tomar medidas visando a elevar o nível dos investimentos públicos e privados. Para tanto, em meados de 2011 começou um processo de redução da taxa básica de juros que se estendeu até o início de 2013. Isso só foi possível com a corajosa modificação do cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança. E também adotou medidas para minorar a valorização do câmbio e até mesmo flexibilizou, de certa forma, a política de superávits primários. O governo impôs ao setor financeiro privado uma ampla concorrência no mercado de crédito a partir de uma queda nas taxas de juros praticadas pelos bancos públicos. Diante deste nível de enfrentamento inédito nos últimos anos, a oligarquia financeira reagiu, com apoio da grande mídia, e – manipulando a chantagem da volta da inflação – impôs, desde abril de 2013, o retorno sequenciado do aumento da taxa básica de juros.
– A desafiadora missão de promover avanços
A vitória de Dilma Rousseff, em 2010, ao impor a terceira derrota consecutiva à oposição, criou um contexto político mais favorável, porém em condições econômicas mais adversas e complexas em função da continuidade da crise mundial e de novas exigências políticas, econômicas e sociais. Já no início de seu governo, a presidenta viu-se instada a resolver questões mais desafiadoras. Ela tem procurado concretizar, com avanços e recuos – como já exposto –, a complexa missão de redirecionar o modelo macroeconômico. Ao mesmo tempo, busca incrementar os investimentos para fortalecer a carente infraestrutura do país e dinamizar o sistema produtivo, sobretudo o industrial. Nas metas de médio prazo, foca no forte incentivo à educação e à inovação tecnológica. Tais medidas objetivam garantir um desenvolvimento robusto e duradouro.
Em relação aos investimentos públicos, foi implementado o programa Minha Casa, Minha Vida e revitalizado o PAC (agora PAC 2). E, visando a atrair investimentos privados em patamar mais elevado, foi lançado um abrangente programa de concessões em infraestrutura abarcando portos, rodovias, ferrovias, aeroportos, trens de alta velocidade, energia e petróleo, num montante de US$ 470 bilhões.
Além disso, o mandato da presidenta Dilma tem sido marcado pela adoção de novas medidas progressistas de combate à inflação, garantindo emprego e crescimento real dos salários. Com isso, o Brasil é o país com maior redução de desemprego, desde 2008, segundo o FMI. As novas formas de estabilização dos preços, como a desoneração da cesta básica nacional e a intervenção do governo para alterar os preços fixados pelo oligopólio do setor energético, estão completamente fora do esquema monetarista imposto na década de 1990.
Em suma, nos últimos 10 anos, muita coisa mudou no Brasil. O país afirma sua soberania, é mais democrático, mais integrado com seus assemelhados, possui menos pobreza e o desemprego tem as menores taxas históricas. Entre as maiores conquistas econômicas destes 10 anos destaca-se o fato de o Brasil somar esforços para construir uma perspectiva contra-hegemônica ao domínio das potências imperialistas – quer junto a seus vizinhos da América Latina, quer junto aos Brics e a outros países em desenvolvimento. O saldo geral é bastante positivo, mas é crescente a reação dos setores dominantes conservadores e neoliberais às mudanças recém-realizadas, levando desde já a um maior acirramento político a sucessão presidencial de 2014.
Este ciclo progressista forjou uma liderança que se tornou, dentro e fora do Brasil, a imagem e a expressão desta década: Luiz Inácio Lula da Silva. Impossível interpretar esta década sem assinalar seu papel destacado na gênese, construção e perspectiva desse processo. É um traço recorrente na história brasileira o protagonismo de personalidades à frente de movimentos renovadores, como Getúlio Vargas, João Goulart, Tancredo Neves, todos eles oriundos de estratos das classes dominantes. A singularidade do papel de Lula é de que se trata de um líder operário, filho do povo pobre, que se mantém fiel às suas origens e desenvolveu atributos para se colocar à frente de uma ampla coalizão política e social – na qual a esquerda tem papel destacado e direciona o Brasil no caminho do progresso econômico e social, com democracia e soberania nacional. Por isso, setores das classes dominantes e seus veículos de comunicação, permanentemente, empreendem-lhe corrosivo ataque político com o objetivo de desgastar e desmoralizar sua liderança, intento que tem sido rechaçado pelo povo.
d- O caráter das mudanças e do governo – o sentido democrático, soberano e de avanços sociais
O conjunto das mudanças contido no balanço dos dois governos de Lula e a sequência desse processo no de Dilma – embora com insuficiências e contradições – contribuem para os objetivos indicados pelo Programa do PCdoB. Daqueles objetivos, alguns foram realizados, de outros se empreendeu uma aproximação e vários ainda estão distantes de ser concretizados. O essencial deste cômputo de transformações é o compromisso continuado desses governos com a democracia, com a soberania nacional, com os direitos dos trabalhadores e das massas populares, e com a integração solidária da América Latina e Caribe, numa linha de contraste à hegemonia imperialista. Disso se depreende que neste decênio predominou um caráter de governo marcado pelo compromisso com a democracia, a soberania nacional e os direitos do povo.
– A base social dos governos Lula e Dilma
Esta natureza do governo também se revela na base social que lhe sustenta. Em 2006, quando da reeleição do presidente Lula, o governo passou a contar com o apoio de um numeroso contingente eleitoral formado pelas camadas populares de baixa renda, que há muito tempo estavam sob a influência de setores oligárquicos. Esse realinhamento de vasta parcela do eleitorado proporcionou nova relação de poder, permitindo maior estabilidade à governança. A presidenta Dilma preservou este respaldo popular. O leque dessa base social que hoje sustenta o governo abarca os operários, os trabalhadores da cidade e do campo, a numerosa camada pobre da população, setores das denominadas classes médias, intelectuais progressistas e a parcela da burguesia comprometida com os interesses nacionais. Esta base social larga, alicerçada nos trabalhadores e no povo pobre, é que tem dado sustentação e garantido as vitórias eleitorais indispensáveis à duração desse ciclo político. Por ter dado início à luta para superar a antiga desigualdade regional, o apoio ao governo se destaca no Norte e, sobretudo, no Nordeste.
– Permanente ataque do sistema de oposição
Há um constante confronto político entre os novos governos deste decênio e um sistema de oposição que, para além das legendas oposicionistas (PSDB, DEM, PPS e outras), é formado também pela grande mídia, pela oligarquia financeira e pelos setores reacionários das camadas médias. Este sistema representa e defende os círculos dominantes vinculados ao imperialismo e aos monopólios com ele comprometidos. Os mapas dos recentes resultados eleitorais expressam esse perfil de classes e setores de classe que separam hoje a oposição e o governo liderado pelo PT e por seus aliados.
Esse sistema das forças conservadoras tem usado poderosos meios contra o jovem ciclo histórico progressista, forçando constantemente o acirramento do embate político com o objetivo de golpear as novas forças que estão no centro do poder. Este antagonismo expressa o nível da luta de classes nas condições atuais do curso político nacional, que somente se explica pela essência anticonservadora dos governos Lula e Dilma. É na prática da luta política mais aguda que se revela a essência dos interesses de classe.
– Os desafios do movimento social
O movimento social, de âmbito sindical e popular, que representa as camadas mais avançadas e organizadas do povo e dos trabalhadores, buscou exercer sua autonomia e realizar mobilizações em torno de suas reivindicações mais candentes. É natural que diante da nova situação política, em que o governo surgiu das lutas dessas forças sociais organizadas, estas busquem o seu novo papel tendo em vista a continuação da defesa de seus interesses. E, mais importante, procurem se unir a fim de impulsionar o governo no sentido de mudanças estruturais que possam proporcionar maiores conquistas políticas e sociais. Por isso, o nível das mobilizações de massas terá seu ritmo em função de novas formas de organização e mobilização em decorrência do curso do avanço mudancista, ou da sua estagnação e de seu retrocesso. As manifestações de junho de 2013, ao terem pautado a política nacional no âmbito de intensa e dura disputa, recolocaram com força a importância da luta do povo, de seus mais diferentes tipos e formas de organização. Além da imperativa necessidade de ocupar as ruas com as bandeiras que respondem às necessidades das massas e ao avanço das reformas estruturais democráticas, impõe-se uma reflexão mais profunda no âmbito desses movimentos em relação a como se revitalizarem nesse processo original que o país atravessa.
– O governo Dilma e as manifestações de junho
Diante da nova situação decorrente das manifestações sociais de junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff corretamente se posicionou afirmando ser necessário aproveitar o vigor das ruas “para produzir mais mudanças em benefício da população brasileira”. Ela propôs um pacto em torno de cinco propostas: Responsabilidade fiscal, com o objetivo de garantir a estabilidade; reforma política democrática; investimentos para melhorar a mobilidade urbana, em especial o transporte público; mais verbas para a educação pública, com destinação de 100% dos royalties do petróleo para o setor; e melhoria da saúde. As quatro últimas propostas estão vinculadas às reivindicações dos movimentos sociais e há muito levantadas pelas forças progressistas, entre elas o PCdoB. Os esforços da presidenta para efetivar esse pacto se realizam sob um ataque concentrado da grande mídia e da direita, e seu resultado dependerá da luta em curso.
Mas alguns avanços já podem ser contabilizados. Entre eles, destacam-se a aprovação do Projeto de Lei que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde, e ainda 50% do Fundo Social do pré-sal para estes dois setores; a lei que desonera as alíquotas do PIS/Pasep e da Cofins sobre a receita decorrente da prestação de serviços de transporte coletivo municipal; o lançamento do Programa Mais Médicos que faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do SUS, com investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, e a contratação de milhares de médicos para atuarem em regiões onde há escassez e ausência de profissionais; a aprovação do Estatuto da Juventude; e a apresentação de um projeto de reforma política de iniciativa das bancadas de PT, PCdoB, PDT e PSB também integram o leque de ações que buscam responder aos anseios das ruas. Além destas conquistas, o governo tem procurado ampliar o diálogo com os movimentos sociais, iniciativa que deve prosseguir.
A grande mídia inundou a opinião pública com mil análises sobre a razão e o sentido das grandes manifestações ocorridas. Mas a maioria delas – pura falsificação – fazia crer que o ciclo progressista iniciado em 2003 estaria superado. Para o PCdoB, as manifestações são justamente produto desse ciclo político das forças democráticas e progressistas. Nos últimos dez anos, o povo obteve conquistas, elevou seu nível de consciência política e o país respira democracia. As ruas dizem que as conquistas iniciadas não podem parar e que as mudanças precisam ser aceleradas, pois um decênio de mudanças é insuficiente para se superar a enorme desigualdade social herdada de séculos de história. Desse modo, impõe-se a tarefa de disputar na luta política, social e de ideias o conteúdo e o sentido político das mobilizações sociais de rua, combatendo a manipulação e o controle que a grande mídia quer exercer, e desmascarando as forças conservadoras que tentam se aproveitar dos protestos para buscar impor sua pauta golpista e reacionária.
II – A intervenção e a construção do Partido como protagonista de um ciclo político progressista
a- Rico impulso da política dos comunistas para o êxito dos governos Lula e Dilma
A 9ª Conferência Nacional do PCdoB (2003) afirmou que a vitória de Lula representava um corte no itinerário histórico do país. Pela primeira vez se apresentava a “possibilidade de um projeto democrático nacional-desenvolvimentista, de cunho progressista, dirigido por forças políticas e sociais democráticas e populares”. E mais: A vitória de Lula, somada com a de Hugo Chávez na Venezuela e a de Nestor Kirchner, na Argentina, contribuiria para combater o domínio do imperialismo e da oligarquia financeira na América do Sul.
A Conferência enfrenta a seguinte questão: num período histórico de defensiva estratégica, num quadro em que a legenda comunista é minoritária na coalizão, é correto o Partido assumir responsabilidades de governo? Acaso essa participação não o desencaminhará, visto que sua tarefa é derrotar o capitalismo? A resposta dada foi: Pelas circunstâncias, pelo papel que o Partido desempenhou para a vitória, pela importância tática e estratégica do governo, seria um erro recusar o convite para participar do governo. A Conferência, então, sistematizou as diretrizes regentes dessa participação, cujo eixo é a atuação “pelo êxito do governo na condução das mudanças que consistem no aprofundamento da democracia e na adoção de um Projeto Nacional de Desenvolvimento voltado para a defesa da soberania e do progresso social”.
O Partido defende, para a coalizão governista, uma relação na qual predomine a unidade, mas refuta o “seguidismo”, preservando sua independência política em relação ao governo. Julga que a crítica é indispensável ao próprio governo para corrigir descaminhos. E a mobilização do povo é a força motriz indispensável às mudanças. Por isso, a importância destacada sobre a autonomia dos movimentos sociais – condição para que desempenhem um papel político próprio como agentes da mudança, diante da possibilidade de enormes ganhos sociais para a maioria do povo.
O PCdoB analisou desde o início que a dinâmica do governo Lula seria regida pelo confronto entre mudança e continuísmo, entre o velho e o novo. Caberia, então, à esquerda e aos movimentos sociais impulsionarem o governo a efetivar a transição e, simultaneamente, defendê-lo da ação desestabilizadora da oposição neoliberal.
A 9ª Conferência indicou ao Partido o apoio ao governo na sua justa decisão de estabelecer entre suas prioridades as políticas sociais, a distribuição de renda e o combate à fome. E também o respaldo à adoção de uma política externa altiva e de reforço da soberania nacional. Aplaudiu ainda a conduta democrática de diálogo com movimentos sociais e com as centrais representativas dos trabalhadores. Em contrapartida, o Partido optou por exercer permanente crítica à política macroeconômica ortodoxa do Banco Central, conservadora e de conteúdo neoliberal. E se politicamente admitia as dificuldades de o governo, no seu início, acelerar a transição, não abdicou de cobrar-lhe uma agenda que definisse o horizonte das mudanças e se movimentasse para reunir as forças necessárias para tanto.
Em relação às prioridades de agenda, logo no primeiro ano do governo Lula o Partido reagiu criticamente à Reforma da Previdência encaminhada ao Congresso Nacional. Embora a bancada do PCdoB tenha votado a favor por uma questão estratégica de apoio ao governo em seu início, considerou-a inoportuna, divergiu de seu conteúdo e lutou para preservar e ampliar os direitos dos trabalhadores. A mesma contrariedade foi manifestada diante da não-correção do salário mínimo nesse período.
Em tal situação, se impôs ao PCdoB persistente esforço para ampliar e aperfeiçoar a prática democrática em sua vida interna, elevar substancialmente o nível da sua institucionalidade, num clima de mais ampla liberdade de opinião. O procedimento e os métodos adotados em defesa da unidade de ação, nos casos de posicionamentos e atitudes dissidentes, demonstraram equilíbrio e determinação, sendo respaldados pelo coletivo partidário. Com isso, dificuldades foram superadas no âmbito da bancada comunista na Câmara dos Deputados. Ficou mais nítido não haver lugar na concepção do Partido para o exercício de soberania pessoal de um mandato. E mesmo no caso dos que têm representação do governo, as ideias e posições partidárias são necessariamente orientadoras. Ao mesmo tempo, malgrado discrepâncias de certo modo inevitáveis, jamais, neste período, foram expulsos quaisquer dirigentes ou quadros das fileiras do PCdoB, embora alguns tenham se afastado.
– A contribuição importante do PCdoB à superação da grave crise política de 2005
Em outubro de 2005, o PCdoB realizou seu 11º Congresso e fez um exame dos quase três primeiros anos de governo. Realçou as vitórias alcançadas, qualificou a transição em curso como “contraditória e limitada” e identificou os obstáculos para a superação do modelo neoliberal. O Partido avaliou que a linha macroeconômica continuava a tratar com zelo os interesses do mercado financeiro a um custo elevadíssimo para a Nação e identificou no interior do próprio governo um forte enclave pró-neoliberal – formado pelo Ministério da Fazenda e o Banco Central –, convivendo, contraditoriamente, com vários ministérios, estatais, bancos públicos e agências que implementavam políticas promotoras do desenvolvimento econômico e social.
Na esfera política, manifestava-se a compreensão das dificuldades de se garantir a coesão da base heterogênea com uma minoria de esquerda. Outro problema importante: Os limites e deficiências do PT, malgrado a liderança de Lula, para exercer o papel de força hegemônica da coalizão e a falta de convicções para impulsionar a transição – adotando quase sempre uma posição intermediária ou de cedência, além de concentrar poder em demasia e conduzir a coalizão como se a legenda petista fosse a única a sustentar o governo. No polo oposto, foi sendo formado um anseio por mudanças dentro e fora do governo, no âmbito das legendas da base aliada, inclusive no interior do próprio PT, e no movimento social, que fez surgir uma contratendência que respaldou e impulsionou o governo a realizar uma agenda que resultou em vitórias parciais contra o neoliberalismo.
Tais dificuldades levaram alguns setores políticos a se retirarem da base de apoio ao governo. Já o Partido não turvou sua visão. Em perspectiva, enxergava que se poderia forjar uma aliança de correntes antineoliberais cada vez mais forte, capaz de, nos marcos do governo Lula, ir avolumando as vitórias parciais que, no seu conjunto, fariam parte do processo único de transição para um Novo Projeto Nacional.
Uma longa crise política, tendo como pretexto o combate à corrupção e a defesa da ética, se arrastou do início de 2004 até seu pico em 2005, e só foi efetivamente superada com a reeleição do presidente Lula em 2006. A oposição, com a grande mídia à frente, fez eclodir uma avalanche moralista com marcas do velho golpismo da direita brasileira, que levou abaixo o núcleo dirigente do PT e parte da cúpula do governo.
Diante dos erros cometidos que deram margem a esta crise, o PCdoB explicitou sua visão crítica em relação a eles, mas, de pronto, sem vacilar, desmascarou a manobra golpista da oposição e conclamou a base aliada, o povo e os movimentos sociais a se levantarem em defesa do mandato do presidente Lula. O Partido lançou a palavra de ordem “Fica Lula”, e à frente de entidades unidas na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), junto com outras forças políticas, saiu às ruas em defesa da ordem democrática e contra “o golpe branco” que estava em marcha. Nessa contenda, destacou-se o papel do movimento estudantil e juvenil, especialmente da União da Juventude Socialista (UJS). E a eleição do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para a presidência da Câmara dos Deputados, em setembro de 2005, levantou uma barreira de contenção, freando a sanha golpista. O protagonismo do PCdoB e de seu parlamentar neste episódio ressalta o papel resolutivo da legenda em momentos cruciais de tensão e crise que se manifestaram nesta década.
Contraditoriamente, essa crise política, a par dos danos provocados, teve como resultante uma tomada de posição do presidente para reforçar o conteúdo progressista de seu governo – impulso que desembocou na campanha por sua reeleição em 2006. Essa nova postura do governo atendeu aos anseios dos comunistas que, desde a eclosão da crise, opinaram que a resposta do presidente à investida da direita deveria ser a ofensiva para aplicar o programa de mudanças, superando a tibieza de seus dois primeiros anos de gestão.
– Com reeleição e nova correlação de forças, comunistas propõem audácia!
Constituída uma melhor correlação de forças a partir da reeleição de Lula em 2006, o PCdoB, levando em conta os bons ventos, atualizou, em 2007, sua tática e lançou a palavra de ordem “Audácia!”, pregando que a conjuntura favorável criava condições para se avançar nas mudanças, dar passos mais vigorosos em direção a um Novo Projeto Nacional, e superar as amarras do neoliberalismo ainda vigentes. Assim, ganharam corpo, no segundo mandato, as propostas em prol das reformas para democratizar o Estado e a sociedade e assegurar mais direitos ao povo. Desencadeava-se, então, uma campanha com o foco nas seguintes reformas: Reforma política, ampla e democrática; democratização da mídia; reforma da educação; reforma tributária de sentido progressivo; e reformas urbana e agrária. O PCdoB, então, lançou um manifesto defendendo tais bandeiras.
Sob a égide de uma conduta política mais afirmativa e audaciosa, o Partido incrementou suas ações em todas as frentes de trabalho. Na frente eleitoral, passou a enfrentar a disputa para cargos majoritários e lançou candidatos a prefeituras de capitais e cidades importantes. Em 2006, elegeu Inácio Arruda o primeiro senador comunista desde o mandato de Luiz Carlos Prestes – sendo a quinta legenda mais votada para o Senado Federal; e, em 2010, a quarta com maior número de votos.
Na esfera dos movimentos sociais, a audácia teve como um de seus principais frutos a criação, em 2007, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), entidade plural e classista que nasceu com apoio do PCdoB e de outras forças políticas. No começo de 2009, como consequência da grande crise do capitalismo, a ultraortodoxia monetária do Banco Central (BC), pela primeira vez na gestão Lula, foi empurrada para a defensiva.
– Alerta em 2007: sem o impulso da esquerda, o governo não avançará!
O PCdoB avaliou que, apesar dos vetores favoráveis ao avanço do segundo governo, logo no início de 2007 surgiu um problema na esfera da condução política: Uma coalizão de doze partidos se formara; o “centro”, com o PMDB à frente, assumia relevância no governo, movimento necessário para assegurar a governabilidade. Ao mesmo tempo, a presença de forças centristas na coalizão atuou para restringir o alcance das mudanças. Para o PCdoB, uma coalizão tão ampla demandava um núcleo de esquerda para que esse conjunto heterogêneo de legendas tivesse uma regência consequente. Todavia, o PT negou a importância do “eixo de esquerda”.
Exemplo prático dessa atitude foi o rompimento de um acordo tácito que tivera o aceite do presidente Lula em torno da candidatura do deputado Aldo Rebelo à reeleição da presidência da Câmara. O PT não só negou apoio a Aldo como lançou candidato próprio. Ao mesmo tempo, optou por aliança privilegiada com o PMDB e outros partidos “centristas”. Em resposta à guinada do PT ao centro, PCdoB, PSB, PDT e outras legendas criaram na Câmara dos Deputados o Bloco Parlamentar de Esquerda, com mais de 70 parlamentares.
Este Bloco lançou uma plataforma política avançada, percorreu o país com eventos públicos e impulsionou o governo ao avanço. Apesar da turbulência e das contradições, nem o PCdoB, nem o Bloco romperam com o PT, tampouco arrefeceram seu compromisso com o governo, nem refutaram a importância da aliança com o PMDB. O Bloco cumpriu um papel importante para alertar o governo e o próprio PT sobre a imprescindibilidade da esquerda para o êxito do projeto.
– A terceira vitória do povo: os desafios de promover o avanço da mudança
O entrechoque das variáveis anteriormente elencadas produziu um aspecto novo e positivo: O ritmo e conteúdo das mudanças ganharam velocidade e alcance proporcionando ao governo um salto de qualidade em relação ao primeiro mandato. A inédita e veloz política de redução da extrema pobreza, a política externa como alavanca do Projeto Nacional, a retomada ascendente da construção da democracia brasileira, as significativas conquistas dos trabalhadores em termos de renda, direitos e empregos redundaram em forte aprovação e apoio do povo ao período presidencial de Lula, e permitiram a eleição da primeira mulher para a presidência da República, em 2010. A participação do PCdoB nessa campanha foi intensa. Orientado pelas diretrizes do seu 12º Congresso, o Partido elegeu 15 deputados federais e uma segunda senadora.
Transcorrida a primeira metade do mandato da presidenta Dilma, o PCdoB indicou que ela enfrentava dois grandes desafios. Primeiro: Dinamizar a economia nacional que se encontrava semiparalisada. Em 2013, há sinais de que a atividade econômica se aqueceu, mas não está dada a condição para este crescimento superar o índice de 3%. Segundo: Buscar a retomada do crescimento. Ao lado disso, Dilma dá prosseguimento à grande marca do governo Lula: Erradicação da miséria e aumento da participação do trabalho na renda nacional. Todavia, o Partido considera imperativo haver uma estratégia mais clara para o crescimento.
O Partido, em 2012, apoiou a participação das centrais sindicais no Grito de Alerta, uma campanha nacional contra a desindustrialização e desnacionalização, em aliança com empresários do setor produtivo, considerando a indústria como fundamental para o desenvolvimento econômico e suas relações com ciência, tecnologia e inovação, produtividade, renda e emprego. O grito ecoou no Planalto e deu sustentação à série de iniciativas adotadas pela presidenta nesse rumo, ainda que tenha sido negativa a inclusão da desoneração da folha de pagamentos neste processo.
O segundo desafio se manifesta no terreno político: Manter a ampla base de sustentação, liderar politicamente o país, dar maior eficácia à ação do governo, mas, sobretudo, instituir no centro do governo um núcleo estratégico com forças avançadas, capaz de enfrentar o desafio de realizar as reformas estruturais democráticas e empreender a luta pelo progresso social.
– A participação do PCdoB nas manifestações sociais de junho de 2013
O PCdoB, desde o início das manifestações iniciadas em junho, opinou que as forças progressistas e o governo deveriam ouvir atentamente a voz das ruas e se empenharem para atendê-la. Foi o primeiro partido da base do governo a se pronunciar com esta mensagem. O PCdoB procurou participar desta jornada de mobilizações adotando orientações específicas para cada uma das fases pelas quais ela passou. Com o objetivo de elevar as conquistas do povo e fortalecer o governo da presidenta Dilma Rousseff, o PCdoB atua em duas frentes: a) Movimenta-se para unir as forças políticas de esquerda e progressistas em geral, para dar uma condução consequente capaz de impulsionar as mudanças e para derrotar a investida da direita e da grande mídia; b) construir a coesão do amplo leque de movimentos sociais, das entidades e centrais dos trabalhadores em torno de uma plataforma política e social avançada que oriente uma ousada agenda de assembleias e mobilizações de rua pela conquista das bandeiras levantadas.
– Relevantes contribuições partidárias no Legislativo e no Executivo
O Partido manteve voz própria no Legislativo, com crescente prestígio, por meio da atuação de sua bancada no Congresso Nacional, sempre marcada por coerência, unidade e contribuições efetivas ao povo. Essa atuação é reconhecida por diversas instituições que anualmente avaliam o desempenho dos parlamentares e por integrantes da base aliada. No último quadriênio, os comunistas assumiram a presidência de importantes comissões legislativas, entre elas a de Desenvolvimento Econômico, de Direitos Humanos, de Relações Exteriores e a de Cultura. Cresceu a produção legislativa da bancada, com maior número de projetos e medidas provisórias apresentados, ou relatados, por parlamentares do Partido. Entre as matérias de autoria ou relatoria de membros da bancada, destacam-se a PEC da Juventude; o projeto de lei que criou o Vale-Cultura; a minirreforma eleitoral de 2010 (também participação ativa nas ações e nos debates pela realização de uma reforma política democrática); a anulação da resolução que cassou os mandatos comunistas em 1948; e a relatoria do Novo Código Florestal. No debate deste último tema, o Partido, consciente de que aí se situava um dos fundamentos do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, se posicionou por um novo Código que assegurasse o equilíbrio entre produção e proteção do meio ambiente. Essa questão também reforçou a necessidade de o Partido avançar na elaboração da sua política ambiental. Desse esforço, resultou a formulação de uma política de base marxista, fruto de uma Conferência Nacional realizada em 2013 pelo Partido para este fim.
No Senado Federal, a bancada comunista batalhou por um conjunto de bandeiras referentes ao Projeto Nacional de Desenvolvimento. Foi de sua iniciativa um elenco de medidas visando à valorização dos trabalhadores, entre elas a redução da jornada de trabalho, a punição da discriminação de gênero pelos empregadores, a igualdade salarial para homens e mulheres na mesma função, a extinção do fator previdenciário, entre tantas outras. Bandeiras fundamentais dos movimentos sociais também encontraram acolhida na bancada do PCdoB no Senado, entre elas se destacam a destinação de 10% do PIB para a Educação, assim como 50% dos recursos do Fundo Social do pré-sal e 100% dos royalties, e o investimento de 10% do orçamento federal na Saúde. A firme e dedicada atuação comunista no Parlamento do Mercosul (Parlasul) e a iniciativa de criação da CPI da Espionagem também merecem destaque.
As participações institucionais assumidas nos planos federal, estadual e municipal se ampliaram. O PCdoB alcançou, com isso, nova dimensão na aproximação com a maioria do povo e em sua identidade partidária. No governo federal, o Partido, por meio de quadros destacados, deu contribuições em áreas estratégicas para o país e para o povo, como esporte, ciência e tecnologia, petróleo, cultura, entre outras. Com isso, adquiriu um conjunto de elementos e aprendizagens para aperfeiçoar essa frente de atuação de relevância crescente, superando o atraso nessa participação e destacando-se na elaboração de políticas públicas de conquistas para o povo.
Competência, honestidade, zelo e rigor com o patrimônio público são as condutas cultivadas pelos comunistas que exercem responsabilidades de governo. Sua diretriz de atuação na administração pública é jamais voltar às costas ao povo, e sim governar com a participação dele, respeitar e incentivar suas lutas e movimentos; governar para dar respostas aos problemas e dilemas do presente, para elevar de forma imediata a qualidade de vida da população. Mas cada realização está associada ao rumo e ao caminho traçado em seu Programa Socialista.
Destacam-se entre as contribuições da gestão de lideranças do PCdoB no governo federal:
– O fortalecimento do esporte no Brasil, com uma política nacional que desenvolve suas dimensões social e econômica, através de leis de incentivo e de programas e políticas públicas. O Ministério do Esporte desempenhou destacado papel para o Brasil sediar a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016) e, hoje, é responsável pela preparação e futuro êxito destes grandes eventos;
– a ampliação da área para exploração de petróleo e gás no Brasil; especificação e introdução do biodiesel no mercado brasileiro; melhoria substancial da qualidade dos combustíveis disponibilizados aos cidadãos; apoio ao surgimento do pequeno e médio produtor de petróleo; e instituição do novo marco regulatório para o pré-sal, baseado no regime de partilha;
– significativa elevação da atividade audiovisual no país, com conteúdo nacional, decorrente da aprovação de novos mecanismos de financiamento ao cinema e à criação do Fundo Setorial do Audiovisual; formulação e aprovação da Lei 12.485/2011, que estabeleceu o novo marco regulatório da televisão por assinatura e que viabilizou, pela primeira vez, a presença obrigatória, em seus canais, de conteúdo brasileiro, produção independente e regional;
– aporte de ideias e iniciativas para o fortalecimento da cultura brasileira nas suas dimensões simbólica, econômica e cidadã; participação na formulação e execução do Programa Cultura Viva, Pontos de Cultura, na criação da TV Brasil e na elaboração do Sistema Nacional de Cultura;
– na área científica e tecnológica, a adoção de políticas e programas que contribuíram para acelerar o crescimento dos financiamentos, além de mecanismos institucionais para promover o desenvolvimento nacional pela via da inovação.
Além dessas realizações, quadros técnicos do Partido e suas lideranças deram e continuam a oferecer contribuições em outros setores: Na saúde, vêm atuando para fortalecer a participação da sociedade nos conselhos e conferências de saúde, incorporando novos atores sociais. Nas áreas de assistência farmacêutica, conceberam iniciativas que propiciaram a ampliação do acesso a medicamentos; e proporcionaram, também, aportes para dinamizar o complexo industrial da saúde. Sobre as políticas públicas para as mulheres, deram contribuições para a sua elaboração; participaram de forma efetiva na organização e formulação de conteúdos para as três conferências nacionais sobre o tema, que resultaram no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres; e atuaram para fortalecer os mecanismos de controle social sobre as políticas e ações para esse setor. Na elaboração de políticas de governo para a promoção da igualdade racial, tiveram atuação destacada, especialmente no processo de atualização e aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, na construção da agenda social para as comunidades remanescentes dos quilombos, na aprovação da lei que trata das cotas sociais e raciais e na criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Na formulação e construção de uma pioneira política de juventude do governo federal, desempenharam importante papel, bem como na elaboração e aprovação do Estatuto da Juventude, e participaram da criação da Secretaria Nacional de Juventude e do fortalecimento do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve). Contribuíram, ainda, na formulação de programas de combate à homofobia e na criação de instâncias para implementá-los.
– Ataques ao PCdoB
O protagonismo político do PCdoB motivou pesados ataques contra o Partido, com o objetivo claro de conter seu fortalecimento. Em outubro de 2011, no curso da escalada para desestabilizar o governo da presidenta Dilma, o campo político reacionário e a grande mídia lançaram uma pesada e sórdida campanha difamatória contra os comunistas. O Partido foi alvo de uma verdadeira “caçada”. O objetivo foi manchar a honra e a dignidade da histórica legenda e a reputação de suas lideranças, em especial a do ex-ministro do Esporte, Orlando Silva. Também miravam o governo e suas lideranças e, ao mesmo tempo, davam vazão à campanha pela desmoralização da política e dos partidos políticos.
Unido, o Partido resistiu e enfrentou essa ofensiva reacionária. Mobilizou-se de modo corajoso pelo resgate da verdade, pela defesa de suas lideranças e pelo desmascaramento dessa infame campanha. Indicou serem necessárias no país uma reforma política que institua o financiamento público exclusivo de campanha e outra que promova a democratização dos meios de comunicação, garantindo e regulamentando o direito de resposta e estabelecendo preceitos éticos para coibir os crimes de injúria e difamação cometidos pela grande mídia.
Essa é uma das dimensões da dura batalha política de caráter democrático, deste tempo, pelo resguardo da imagem de honorabilidade da legenda quase centenária no país. E isso é parte marcante de uma luta ideológica mais ampla contra a tendência a judicializar e criminalizar a atividade política, desmoralizá-la, buscando jogá-la em bloco numa pretensa vala comum.
– Uma síntese das contribuições do PCdoB ao ciclo político progressista
Foi centro de gravidade da intervenção partidária no período a luta pela realização de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, referenciado pelo Programa partidário que tem por essência a luta pelo socialismo no Brasil. Isso permitiu ao Partido reafirmar sua identidade como partido comunista, internacionalista, anti-imperialista e de classe, e sustentar sua postura independente com desenvoltura, haja vista suas decisões congressuais, posicionamento das bancadas, pronunciamentos da direção e da imprensa partidária, com opiniões críticas próprias. Ao mesmo tempo, buscou abrir caminho ao fortalecimento da esquerda no país e estabeleceu relações de confiança política com o núcleo central do governo, seu Conselho Político, os ministérios e os partidos que o integram.
O Partido teve real incidência na luta de classes e aumentou a influência na vida do país. Manteve e deu novo patamar a um dos maiores legados de sua história: Atuar no curso da luta política, inserir-se nos grandes movimentos definidores dos rumos da nação, nunca se isolar, sempre em sintonia com o sentimento do povo e seu real nível de consciência e organização. Isso o levou a assumir de forma plena e em todas as dimensões a frente institucional-eleitoral, para a conquista de instâncias de poder e representação na atual correlação de forças no país. A disputa de cargos majoritários nas cinco eleições a partir de 2004 teve resultados crescentes, incluindo as prefeituras alcançadas em 2012, algumas em grandes centros urbanos do país, reforçando assim o espaço e a identidade eleitorais próprios.
Na luta social, o Partido teve papel avançado ao pautar o reposicionamento dos movimentos sociais na luta pelas mudanças no país. Definiu-se pela politização dos movimentos em face de um governo oriundo de seu meio, a unidade em torno de bandeiras mobilizadoras, plataformas avançadas e exequíveis, ocupando espaços nas iniciativas democratizantes promovidas pelo governo, como foram as conferências temáticas. Isso contribuiu para a realização das importantes manifestações unitárias que denunciaram o golpe pretendido contra o presidente Lula em 2005-2006, e instou o governo a avançar nas mudanças.
Essas definições impulsionaram a Coordenação dos Movimentos Sociais, da qual participam a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); a União da Juventude Socialista (UJS); a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG); a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (Contee); a União Brasileira de Mulheres (UBM); as entidades nacionais de luta comunitária, entre elas a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam); a de negros, entre as quais a União de Negros pela Igualdade (Unegro); de indígenas; LGBT; e uma variedade de movimentos sociais que avultaram em muitas lutas e nas realizações exitosas do Fórum Social Mundial (FSM). E essas definições levaram também à unidade das Centrais sindicais, que contribuiu para a eleição da primeira mulher presidente do Brasil.
Na luta de ideias, o Partido foi ativo formulador de proposições e plataformas para avançar nas mudanças, em interação com o pensamento progressista – o que ajudou a criar convicções no âmbito da coalizão, do governo federal e dos movimentos sociais quanto ao conteúdo e às bandeiras para se alcançar um ciclo de desenvolvimento e progresso social no país.
As contribuições fundamentais giraram em torno da centralidade da questão nacional como exigência de uma estratégia e um plano de desenvolvimento nacional frente à realidade do mundo, integrando essa reflexão às questões candentes de aprofundamento da democracia e dos direitos sociais, por meio de reformas estruturais democráticas. Nesse esforço, salientaram-se acesas polêmicas como a questão do Meio Ambiente, com destaque para o Código Florestal, a questão indígena, energética, de defesa nacional, da política macroeconômica. Também se travou um duro enfrentamento com o aparato de comunicação das classes dominantes contra a desmoralização da atividade política, os ataques à esquerda e em especial aos comunistas, com a difusão de noções de “superação da forma partido”, a “desideologização” da política e a pretensa caducidade dos princípios doutrinários e organizativo do Partido Comunista.
b- Aproveitamento das condições para a construção partidária em patamar superior
O desenvolvimento virtuoso do atual ciclo político no Brasil exige um Partido Comunista forte, com influência multilateral, e com capacidade de intervenção política e de direção nas lutas das massas populares. Neste sentido, o PCdoB deu importantes passos para aproveitar o impulso deste rico período para a sua construção partidária. Expandiu suas fileiras, elevou a participação na vida política do país, obteve relativo crescimento eleitoral, para estar à altura das possibilidades e exigências da luta política no país, bem como das tarefas que dizem respeito aos objetivos programáticos. Os desafios implicam o enfrentamento de complexos problemas políticos, ideológicos e organizativos, que assumem a forma de pressão pelo rebaixamento estratégico de seu papel. A construção, o crescimento e a consolidação do PCdoB são tarefa de magnitude.
– Elaborações estratégicas que orientaram a ação política e a construção do Partido
As condições vividas propiciaram ao PCdoB a atualização de seu rumo programático, à guisa de elaborar um caminho para a revolução brasileira. O seu Programa Socialista foi o maior trunfo político-teórico desse período, e deu dimensão concreta à estratégia do Partido, caminho de execução possível nas atuais condições, guia para a ação no cotidiano político.
O Partido passou, nos últimos doze anos, por forte processo inovador de caminhos e modos para constituir-se como um partido comunista de classe e de massas, com quadros e militantes regidos pelo centralismo democrático. O desafio foi firmar a permanência dos princípios e da identidade comunista, renovando as concepções e práticas na busca criativa de um caminho próprio para o socialismo, junto à abertura para ampliar as fileiras partidárias e falar a toda a sociedade. Enfim, um partido de caráter leninista para a contemporaneidade. O novo Estatuto aprovado (2005) dotou o PCdoB de uma nova institucionalidade, adaptada às características da luta de classes no Brasil.
Foi elaborada também uma nova política de quadros para o PCdoB, que lidou com as complexas e amplas possibilidades de um partido em disputa de hegemonia, amparado essencialmente numa coluna de quadros de elevado nível de formação, dedicação e compromisso com o projeto estratégico do Partido e, também, para nuclear a vida militante de base. A nova política de quadros estabeleceu parâmetros para que a atividade deles gravitasse, em diferentes condições e gradações, em torno do projeto político partidário. E vincou, ao lado da atividade de direção das instâncias, a ideia de ela constituir o centro da direção organizativa, para assegurar o êxito da política traçada e o próprio caráter e missão do Partido. O PCdoB é hoje um partido com expressivas lideranças, quadros de prestígio político e influência real em instâncias de poder ou de representação e, fora do governo, nos movimentos sociais, nas universidades, na área da cultura e da ciência, na gestão da vida partidária.
Ao mesmo tempo, o Partido promove com novas possibilidades o reavivamento do espírito militante, e busca estruturar-se desde as bases, sobretudo entre os trabalhadores. Reitera ser isso parte fundamental da manutenção de seu caráter e garantia de que o sentido de acumulação de forças tem caráter estratégico. Afirma ser isso, propriamente, uma necessidade para a luta política, visando a uma força eleitoral maior, com redutos próprios, para enraizar os comunistas junto ao povo e revivificar a sua presença nas relações sociais. Este foi o sentido do histórico 7º Encontro Nacional sobre Questões de Partido (2011) que resultou no importante documento Por um Partido do tamanho de nossas ideias. Fortalecer o vigor militante e estruturar as bases partidárias depende de esforço concentrado do Comitê Central e demais instâncias. E organizar o Partido, educá-lo ideologicamente, é tarefa permanente que exige atenção de todos os quadros.
Dentre as ações decisivas para elevar o nível da intervenção e da construção político-ideológica do Partido, destacou-se a concentração de energias no trabalho de formação, comunicação e finanças, dentro do esforço geral de elevar o seu trabalho de direção em todas as frentes. É bem estruturado o trabalho de formação da Escola Nacional do PCdoB, de variados níveis – desde a base até as direções –, embora ainda insuficientemente sistêmico; e também ligado ao impulso realizador da Fundação Maurício Grabois em dar sustentação à luta de ideias em cooperação com forças avançadas do país.
Incrementou-se um sistema de comunicação de certo vulto, por meio da internet, que permite posicionar o Partido face aos acontecimentos políticos e unificar a ação da militância de modo imediato; impulsionou-se o trabalho de agitação por meio de seu órgão A Classe Operária, e o trabalho de identidade do Partido através da veiculação da propaganda partidária em rede nacional de rádio e TV, com a consigna “PCdoB, 65, o Partido do Socialismo”, potenciada também nas campanhas eleitorais. Ampliou-se sua base material, por meio não apenas do Fundo Partidário derivado das conquistas eleitorais, como também dos preceitos estatutários referentes à contribuição de quadros e militantes, mas especialmente pelas relações políticas que estabeleceu com as forças interessadas num Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Contudo, estes êxitos iniciais carecem de maior fortalecimento, sobretudo no plano dos comitês estaduais e municipais.
Numa perspectiva mais histórica, de grande importância político-ideológica, promoveu-se a sistematização da trajetória de 90 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil. O documento do Comitê Central PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo revaloriza a trajetória completa da legenda dos comunistas iniciada em 1922. Integrando-a num todo único, analisou com maturidade as sucessivas etapas e fases pelas quais se afirmou a corrente comunista no país; enalteceu e avaliou, crítica e autocriticamente, as quatro gerações que a edificaram e suas lideranças. A par disso, por meio da Fundação Maurício Grabois, desencadeou um persistente trabalho de organização e divulgação da documentação e da memória da legenda comunista.
A construção partidária foi concebida, assim, em funcionalidade com a política, derivada dela, e também com uma linha de estruturação organizativa bem definida. O PCdoB alcança 342.896 filiados registrados no Tribunal Superior Eleitoral (agosto de 2013) que, nos doze anos desde o 10º Congresso (novembro de 2001), se elevaram em 127%. O sistema Rede Vermelha, dos filiados ativos, computa 246.662 registros. Em 2013, foram realizadas conferências municipais em 1.700 cidades (aumento de 90% desde o 10º Congresso em novembro de 2001). Os militantes participantes dos congressos partidários, alvo central do esforço, se elevaram de 33.948 (em novembro de 2001), ao patamar de 108.794 (neste 13º Congresso), num crescimento de 220%. Nas grandes cidades computaram-se 2.232 assembleias de base nas grandes cidades nesta ocasião, num incremento de 12% desde 2009, além de milhares de plenárias municipais com militantes e filiados, mais as plenárias dos jovens comunistas, apontadas como indicadoras de maior qualificação da mobilização congressual. Foram constituídos coletivos nacionais como o da Cultura e o dos pesquisadores de Ciência, Tecnologia e Inovação, em curso. Foram eleitos 1.318 integrantes de Comitês Estaduais, com um mínimo de 30% de mulheres, e eleitos(as) 726 delegados e delegadas, mais 327 suplentes. Duas Conferências Nacionais do PCdoB sobre a emancipação da mulher foram realizadas, com ampla participação e impacto na vida partidária. O Fórum Nacional Permanente do PCdoB sobre a emancipação da mulher constitui-se em experiência inovadora, que precisa ser aprofundada.
– Abertura das portas do Partido a lideranças expressivas do povo
Saltam aos olhos nessa expansão os resultados eleitorais do Partido, como já dito. Hoje, ele acumula força eleitoral gradativa e continuamente: Nas cinco eleições disputadas desde o novo ciclo político de 2003, o PCdoB está entre os que mais cresceram. Em que pese ser, em termos absolutos, ainda de dimensão pequena, o Partido vem se transformando em um dos protagonistas do jogo eleitoral, especialmente nas eleições municipais em importantes capitais do país, e tem presença na Câmara dos Deputados por 11 estados; no Senado por 2 estados; em 15 Assembleias Legislativas, e em quase mil Câmaras de Vereadores – algumas em grandes cidades –, além de 60 prefeitos e prefeitas.
A proposição de abertura para a filiação de novas lideranças de expressão, casada com as formas de acumulação mais permanentes, possibilitou ao Partido esse crescimento, bem como impulsionou outras frentes de atuação. Foi um movimento ousado, garantido pela coesão de núcleos estáveis de quadros dirigentes, ampliando a possibilidade de falar a todos os trabalhadores e a toda a sociedade, e de fortalecer o capital eleitoral do PCdoB. Isso se soma ao vínculo com os trabalhadores, jovens, mulheres – principal trunfo para o papel político do Partido na sociedade brasileira.
– Virtudes, vicissitudes e potencialidades do crescimento
Foi um período de novas oportunidades e virtudes, fundamentalmente positivo, mas também de pressões, envolvendo desafios e riscos, para as quais se procurou elaborar respostas políticas, ideológicas e organizativas. As virtudes, como a expansão e a maturidade verificadas, andam de mãos dadas com as vicissitudes, ambas consequência das opções políticas feitas. As vicissitudes decorrem das condições objetivas em que se atua, são de certo modo inevitáveis para a esquerda e atuam como tendências pelo rebaixamento do papel estratégico do Partido. Elas correspondem às atuais condições de pressão contra os ideais revolucionários – postos hoje em defensiva estratégica e ideológica –, de encurtamento de horizontes políticos, fragmentação do pensamento e das identidades sociais, falta de confiança numa alternativa de sociedade. Concretamente, pesam na realidade brasileira, sobremodo, a pressão pela desmoralização da política, o sistema eleitoral fortemente baseado em lógicas personalistas e o financiamento privado de campanhas multimilionárias. Nas condições do Brasil, a luta pela afirmação partidária se dá com a singularidade da existência de uma forte organização de esquerda, o PT.
Já no plano subjetivo – como em todo processo complexo e dinâmico como são a luta política e a construção de uma força revolucionária organizada – criam-se defasagens de assimilação e implementação das linhas partidárias, que exigem vigilância e esforços permanentes pela afirmação do caráter do PCdoB. No 12º Congresso, o Partido identificou as pressões na forma de liberalismo que afrouxam compromissos: Pragmatismo que leva a perder de vista os objetivos permanentes em prol do imediato; corporativismo, que limita os horizontes de formulação de um pensamento político; e dogmatismo, que leva a uma postura defensiva frente às mudanças. Todas podem conduzir a falsas concepções e condutas espontaneístas sobre o caráter da legenda comunista. E manifestam-se como unilateralidades e deficiências na intervenção e construção partidária ou, ainda, se expressam como tendências – ao não darem o justo valor ao funcionamento das bases e trabalho dos militantes – de não se dar todo o crédito às normas da disciplina e à expressão de opiniões discrepantes daquelas firmadas pelo Partido, e a outras tendências malsãs que precisam ser enfrentadas.
As pressões atuam em toda a estrutura partidária. Para enfrentá-las, os estratos médios partidários precisam de maior apoio. Os quadros que integram os comitês municipais e estaduais – às voltas com a aplicação da linha política e de construção partidária, para ativar a militância de base na atuação junto às massas – vivem em meio a muitas fragilidades organizativas e materiais, pessoais e coletivas. Malgrado os esforços formativos realizados, e também as diretivas da linha organizativa, carece-se de maior empenho em não se perder no cotidiano ativista sem fim, em implementar a linha política por meio da maior presença junto ao povo e movimentos sociais, bem como fazê-lo por meio das organizações de base, estruturando-as e dando-lhes vida mais intensa. Tudo isso demanda um esforço por imprimir mais têmpera ideológica na vida cotidiana do Partido. Isso só pode ser alcançado pela liderança dos quadros partidários, não apenas quanto à linha política, mas também, simultaneamente, quanto à linha de construção partidária.
A experiência concreta dos últimos anos, na quadra de análise dos documentos do 13º Congresso, mostra que tais pressões atuam não apenas na frente institucional-eleitoral, mas também nos movimentos sociais e na luta de ideias. Entretanto, dado a grande importância que tem na atualidade a luta eleitoral para a conquista de representação política institucional e instrumentos de governo, é desse ambiente que provêm as maiores pressões, com desafios especiais para coadunar núcleos reais de poder que nele se constituem, com o projeto político partidário e as decisões coletivas adotadas, e para não desequilibrar a natureza essencial do PCdoB de ser um partido de ação política de massas. A ação na institucionalidade de fato exige muito dos quadros comunistas a ela dedicados, ajuda a abrir caminhos políticos para a acumulação, mas drena energias muitas vezes em detrimento de maior investimento na vida partidária – o que pode, sem os devidos contrapesos, acentuar passivos na construção ideológica e organizativa do Partido.
A questão frente às pressões é se e como uma força como o PCdoB se dispõe a enfrentá-las e com que rigor. Não há omissões do PCdoB nesse terreno. A demanda vigilante existente na militância é a de fortalecer no âmbito de todas as direções, desde os níveis intermediários, o empenho na construção política, ideológica e organizativa do Partido e elevar a eficácia de sua aplicação desde as bases organizadas. As maiores respostas dadas às vicissitudes foram as de tratar de maneira combinada três formas de luta entrelaçadas para acumular forças em caráter estratégico, portanto revolucionário, sem unilateralismos: A luta social de massas, a luta político-eleitoral e a luta de ideias, todas elas com caráter político. E, mais que isso, é a de assentar essa tríade não apenas na linha política, mas também, simultaneamente, na linha de construção partidária, fazendo-as convergir concretamente, como fundações onde se assentam as linhas de acumulação de forças. Junto a isso, trata-se de disputar ativamente as bases sociais fundamentais, a saber, os trabalhadores, a juventude e as mulheres. E seguir aprimorando o centralismo democrático, para um partido com liberdade de opinião e unido na ação concreta em cada caso.
Entretanto, o fato mais marcante no Brasil de hoje são as imensas potencialidades da realidade política, social e econômica do país e as possibilidades concretas de nova vitória eleitoral em 2014. Frente a isso, o PCdoB está bem situado politicamente, tem um rumo emanado de seu Programa e desdobrado em orientações táticas mobilizadoras e unificadoras do povo brasileiro. O 13º Congresso deve partir dessas perspectivas para atualizar as tarefas da construção partidária para o próximo período.
III – Perspectivas e a necessidade de uma nova arrancada: mais democracia, desenvolvimento e progresso social
a- Destravar e acelerar as mudanças
– Fronteiras fundamentais que precisam ser superadas
Do ponto de vista da estratégia do PCdoB, considerando o caminho delineado no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, nos últimos dez anos o país se aproximou da realização de objetivos nele contidos. Tal aproximação não significa realização plena, podendo-se mesmo considerar que o ritmo de execução de propostas de governo, convergentes com o NPND, é lento e aquém das necessidades objetivas e das possibilidades existentes. Existe inclusive a possibilidade de retrocesso, com a perda das conquistas do povo e da nação no último decênio. Muito há que se acumular para que se possa irromper no rumo da transição socialista no país – um trabalho de gerações.
Como resultado desse percurso de dez anos, o campo político progressista acumulou forças e foram criadas melhores condições para as mudanças estruturais. Trata-se de uma oportunidade histórica rara que não deve ser desperdiçada. A tarefa política central do momento é mobilizar apoio para que o governo realize as mudanças que a nação reclama, através das reformas estruturais democráticas, tendo como ideia-força o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
No período atual, há três pontos fundamentais para que seja aumentada a velocidade das transformações: Ampliação da democracia; nova arrancada para o desenvolvimento; e mais progresso social.
– Mais democracia!
Quanto ao primeiro ponto, a ampliação da democracia, é uma bandeira que esbarra na ordem político-institucional vigente. Este obstáculo, para ser removido, requer reformas estruturais democráticas no sistema dos meios de comunicação e de representação política; no Poder Judiciário; no sistema tributário; no regime de propriedade da terra; na administração e na estrutura do Estado, visando a dar à gestão pública um caráter nacional, democrático e revigorador da participação popular na elaboração e no controle das políticas públicas. Destacam-se também as reformas: Urbana, da educação e da saúde. Deste elenco, se impôs como reivindicação candente a democratização dos meios de comunicação, do Poder Judiciário e do sistema político-eleitoral.
Há no Brasil um monopólio privado que se apoderou do domínio público da informação – pilastra fundamental do Estado. Tal fato é uma barreira para o aprofundamento democrático, pois o direito da sociedade à informação e à comunicação plural é mitigado, e restrito, porque os grandes meios de comunicação estão sob controle de monopólios, propriedades de algumas famílias ou grupos. Estes grupos julgam que podem tutelar a opinião pública, controlar a subjetividade popular com manipulações e abordagens unilaterais e parciais dos fatos. Trata-se de uma oligarquia de direita conservadora que controla as grandes redes de televisão e rádio, a imprensa escrita e os maiores portais da internet. E esse poder acentuado se expressa na formação de um verdadeiro “partido golpista”. Em grande medida, a oposição partidária foi substituída por esse complexo de comunicação. Trata-se de um nó górdio que se for desatado poderá definir, estrategicamente, a verdadeira face da democracia brasileira.
A democratização da comunicação é uma bandeira estratégica, que interage com todas as faces das lutas populares. Seu caráter transversal reforça o sentido unitário dos esforços para quebrar o monopólio midiático no Brasil e assegurar a aplicação das garantias constitucionais por meio da regulamentação dos artigos da Carta Magna que versam sobre a diversidade e a pluralidade informativa.
Agravam-se as distorções e deficiências na esfera do Judiciário. A isto se juntaram exorbitâncias de membros da cúpula do Judiciário, com decisões que ferem as prerrogativas de outros poderes. Deste diagnóstico vem a necessidade urgente da democratização do Judiciário, assegurando acessibilidade a uma justiça ágil para o povo e com controle externo. É preciso fixar mandato para os ministros dos tribunais superiores, norma que lhes possibilitará a alternância, pondo fim à vitaliciedade.
A reforma política democrática, seguidamente postergada pelo conservadorismo, é imperativa para o aperfeiçoamento da democracia brasileira, o fortalecimento dos partidos políticos e o aumento da participação do povo na vida política nacional, instituindo formas de democracia participativa e direta. É um dos antídotos contra a sistemática campanha que a grande mídia realiza para desmoralizar a política e os partidos. Para tanto, o Partido e um conjunto de forças políticas e sociais democráticas defendem o seguinte conteúdo para aperfeiçoar o sistema político-partidário: Uma reforma que assegure o pluralismo partidário,fortaleça os partidos e amplie a liberdade política; e a implantação de um novo sistema de representação político-eleitoral com financiamento público exclusivo de campanhas, e votos em listas partidárias com alternância de gênero.
A realização das reformas estruturais democráticas tem sido freada ou barrada por uma forte reação contrária da parte do status quo conservador. Para tais reformas se concretizarem, os partidos e os movimentos sociais que as defendem precisam persuadir e ganhar o povo quanto à sua justeza. Nesse sentido, uma forte mobilização social de conteúdo político é indispensável para fazer prosperar a agenda reformista.
– Mais desenvolvimento!
O segundo ponto nodal para acelerar a transição é a exigência de um desenvolvimento econômico robusto, com sustentabilidade ambiental, progresso social, valorização do trabalho e crescente redução das desigualdades regionais, que esteja à altura – nas condições atuais do Brasil – de garantir e ampliar os avanços sociais, e progressivamente, reforçar a soberania nacional.
Já ficou claro que o fomento ao consumo como forma de desenvolver o país no contexto da crise internacional do capitalismo já mostra seu esgotamento. Apesar de o consumo ser indispensável, impõe-se um crescimento econômico impulsionado principalmente pelos investimentos.
Sob uma perspectiva histórica, assiste-se ao esgotamento do chamado tripé macroeconômico (superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação), cuja manutenção impossibilita a capacidade de o país atingir rapidamente um nível de 25% na relação investimento/PIB – o que impede a consecução de uma política agressiva de crescimento econômico pautado pelos investimentos. E também não se criaram ainda certezas de que os investimentos produtivos possam ser remunerados satisfatoriamente num país tão moldado com a lógica do capital rentista de curto prazo. Mas há também problemas sérios que limitam a capacidade de investimentos públicos e de quaisquer outros: As espantosas dificuldades para a execução orçamentária, exigências burocráticas, jurídicas e ambientais, muitas vezes despropositadas. Na prática, são expedientes que travam o desenvolvimento do país.
Além do crescente investimento público, dado o estágio das forças produtivas no Brasil, elevar o investimento privado por meio de concessões é uma necessidade. Em qualquer caso, a concessão deve resguardar a soberania nacional, os interesses populares, a qualidade do resultado e os direitos dos trabalhadores. A infraestrutura e o setor de energia são casos que demandam ocupação de espaço pela iniciativa privada, principalmente a nacional, para alavancar e modernizar o desenvolvimento e sanar os graves gargalos que perduram há décadas.
As concessões não significam privatização, dado o poder concedente que o Estado pode exercer em contratos com metas, condições de desempenho e prazos fixados. Em torno desta medida, setores “privatistas”, entre outros, para confundir, colocam um sinal de igualdade entre privatizações e concessões. Nesta polêmica se ressalta a questão da propriedade, pois quando se concede a um grupo uma estrada, ou um porto, ou um campo de petróleo, ou um aeroporto, a propriedade do mesmo continua pública e o Estado assina um contrato com obrigações, por tempo determinado.
Ainda é parte fundamental da estratégia de desenvolvimento nacional o avanço continuado e sistêmico da ciência, tecnologia e inovação. Portanto, é imprescindível dinamizar e criar estruturas que deem base para o desenvolvimento científico e tecnológico autônomo do país. Entretanto, parte significativa da inovação tecnológica se consegue através da capacidade financeira de obtenção do que de mais avançado se produziu no exterior para em seguida processarem-se, nos centros de pesquisa, tecnologias necessariamente acopladas e integradas à grande produção industrial, a chamada “engenharia reversa”, algo que não ocorre no Brasil.
No fundamental, o problema é financeiro e macroeconômico. Financeiro porque deve haver condições financeiras para se entrar com força no mercado internacional de novas tecnologias – como fazem a China e a Índia com muito êxito. E também macroeconômico porque, com o crédito encarecido, o setor privado perde capacidade de investimento.
– Mudança da orientação macroeconômica – condição para maior investimento e pleno desenvolvimento
O avanço do Brasil depende de novos marcos em políticas monetária, cambial e fiscal, capazes de acelerar o crescimento econômico, direcionando amplos recursos para os seguintes objetivos: Recuperação e ampliação da infraestrutura; exploração do pré-sal; e retomada e aprofundamento do processo de industrialização. Um maior crescimento só é possível com uma taxa de investimentos maior. Esta taxa tem sido baixa já faz algum tempo, tanto em relação às taxas de investimentos de outros países em desenvolvimento assemelhados ao Brasil, quanto em relação à própria média histórica brasileira.
Os problemas com a inflação não podem ser subestimados, e é fundamental mantê-la sob controle. Todavia, o PCdoB defende que o governo deve usar nesse controle outros instrumentos e não apenas a taxa básica de juros da economia. Trazem consequências graves para o país as políticas que absolutizam a inflação como único problema econômico e que elegem a taxa de juros como único remédio para corrigi-la.
Por sua vez, o câmbio brasileiro continua muito sobrevalorizado. O Banco Central tem feito intervenções visando a evitar uma valorização maior do Real, mas prevalece seu caráter flutuante. Calcula-se que entre 1995 e 2011 a taxa de câmbio tenha sido valorizada em cerca de 40% em relação ao dólar americano, inclusive levando-se em conta os ganhos de produtividade na economia brasileira em relação às demais. Este câmbio valorizado tem sido o principal responsável pela não-elevação da taxa de investimentos e pelos percalços enfrentados na indústria.
O PCdoB vai formando a convicção de que, nas condições atuais do mundo, o câmbio competitivo é uma das principais determinantes do crescimento econômico, sem necessariamente provocar inflação. O alcance desta meta requer da parte do governo um processo de controle em curto e médio prazo, não se confundindo, portanto, com oscilações bruscas da moeda provocadas por ataques especulativos.
Outro problema está relacionado com o crescente déficit em transações correntes que teve início em 2008. Esses déficits vinham sendo cobertos, entre outras fontes, pelo alto volume de investimentos estrangeiros diretos que, entretanto, começaram a declinar.
Quanto à política monetária, a taxa de juros real brasileira – embora tenha sido reduzida a taxa básica de juros Selic – continua alta em relação a países mais desenvolvidos. No Brasil, ainda há enormes diferenças entre a taxa básica e as taxas praticadas pelos bancos nos empréstimos a empresas e consumidores.
É imperioso reformar e regulamentar o sistema financeiro para que se estabeleça um sistema de crédito voltado para o financiamento da produção e o fomento ao desenvolvimento. Rechaçar as pressões dos especuladores e manter taxas de juros que favoreçam o crescimento também é um dos principais fatores para o crescimento econômico brasileiro. Mas, para se ter em conta que essa “guerra” ainda não foi vencida, vale destacar que foi deflagrada uma campanha pelos círculos dominantes financeiros, sob o argumento de combate à inflação, que resultou no reinício, desde abril de 2013, do aumento consecutivo da taxa básica de juros.
A chamada questão fiscal também é alvo de disputa. O caminho da austeridade fiscal e do aperto monetário é nocivo ao desenvolvimento do país. A recorrência neste caminho demonstra que ainda se vivem dilemas na esfera da política macroeconômica e o país também se ressente da permanência de “contratos” remanescentes do período neoliberal.
– Mais progresso social!
Para acelerar as mudanças, o terceiro ponto que se destaca é o avanço das conquistas sociais. Êxitos iniciais foram alcançados, mas ainda é dramática e sofrida a vida da maioria dos brasileiros. Avançar nesse terreno exige a realização de reformas, com o simultâneo crescimento da geração de mais e melhores empregos e da elevação contínua da participação da renda dos trabalhadores na riqueza nacional. Quem paga mais impostos são os pobres e os trabalhadores. Por isto, impõe-se uma Reforma Tributária progressiva, que tribute mais os detentores de fortunas, estabeleça tributação especial sobre a especulação e o rentismo e seja direcionada para a redução das desigualdades sociais e regionais.
Para dar resposta às péssimas condições de vida nas cidades, é inadiável o fortalecimento dos municípios e a Reforma Urbana, que garanta direitos e serviços, infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade urbana, principalmente o transporte público de qualidade e com baixas tarifas. É preciso combater a especulação imobiliária; e prosseguir, com metas ainda mais ousadas, com os programas que visam à garantia de moradia digna a milhões. Tornar realidade a aplicação do Estatuto da Cidade, garantir ao povo o direito a uma vida com paz e segurança. Para tanto, fortalecer a segurança pública, e realizar ações prioritariamente preventivas e de repressão à violência criminal e ao narcotráfico, assim como combater a violência policial e os abusos de autoridade No enfrentamento à violência, também se destacam os programas de proteção e a criação de oportunidades à juventude, em especial para os pobres e negros, com vistas a eliminar os altos índices de homicídio nesta faixa etária. Opor-se às propostas de redução da maioridade penal. Ampliar o alcance das políticas e leis que visam a combater a violência contra a mulher; e também fazer valer, na prática, os dispositivos do Estatuto do Idoso.
Quanto ao direito do povo à saúde é inadiável o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), melhorando a atenção básica e garantindo o controle público e social sobre a gestão do SUS para que seus milhões de usuários tenham direito a um atendimento ágil, de qualidade e humanizado. Avançar nas políticas de acessibilidade visando assegurar e ampliar direitos e serviços voltados para pessoas com deficiência.
Melhorar a educação pública e gratuita em todos os seus níveis com mais investimentos. A valorização dos profissionais de educação com salários dignos e boas condições de trabalho é uma meta importante.
A finalidade principal de o país imprimir à sua economia um crescimento robusto e acelerado, para o PCdoB, é a elevação da qualidade de vida do povo. Para que o país tenha mais progresso social, além da realização articulada de um conjunto de reformas e o fortalecimento dos serviços públicos, com valorização dos servidores e suas carreiras de Estado, são necessárias a defesa e a luta por um Estado democrático, laico, inovador, que garanta ampla liberdade para o povo, combata preconceitos e discriminações e assegure os direitos humanos.
– Desenvolvimento sustentável
A incorporação do meio ambiente como fator estruturante do Novo Projeto Nacional do Desenvolvimento expressa a importância que o Partido Comunista do Brasil confere à questão ambiental como parte integrante de um novo salto civilizacional. Ao conceber essa convicção, o PCdoB se alicerça na teoria marxista para a qual o ser humano é parte da natureza e com ela deve dialogar ininterruptamente “se não quiser morrer”. E na relação do homem com o restante da natureza o marxismo privilegia o ser humano.
As diversas dimensões da formação econômico-social e ambiental fazem parte de um todo e não podem ser tratadas isoladamente. Por isso, o PCdoB combate tanto o desenvolvimentismo predatório, que trata o desenvolvimento isolado dos problemas sociais e ambientais, quanto o preservacionismo ou santuarismo, que trata o meio ambiente isolado dos problemas econômicos e sociais.
O PCdoB defende o direito ao desenvolvimento. E não é possível desenvolvimento sem alterar a natureza. Todavia, esta intervenção deve ser feita com base em novos padrões de desenvolvimento levando-se em conta as questões ambientais e sociais.
Com base nesses fundamentos, o PCdoB formula uma proposta de luta ambiental que compreende os seguintes itens: Luta em defesa do desenvolvimento sustentável soberano, integrado pelos seus “quatro eixos”, econômico, social, cultural e ambiental; defesa da Amazônia e do seu desenvolvimento sustentável, entendendo-a como parte destacada do Projeto Nacional; aproveitamento sustentável do potencial energético do Brasil; defesa da biodiversidade; defesa da água como bem público; soberania alimentar; defesa de um meio ambiente urbano saudável; defesa do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” entre os países.
– Expansão da produção de energia
E agora um ponto crucial: A arrancada desenvolvimentista requer bem mais energia. Para atingir o objetivo referido, o Estado precisa desenvolver sua tríplice função de produtor de energia, indutor do crescimento energético e regulador. Deve também articular o uso de fontes diversificadas, com o uso das fontes disponíveis e das chamadas “fontes alternativas”. E deve ainda preservar características de sua matriz atual, das mais limpas do mundo: petróleo (36,7%); hidrelétrica (14,8%); gás natural (9,3%); carvão (6,2%); urânio (1,4%); e biomassa (31,8%).
Para alcançar esses objetivos, as seguintes indicações devem ser observadas: Manutenção do destaque para a fonte hidráulica, que implica a construção de grandes usinas, como as três em implantação na Amazônia; opção por hidrelétricas pequenas ou médias, próprias para regiões planas; rigor socioambiental; expansão da exploração e produção petrolífera, nas vastas áreas das bacias sedimentares terrestres e marítimas e também no pré-sal; aumento do uso da biomassa, incorporando avanços tecnológicos que permitam o surgimento de complexos integrados bioenergéticos, que produzam açúcar, etanol e eletricidade, com base no bagaço; uso do etanol celulósico; aumento do emprego do gás natural, que saia dos 10% atuais na matriz para 15% em 2030, como prevê a Empresa de Pesquisa Energética (EPE); incremento do GNL, o gás natural liquefeito, a partir da conclusão dos terminais do Rio de Janeiro, do Ceará e Bahia; aumento da fonte nuclear, não permitindo que o Brasil continue com 1,4% de participação dessa fonte em sua matriz, enquanto a média do mundo é de 6,4% e a dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 10,7%, afinal o país tem a sexta maior reserva de urânio do planeta e a única jazida desse mineral em operação na América Latina; e apoio às “fontes alternativas” com destaque para a eólica, que já conta com potência instalada de 1,1 MW, aproximadamente o mesmo que uma usina de Angra dos Reis, mas que pode chegar a níveis bem maiores, justificando já ser referida como o “pré-sal dos ventos”.
– Indicações para uma estratégia de desenvolvimento
A experiência dos últimos 10 anos no Brasil – bem como a de outros países em desenvolvimento, onde avançou uma alternativa de crescimento econômico contraposta à do neoliberalismo – demonstra que a alternativa desenvolvimentista ganha força nesta época de crise do sistema capitalista e de guerra cambial desencadeada pelos países capitalistas “centrais”. Dessas experiências, podem ser resumidas as seguintes indicações: Taxa de câmbio administrada e competitiva, como instrumento de planejamento do comércio externo sob controle do Estado nacional; controle dos fluxos de capital externo buscando coibir ataques especulativos; política de juros que ajude a financiar o crescimento e a estimular o consumo, visando à ampliação do mercado interno, alinhada com as taxas praticadas no exterior; política industrial ativa com absorção e desenvolvimento de tecnologia avançada; forte sistema financeiro público, capaz de fazer valer os interesses do crescimento econômico da nação; parceria estratégica com países com interesses econômicos e políticos similares aos do Brasil.
– Bloco de afinidade de esquerda – para mudanças mais consequentes
As forças políticas progressistas têm diante de si uma quadra histórica favorável que decorre do entrelaçamento de fatores positivos externos e internos. Externamente, a prolongada crise estrutural do capitalismo, contraditoriamente, abre uma oportunidade para países como o Brasil seguirem um caminho próprio. O fator interno deriva de uma década de luta por mudanças que acumulou condições em novo patamar para maiores transformações. Desse modo, crescem a responsabilidade e o papel histórico das forças mais consequentes, de esquerda, no Brasil e no vasto continente latino-americano, que avançam no sentido da luta anti-imperialista e progressista.
De uma realidade pluripartidária diversificada têm se formado coalizões amplas, heterogêneas – e por vezes instáveis –, para a reconhecida necessidade de se formar um governo que tenha maioria no Congresso Nacional. Tal realidade condiciona uma resultante política que produz o nível das mudanças até aqui alcançadas. É grande o empenho do Partido dos Trabalhadores (PT), no centro do governo, para fazer prosperar o curso democrático e social, apesar de suas limitações decorrentes da heterogeneidade de sua composição e organização política.
Entretanto, agora – para o passo adiante, com mudanças de fundo, para que se complete a transição rumo a um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, na concepção programática do PCdoB – os desafios são ainda maiores; o que exigirá grandes embates políticos. As grandes manifestações juvenis e populares de junho soaram como alerta de que as conquistas precisam rapidamente avançar, uma vez que o Brasil continua sendo um país muito injusto e desigual, o que provoca tensões sociais permanentes. Para que o povo vença esses grandes confrontos, cresce a exigência e ganha corpo a justificada aspiração de que a elas se agreguem as correntes políticas, as lideranças atuantes em várias legendas, as personalidades de diversos setores da sociedade. Enfim, que se unam todos quantos tenham compromisso e afinidade com as bandeiras da esquerda, em contraposição às tendências conservadoras e retrógradas da sociedade atual.
Esta unidade visa à construção de um grande bloco político no âmbito dos parlamentos, nas esferas de governo, no seio dos movimentos sociais e da intelectualidade. Este grande bloco de afinidades de esquerda, assim compreendido, poderia de forma pactuada estabelecer uma plataforma comum, simples e objetiva, que indicasse as mudanças acordadas para impulsionar o quarto governo deste ciclo político, tendo como referência reformas na superestrutura político-institucional, na estrutura do modelo de desenvolvimento econômico, nos novos passos da inserção soberana do Brasil no mundo atual e da integração soberana e solidária do Continente.
Para a constituição desse bloco, o PCdoB propõe referências para um programa comum imediato – questões necessárias para um maior avanço democrático e para uma estratégia de crescimento que garanta desenvolvimento sustentável, robusto e acelerado, capaz de garantir conquistas ainda maiores na esfera social e na afirmação da soberania nacional.
Nesse sentido, tomam especificidade atual, entre outras questões: A democratização dos meios de comunicação e do Poder Judiciário; a reforma política democrática; a reforma tributária progressiva; a atualização e realização da reforma agrária; o apoio à agricultura familiar; a política cambial e monetária voltada para a elevação das taxas de investimento e o pleno desenvolvimento econômico nacional; medidas atuais para expandir e acelerar a produção energética e a edificação da infraestrutura. Quanto às bandeiras candentes entre os trabalhadores e o movimento social, se destacam, entre outras: Jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem redução do salário; e revogação do fator previdenciário. A elas se agregam as reivindicações que foram reforçadas pelas manifestações de junho: pautas relativas à mobilidade urbana e a inadiável Reforma Urbana, que deem resposta ao agravamento das condições de vida nas cidades, com destaque para o transporte público de qualidade e eficiente; combate às opressões e discriminações que desrespeitem a liberdade religiosa e a livre orientação sexual; 10% do PIB para a educação; 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde. A recente lei que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde é um passo importante para atingir este objetivo, que só será alcançado com maiores investimentos.
A oposição de direita e a grande mídia tentaram ao máximo explorar as manifestações de junho para exacerbar a luta política contra o governo Dilma. Na avaliação do PCdoB, esse acirramento sublinha a necessidade da formação de um novo pacto entre as forças políticas e sociais progressistas. Desse modo, adquire maior importância e atualidade o esforço para a construção do bloco que reúna as forças com afinidades de esquerda, que possa dar consequência à aceleração das mudanças estruturais.
O Partido enxerga com nitidez o alcance dos grandes embates políticos que, na atualidade, se colocam diante dos trabalhadores e da Nação. Estão em jogo opções que, para o PCdoB, não se encerram no imediato, mas têm sentido estratégico na concretização do magno objetivo das forças avançadas: A conquista de um país soberano, democrático e socialista, cuja construção seja resultado de um caminho próprio, brasileiro.
b- Perspectivas atualizadas para a edificação partidária
À luz das potencialidades, os desafios mais marcantes são os de fortalecer o PCdoB como partido combativo, de pensamento e ação política de massas realmente influentes, com eleitorado próprio e maior presença nas disputas eleitorais – o que demanda ampla estrutura militante organizada e renovação dos vínculos com a luta de massas. Para isso, cumpre compreender a construção partidária como um todo, em cada frente e dimensão, como parte do labor cotidiano de cada quadro, para fazer crescer o PCdoB com a têmpera de reavivamento do espírito militante, manter bem definidas as fronteiras do que é ser militante comunista, e consolidar a noção de direções capazes, compromissadas, coletivas e coesas em seu agir. Em síntese, conjugar judiciosamente a vida militante, a direção coletiva, a democracia interna e o centralismo democrático, formar os quadros e estruturar o Partido pelas bases.
Este 13º Congresso, no que diz respeito às tarefas de construção partidária, deve colocar o Partido à altura do atual nível de embate político no país, confrontar as deficiências e potencializar seu papel. Está no horizonte um Partido de várias centenas de milhares de membros.
Nos últimos congressos, cumprimos exemplarmente o horizonte desafiador que nos foi legado pelo 10º Congresso (2001) de “lutar para construir um Partido combativo, unido, influente política e eleitoralmente, imerso na luta política, social e de ideias, apto a lutar pela hegemonia no rumo de seu projeto programático; combinar de forma justa a atuação dos quadros na esfera político-institucional no seio do Estado vigente com a perspectiva estratégica de acumulação de forças para mudanças profundas na sociedade; alcançar uma estável e extensa militância, coesa, estruturada em organizações de base enraizadas na luta dos trabalhadores e do povo brasileiro”.
Essa consigna segue atual, permanece em pauta e hoje implica:
a. Impulsionar a capacidade estratégica de pensar o país com base no Programa Socialista. A vida do Partido é a luta pela aplicação de seu Programa, levando ao povo a esperança para o cotidiano e o futuro com vistas a uma perspectiva mais avançada, o socialismo. O Programa define o lugar e papel político do PCdoB e o de diferenciação objetiva de suas ideias como força revolucionária de esquerda. Os comunistas devem despertar as energias transformadoras dos trabalhadores e de todo o povo, ligando as lutas cotidianas à luta pela consecução do caminho programático.
b. Manter o foco na combinação entre as formas de luta políticas, sociais e de ideias para acumulação estratégica de forças, em especial entre trabalhadores, juventude e mulheres, além de alargar a influência partidária nos meios científicos e culturais, na intelectualidade progressista. Todas elas interagem frente às condições e natureza do processo político em curso no Brasil, para enfrentar a prioridade de elevar a força eleitoral do PCdoB. Igualmente, precisa ser despertado o ímpeto político e politizador dos líderes comunistas, destravando mentalidades defensivas subsistentes, por uma realista aspiração de poder e maior representação parlamentar e nos governos. Portanto, é preciso manter a ousadia dos projetos eleitorais, disputando cargos majoritários e de representação parlamentar, constituindo chapas próprias que garantam quociente eleitoral, indispensável para aplicar plenamente a concepção de alianças amplas, e perseverar na abertura do Partido a novas lideranças.
c. Aprimorar a unidade partidária e sua mobilização organizada. O centralismo democrático é o vértice concreto das vertentes da unidade: O Programa, o Estatuto e o projeto político definido. Hoje se exige crescente maturidade de métodos e formas para fazer das eventuais discrepâncias no Partido não o estímulo à divisão, mas uma fonte de emulação de um pensamento criador e compromissos assentados em torno de projetos políticos, em debates devidamente realizados nas instâncias partidárias.
d. Enfrentar, no plano ideológico, a pesada investida contrarrevolucionária dominante, que dissemina a resignação, impotência, abandono da luta e da identidade comunista, e empreende a tentativa de estigmatizar e desmoralizar as forças revolucionárias, amoldando-as à ideologia dominante. No âmbito da nova luta pelo socialismo, ao lado dos esforços por superar a crise teórica, se requerem novas formas de luta ideológica, com o enriquecimento do marxismo-leninismo, linguagem contemporânea, e atenção a fenômenos sociais, culturais e políticos como o da revolução na área da informação. Nela, se insere a defesa da essência e identidade do Partido Comunista, como parte da luta por credenciá-lo como alternativa política concreta, sem se isolar e se transformar numa seita desligada da realidade. Ao contrário, é necessário trabalhar para que a mensagem dos comunistas chegue à maioria do povo.
e. Perseverar em cumprir a Carta-compromisso do 7º Encontro Nacional sobre Questões de Partido, por um partido de amplas fileiras de membros, centenas de milhares, realmente organizado em bases de militantes, nas maiores cidades do país, reforçando o trabalho teórico-ideológico de formação dos comunistas, estimulando o estudo individual e a participação nos cursos da Escola Nacional do PCdoB, e partindo dos esforços por consolidar os comitês municipais com apoio dos comitês estaduais.
f. Reforçar as medidas contra as pressões pelo rebaixamento estratégico do papel do Partido:
1. O maior esforço atual é o de todos os quadros assumirem a construção partidária, em todas as dimensões, por parte de todas as instâncias. Isso significa que, para além da linha política, todos precisam se apropriar da linha de construção partidária. Mais que isso, todos eles precisam liderar não apenas o discurso político, mas também o da edificação ideológica e organizativa partidária perante o coletivo, e integrar cada esfera de ação nesse esforço comum. Ligar a organização à consecução da política, de fato, mas fazer com que a direção política seja mobilizadora da estruturação partidária, pois não podem ser separados os esforços da linha política e os da linha de construção partidária.
2. Segue premente a necessidade de ligar a atuação de quadros partidários em funções de todos os tipos – à frente de governos, parlamentos, nos sindicatos e demais instâncias do movimento social – ao primado do projeto político do Partido, às pautas e agendas das direções. De modo especial, os quadros de maior expressão política é que devem dar os melhores exemplos nessa matéria, e deve ser aprimorado o modo como os que atuam em governos – portanto, sujeitos ao programa de gestão e pauta governamental – se situam.
3. Ampliar as energias dispostas para o trabalho de direção de um Partido grande e complexo. O balanço de direção do 13º Congresso deverá fornecer subsídios indispensáveis para tanto. Ao lado do fortalecimento de todas as frentes de direção, destacam-se: a) As exigências de maior e mais diversificado trabalho de formação política e ideológica tendo por centro a teoria marxista-leninista e o Programa Socialista; e b) o exercício de maior controle político da atividade partidária num partido em expansão, que implica reforçar o trabalho de direção geral por meio das comissões políticas e reforçar a direção concreta no trabalho de organização, ou seja, instituir novos modos de direção organizativa, ajustando para tanto o perfil e a atividade dos Secretários de Organização.
4. No âmbito dos comitês intermediários impõe-se fortalecer a ideia de que não há como edificar uma força política com o caráter do PCdoB sem que a isso se dediquem quadros abnegados, dispostos a assumir a tarefa principal de conduzir o Partido, exaustivamente, pelo tempo determinado dos mandatos de direção, promovendo sempre a renovação e alternância de funções, para que a relevante missão de dirigente municipal tenha representatividade com influência de massa. Somente haverá organizações de base ativas com o devido empenho para escalar quadros com a missão de estruturá-las, se for vinculado este esforço às pautas e agendas políticas mobilizadoras do povo. Os comitês estaduais, no plano organizativo e ideológico, têm antes de tudo a responsabilidade de apoiar o esforço dos comitês municipais nesse rumo. Segue aí, nas direções intermediárias, o elo fundamental a se reforçar para o próximo período de edificação do PCdoB no país.
5. Frente a cada uma dessas exigências, é central extrair todas as consequências da política de quadros para a atividade de direção do Partido. Ainda não se logrou alcançar o patamar necessário para isso desde o 12º Congresso (2009). Foi criada a política de quadros inovadora, mas faltam meios e instrumentos que vitalizem sua aplicação integral, ou seja, a ela será preciso desenvolver maior poder de indução em todo o Partido, para que seja instituída como o centro da direção organizativa envolvendo o conjunto da direção.
O PCdoB está bem apetrechado com linhas políticas, ideológicas e organizativas para superar – com perseverança e concentração – os desafios apontados. Eles precisam ser vencidos para elevar o papel e o lugar políticos dos comunistas, e para levar esperança ao povo trabalhador de que pela frente há uma jornada excepcional, transformadora para um novo salto civilizacional na trajetória do Brasil. Edificar o PCdoB, ontem como hoje, tem um sentido de missão: sem uma força revolucionária organizada não há efetivamente a luta transformadora pelo socialismo.
SEGUNDO TEMA
Balanço e tendências da crise estrutural e sistêmica do capitalismo, do mundo em transição, e da nova luta pelo socialismo
I – A prolongada crise sistêmica e estrutural do capitalismo contemporâneo
a- A caracterização da atual crise do capitalismo
A atual crise do capitalismo é sistêmica e estrutural, multifacética e ameaçadora, e expressa a dominância da financeirização e a exacerbação do papel e do lugar do capital fictício. Trata-se de uma crise longa, que já dura mais de cinco anos, de impacto global, e que em muitos aspectos quase rivaliza com os impasses da Grande Depressão dos anos 1930. Desnudam-se, nesta crise, as contradições cruciais da dominação do capital, nos âmbitos social e ambiental. Ameaças e retrocessos golpeiam as liberdades, os direitos, a paz e a soberania dos povos. De início, cabe ressaltar que os eventos desta crise atual trazem de volta dois elementos fundamentais para a causa socialista: a demonstração reiterada das contradições e limites da economia capitalista; e a atualidade e vigência das proposições teóricas centrais de Karl Marx e Vladimir Lênin.
É uma crise que não pode ser destacada do seu contexto global e histórico. O capitalismo contemporâneo, que entra nessa grande crise no século XXI, tem suas bases, trajetória recente e conflitos assentados no decurso do tempo, destacando-se três momentos cruciais, a saber: 1) o crescimento econômico do pós-Segunda Guerra Mundial; 2) a crise da década de 1970, inclusive o fim do Acordo de Bretton Woods; e 3) nas últimas décadas, o arranjo do neoliberalismo, da financeirização, concentração e centralização de capitais, no contexto da reestruturação econômica mundial, além da incorporação de novos espaços econômicos (ex-URSS e Leste Europeu).
A crise foi deflagrada em 2007, depois das dificuldades crescentes do setor imobiliário dos Estados Unidos, sobretudo pelo colapso da financeirização associada ao mercado de hipotecas subprime. Os problemas desdobraram-se, engolfando a economia real dos EUA, e espraiando-se de imediato para a Europa. Tal crise mudou de qualidade, assumindo dimensões globais e sistêmicas, a partir de setembro de 2008, com a quebra do tradicional banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers, com US$ 600 bilhões de ativos, colocando o sistema financeiro global à beira do abismo. Em 2010, uma nova fase dela foi aberta pelas dificuldades bancárias e, em seguida, por dificuldades fiscais, na Europa, terem desafiado o Euro e a própria União Europeia. Nos Estados Unidos, 468 bancos e instituições financeiras faliram, entre 2008 e o início de 2013 – com a falência de quatro dos cinco maiores bancos de investimento dos EUA. Com isso, acentuaram-se a concentração e a centralização do capital, especialmente nos EUA e na União Europeia.
– Os impasses da crise do capitalismo e o desenvolvimento desigual
A mundialização produtiva e a liberalização financeira e comercial facilitaram a rápida propagação da crise. O capitalismo é um sistema econômico mundial e, por isso, mesmo com seu epicentro nos Estados Unidos, e desdobrada para a Europa, ela também atingiu, de forma diferenciada, os países em desenvolvimento, inclusive as chamadas economias emergentes, entre as quais os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Apesar de atingidos pela crise, os chamados emergentes é que estão garantindo algum dinamismo à economia mundial. Esse é o fenômeno que mais evidencia o desenvolvimento desigual do capitalismo na atualidade. A queda das exportações, a contração do crédito e alguma forma de contágio das quebras financeiras – além das próprias repercussões das medidas econômicas adotadas pelos países de capitalismo mais avançado (a exemplo do chamado tsunami monetário, a massiva emissão de moeda, flexibilização quantitativa, do Fed, o Banco Central dos EUA) – são efeitos globais que afetam, em maior ou menor grau, o conjunto dos países.
A crise do capitalismo acelera tendências presentes na economia mundial. Assim, o Leste e o Sul da Ásia se consolidam como um novo polo dinâmico da economia mundial, integrado por sociedades de diferente caráter. Na década de 2000, a China socialista consolidou-se como o centro da crescente integração industrial da Ásia. As empresas asiáticas ganharam mais competitividade, em contraste com as crescentes dificuldades para a produção nos países capitalistas mais desenvolvidos. Incorporando imensas quantidades de valor, criadas por grandes e novas massas de força de trabalho nos países em desenvolvimento, sobretudo na Ásia, a produção e o comércio globais ampliaram-se, cada vez mais, desde os anos 1980.
A atual crise expõe as debilidades estruturais da economia dos Estados Unidos do ponto de vista quer da sua indústria manufatureira, quer de seu sistema bancário ou ainda do seu mercado financeiro – além das crescentes dificuldades na sua liderança política internacional, evidenciando a forma relativa, complexa e gradual do declínio histórico da superpotência imperialista. Os EUA deixaram de ser a locomotiva da expansão produtiva mundial, mantêm gigantescos déficits gêmeos – nas transações correntes externas, especialmente na balança comercial, e nas contas públicas –, resultando em imensa dívida externa e dependência das entradas estruturais massivas de capitais estrangeiros, o que revela o seu parasitismo. A sua dívida pública líquida saltou de 43% do PIB, em 2007, para quase 100%, no início de 2013. Nessa situação, o relançamento de seus investimentos para a sua meta de reindustrialização é um desafio muito difícil.
A despeito desse quadro geral, os Estados Unidos experimentaram, a partir de meados dos anos 1980 – não obstante a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1987 e das breves recessões de 1991-92 e de 2001 –, certo crescimento econômico e avanços na produtividade social do trabalho, com momentos de recuperação da lucratividade das corporações não-financeiras. Os EUA contam com importantes recursos como: 1) ainda possuem moeda-reserva internacional, o dólar, a despeito de seu enfraquecimento, inclusive pelo crescente endividamento externo – o que vem implicando uma gradual diversificação de acúmulo de divisas e novas relações monetárias alternativas interpaíses, em especial entre os Brics; 2) a praça financeira – Nova Iorque –, que centraliza metade dos negócios financeiros do mundo; 3) a força, ainda que relativamente declinante, em ciência e tecnologia; 4) e o maior sistema industrial-militar do mundo. Na crise, sobretudo nos seus momentos mais agudos, há uma fuga dos capitais no mundo para a suposta segurança do dólar e dos títulos do tesouro dos Estados Unidos, que pagam as suas dívidas com a sua moeda nacional, emitida de acordo com seus interesses e conveniências.
Os Estados Unidos ainda detêm quase ¼ do produto mundial, exercem forte papel como demandantes de mercadorias e serviços no mundo, e tomam iniciativas em vários campos. O governo Barack Obama vem enfatizando a necessidade de mais inovação tecnológica e de uma reindustrialização de seu país. E está em curso nos EUA uma tentativa de enfrentamento da vulnerabilidade energética com o petróleo e o gás extraídos de xisto, e outras novas tecnologias geradoras de energia.
Os EUA promoveram a desvalorização cambial, para tornar mais competitivas suas exportações e impulsionam novos acordos de livre comércio. A União Europeia e o Japão também apelam para as desvalorizações cambiais competitivas; e o imperialismo estadunidense aposta em novas iniciativas: a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, proposta de acordo comercial e de investimento com a União Europeia, e a Parceria Transpacífica. Nesta última tentativa, pretende-se agregar os países do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), EUA, Canadá e México, e as economias da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean). O Japão, em dificuldades econômicas desde os anos 1990, deve aderir; e alguns países latino-americanos também fazem parte da Parceria Transpacífica, entre eles o México.
Hoje, no mundo, destacam-se as relações econômicas entre os EUA e a China, cujo conteúdo é marcado por complementaridades e crescentes disputas. A dinâmica deste processo tem levado ao fortalecimento da China e ao declínio relativo dos EUA, e essa é a relação nodal para compreendermos a transição em curso no sistema de poder internacional. Essa dinâmica se acelera com a crise em curso, porque a China, além da sua solidez estrutural, pratica políticas macroeconômicas que protegem sua economia. Há mais de 30 anos, assiste-se a uma vertiginosa ascensão econômica da China, que se consolidou como a segunda maior economia do mundo.
– A expansão global do capital financeiro e da produção industrial
As condições da produção capitalista global são o leito subjacente das origens e causas primárias da débâcle econômica dos últimos seis anos. Marx lembrava que as crises, muitas vezes, aparecem ou começam como distúrbios monetários e financeiros. A atual crise, pela sua extensão e profundidade, possui determinantes persistentes há décadas, e problemas imediatos. Nos EUA registrou-se, nos anos 1970, uma conjuntura de queda da taxa de lucro, além da recessão de 1974-75, que se estendeu para a Europa Ocidental. Naquele decênio, intensificou-se o processo de deslocamento do capital produtivo norte-americano para os países em desenvolvimento. O avanço da industrialização nos países da chamada periferia expandiu as oportunidades de investimento, o acesso a recursos e a penetração em novos mercados para o capital produtivo dos países de capitalismo mais desenvolvido, sobretudo dos Estados Unidos.
Após a crise de 1981-83, esses capitais, sobretudo através dos principais grupos empresariais, impulsionaram a reestruturação produtiva no mundo, levando a uma nova divisão internacional do trabalho. A globalização neoliberal resultou em maior abertura e maior interpenetração entre as economias para os fluxos de investimento direto e mercadorias, com novas formas do desenvolvimento desigual do capitalismo. A Ásia, nas últimas décadas, elevou os níveis do crescimento econômico mundial, como se fosse uma compensação para o ritmo contido das economias dos países capitalistas mais desenvolvidos.
Agora, nesta crise, aumentou ainda mais a internacionalização dos investimentos produtivos sem direção aos países chamados emergentes, e a partir destes. Assim, do total de investimento estrangeiro direto (IED) no mundo, os Brics receberam 20% e exportaram 9% do total mundial, em 2012. Já no ano 2000 esses países tinham atraído 6% e investido 1% do IED no mundo, segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). E, dentre os Brics, a China foi o destino de 46% e o Brasil, de 25%, do IED, em 2012.
No caso dos EUA, conforme sua condição de potência imperialista, a exportação de capitais viabiliza a extração de valor de países em desenvolvimento, em um quadro de fluxos crescentes das rendas recebidas de seus investimentos diretos, originados das filiais de suas corporações no exterior. No ano em que foi deflagrada a crise (2007), os lucros recebidos do exterior pelos EUA alcançaram 45% dos lucros da indústria situada no próprio território estadunidense.
Na medida em que avançou, globalmente, a acumulação de capital – isto é, os investimentos sucessivos e ampliados na produção –, era de se prever e esperar, de acordo com a teoria marxista, a queda da lucratividade. Essa viragem negativa do desempenho econômico foi explicitada, na forma de crise, inicialmente localizada nas condições produtivas relativamente mais precárias nos Estados Unidos em 2007-2008. A trajetória de aumento da produção mundial, desde a década de 1980, e, sobretudo, a sua aceleração entre os anos 2003 e 2007, empurraram os preços das mercadorias para baixo cada vez mais, repercutindo, desigualmente, nos diversos países e setores, sobre a redução da massa e da taxa de lucro. Portanto, a queda na lucratividade, em 2007-2008, associou-se ao movimento anterior de aumento da capacidade produtiva no mundo.
– A hipertrofia da esfera financeira
O neoliberalismo foi, e continua sendo, uma importante política para desregular e favorecer os importantes fenômenos que transformaram a esfera financeira. Multiplicaram-se as novas formas e os montantes de capital fictício. Nas últimas décadas, os capitais crescentes, a partir dos lucros das grandes corporações de produção de bens e serviços, nos marcos da globalização neoliberal, contribuíram para ampliar decisivamente os fundos disponíveis para os mercados financeiros. Dessa base inicial de capitais, os bancos puderam multiplicar seus volumes de crédito, e massas cada vez maiores de dinheiro alimentaram a expansão, as transformações e a superespeculação nos mercados financeiros. Ampliaram-se as formas de acesso direto das corporações produtivas aos mercados financeiros, com a desintermediação bancária, tanto para aplicações, pelos seus departamentos financeiros ou mesmo bancos, quanto para endividamento, com debêntures, commercial papers etc. Os fundos de pensão, com dinheiro originado das rendas dos trabalhadores e das empresas na esfera produtiva, respaldaram o acelerado crescimento das finanças de mercado, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra. A centralização de capitais, necessária à concorrência e ao aumento dos investimentos produtivos, deflagrou ondas inéditas de fusões e aquisições de empresas, gerando gigantesca valorização nas bolsas de valores.
O crescimento exponencial do estoque de ativos financeiros, em comparação com os patamares inferiores do produto mundial, consistiu na própria natureza das muitas vidas assumidas pelo mesmo capital fictício, como explicava Marx. Dívidas públicas, ações, títulos de renda fixa, futuros de commodities, seguros e derivativos foram superpostos, em camadas sucessivas, crescentes, como se fossem uma pirâmide invertida em que o ápice, estreito, assentou-se sobre a produção, na criação de valor e mais-valia pelo trabalho. Duplicou-se, triplicou-se, centuplicou-se a cifra dos mercados financeiros. Papéis geravam papéis. Dívidas engendravam dívidas. Os bancos nos Estados Unidos constituíram carteiras de ativos que superavam em 30 vezes os seus capitais próprios, criando os chamados veículos estruturados de investimento, que eram contabilizados fora dos seus balanços, como bancos sombra (shadow banking). A palavra de ordem era originar e distribuir. Originar negócios financeiros, embolsar as comissões e taxas, e passar para frente o risco; e distribuir os valores mobiliários para outras instituições: bancos, bancos de investimento, fundos de pensão, fundos de investimento mútuo, seguradoras e as próprias corporações produtivas.
Os grandes bancos e conglomerados financeiros, nos países capitalistas mais desenvolvidos, sobretudo nos EUA, transformaram-se em megacorporações, reforçando ainda mais a ideia de que eram instituições grandes demais para falir, porque haveria o risco, em caso de quebra, de instalar-se a chamada crise sistêmica financeira. Contudo, eram megacorporações, também, para atuar como propulsores de bolhas de crédito e da superespeculação.
– A sobreacumulação de capital na presente crise
O imperialismo, a partir do século XX, evidenciou o poder da oligarquia financeira, que comanda os grupos empresariais e conglomerados, dominando assim de forma oligopolista a estrutura produtiva e a esfera das finanças. Ela mantém e amplia a sua influência decisiva sobre as políticas econômicas dos Estados, como ficou demonstrado no recente período neoliberal dos anos 1990 e nas operações de resgate das grandes corporações financeiras no contexto da atual crise, nos Estados Unidos e na Europa. A financeirização – expressão dos mecanismos de operação e de hipertrofia do capital fictício nas últimas décadas – é um elemento detonador da presente crise e um dos componentes principais de sua dinâmica. A especulação financeira aumentou seu peso no capitalismo moderno, embora não esteja apartada da produção, como há muito esclareceram Marx, Lênin e Hilferding. A teoria do valor-trabalho continua válida para se compreender que o capital é produzido pela mais-valia usurpada dos trabalhadores.
É claro que há episódios de crises tipicamente monetárias, financeiras, especulativas, parciais, antes mesmo da revolução industrial e da grande produção capitalista. Assim, além de destacar a importância da finança no capitalismo contemporâneo e seu papel na atual crise, é preciso mirar as leis de movimento do modo de produção capitalista. Na verdade, apesar dos conflitos, não há uma separação entre a finança e a chamada economia real. A reprodução do capital depende, globalmente, da manutenção e simultaneidade dos circuitos do capital-dinheiro, do capital-produtivo e do capital-comercial.
As mudanças no processo produtivo e no mercado de trabalho, com a globalização neoliberal, surtiram seus efeitos sobre a lucratividade das grandes corporações de produção de bens e serviços, nas últimas décadas antes da crise. Nesse sentido, as mudanças no processo de trabalho, nesse período, reforçaram algumas das contratendências à queda da taxa de lucros, conforme a elaboração de Marx: o aumento da taxa de exploração do trabalho; a diminuição do salário para um patamar inferior ao valor da força de trabalho; a superpopulação relativa; e o barateamento dos preços do capital constante; entre outras. Um exemplo do ataque ao trabalho é dado pela tragédia recente em Bangladesh, com a morte de mais de 1.100 operários, pelo desabamento de um prédio em que funcionavam fábricas têxteis. Esses operários, com salários miseráveis, vitimados pela ganância capitalista, produziam roupas para grifes e lojas da Europa e dos EUA.
Na verdade, como é típico das grandes crises do modo de produção capitalista, o mundo desde 2007-2008 defronta-se com um episódio de sobreacumulação em mercadorias e capitais. Nessas circunstâncias, o capital fictício, especificamente, mostrou-se determinante na configuração da presente crise.
b- Tragédia social e brutal exploração dos trabalhadores
A marca de classe da atual crise é a brutal exploração capitalista sobre o trabalho. A oligarquia financeira e os governos, que a ela servem no mundo, buscam repassar todas as suas consequências para os trabalhadores. A grande crise, longe de amainar, espraiou-se especialmente nos países chamados centrais, numa enorme devastação social, atingindo duramente as condições de vida dos povos desses países e destruindo forças produtivas.
Na maioria dos países há uma violenta regressão social e perda de conquistas civilizacionais, em vários aspectos. Junto à queda do produto (PIB) e dos preços (deflação) e à estagnação em vários países, a explosiva elevação do desemprego tornou-se um drama social sem qualquer solução no horizonte. O próprio Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Tendências Mundiais do Emprego 2013, registra ter havido o acréscimo de 5,1 milhões de trabalhadores desempregados em 2013. Assim, ultrapassou-se o número de 202 milhões de desempregados neste ano. Na estimativa desse órgão da ONU, em 2014 haverá a adição de, pelo menos, três milhões de desempregados, enquanto cerca de 40 milhões de trabalhadores já desistiram de buscar um emprego, entre 2007 e 2012, e são desempregados por “desalento”.
Como é forçado a constatar o Relatório da OIT, o fenômeno da diminuição drástica da força de trabalho nas economias capitalistas mais desenvolvidas “encobre o verdadeiro alcance da crise do emprego”. Para a OIT, o desemprego atinge fortemente a juventude, calculando-se que 74 milhões de jovens estão parados. E isso deve crescer sistematicamente pelo menos até 2017. Conforme o Relatório, mesmo que a economia capitalista mundial recupere o crescimento, a retomada “não será suficientemente forte para reduzir o desemprego com rapidez”. Em março último, o Escritório de Estatísticas (Eurostat) da União Europeia revelou que há mais de 50% de jovens (menos de 25 anos) desempregados – um número alarmante e com tendência à elevação.
Dentre as tragédias sociais, aumentam os casos de suicídios, relacionados ao aumento do desemprego e ao agravamento da situação social dos trabalhadores. Em sua evolução, além do desemprego massivo, a crise e as políticas adotadas como “resposta” a ela, vêm produzindo mais exploração capitalista, com cortes de salários e de aposentadorias, redução de gastos públicos e sociais, além de privatizações. O número de casos de violência, homicídios, depressão, abuso de drogas e prostituição elevou-se gravemente nos países europeus mais atingidos pela crise. Cresce por toda parte do mundo o narcotráfico, um negócio capitalista de alta lucratividade e um perigoso fenômeno de terríveis consequências sociais.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que a renda média dos 10% mais ricos, dentre os 34 países participantes da entidade, era nove vezes maior que a dos 10% mais pobres, em 2008; e nos anos 1980, essa diferença seria cinco vezes maior. Constrói-se, assim, a ampliação das desigualdades sociais, com novo alastramento da pobreza nos países mais afetados pela crise. E o pano de fundo dessa perversa orientação se disfarça nas políticas de “austeridade”. Essa decomposição da capacidade dos Estados de manterem o gasto público e social, nos últimos anos, decorre do novo endividamento, perpetrado com o claro objetivo de salvar do naufrágio o reinado da grande finança.
c- O fim da crise não está à vista
Toda a furiosa campanha neoliberal contra a intervenção do Estado na economia – um fetiche da propaganda burguesa – foi muito efetiva para a liberalização financeira, a abertura comercial, as privatizações das estratégicas empresas estatais e para o ataque ao trabalho (“flexibilização trabalhista”). Entretanto, a mistificação da separação entre economia e política e o fanatismo da autorregulação e eficiência do mercado foram desmoralizados pelos fatos, com o advento da grande crise de 2007-2008. Para salvar o capitalismo, o Estado teve de intervir, em grau sem precedente, com pacotes de resgate para bancos e instituições financeiras, à custa de um enorme endividamento público. Somente o Fed mobilizou cerca de US$ 29 trilhões para salvar instituições financeiras.
Em 2008-2009, os governos recorreram a políticas monetárias e fiscais, com corte de taxa de juros, injeção de liquidez na economia e gastos públicos. As despesas com os estímulos fiscais e o salvamento de bancos e empresas aumentaram as dificuldades nas contas públicas. Os problemas dos balanços dos bancos privados foram transferidos para a área fiscal, pública, sobretudo a partir de 2010. A própria recessão levou à contração da arrecadação tributária. O novo ingrediente da crise fiscal atingiu fortemente os Estados Unidos e a Europa, com impactos mais destrutivos sobre alguns elos mais frágeis da União Europeia.
Todavia, as políticas de austeridade fiscal na Europa, sob a liderança do governo direitista da Alemanha, foram radicalizadas, desde 2010, aprofundando a crise e piorando o flagelo do desemprego e a queda da renda dos trabalhadores. Com isso, retomou-se a desgastada, mas viva, retórica neoliberal em relação ao Estado e ao trabalho. E argumenta-se cinicamente com todo tipo de calúnias e mentiras para se destruir direitos, conquistas e políticas sociais favoráveis aos trabalhadores.
A gravidade da crise mundial sugere que a economia mundial pode ter ingressado em um ciclo de prostração de longa duração, à semelhança do que ocorreu no Japão a partir do início da década de 1990. Há estimativas de que só em 2018, os EUA conseguirão retornar a seus níveis de desemprego de antes da crise. Segundo o Banco Central da Alemanha, não haverá recuperação econômica na Europa antes de 2023. Os bancos centrais da Europa e do Japão implementam políticas agressivas de expansão monetária; e o Fed dos EUA, preocupado com a defesa do dólar e do sistema financeiro estadunidense, proclama, em meados de 2013, a possibilidade de suspender a política de “flexibilidade quantitativa”, de maior emissão de moeda para compensar as restrições de gastos decorrentes do chamado abismo fiscal do país. Em geral, contudo, as políticas adotadas não conseguiram interromper o curso da crise.
As principais crises do capitalismo em 1873, 1929 e, de certa forma, 1974, foram longas e resultaram em profundas alterações nas estruturas produtiva, tecnológica, financeira e no padrão de concorrência, além dos impactos geopolíticos. Pela sua vastidão e prolongamento, a atual crise não é apenas um colapso normal, passageiro. A atual crise não pode deixar de expressar as contradições estruturais entre a produção social e a apropriação privada; e entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. Ela demonstra que o parasitismo e o desenvolvimento desigual são traços fundamentais do imperialismo. E, por causa da própria crise, acirram-se o protecionismo, as guerras comerciais e a concorrência entre os capitais, com seus efeitos sobre as formas de inserção e participação das distintas economias nacionais na produção e comércio globais.
d- As forças neoliberais atacam a democracia
A crise atual mostra a falência do neoliberalismo, pois este só faz aprofundar a crise social. Mas, paradoxalmente, os Estados imperialistas, sob a tutela do grande capital monopolista, não abrem mão da orientação política neoliberal e, para garanti-la, violam a soberania nacional e asfixiam a democracia em muitos países, impondo governos “tecnocratas” de sua confiança. A grande mídia, sob domínio da oligarquia financeira, restringe a liberdade de expressão e impõe seus dogmas às sociedades. Os parlamentos, por sua vez, como é bem visível na Europa, se tornam palcos de legitimação dos “pacotes de austeridade”, enviados por governos de diferentes forças políticas que se revezam, mas mantêm a mesma política neoliberal.
A luta dos trabalhadores contra os cortes nos direitos sociais tem levado a um crescente autoritarismo dos governos que adotam as políticas neoliberais de “austeridade”, com a escalada de medidas repressivas. Visando a fragilizar a resistência dos trabalhadores e dos povos, as forças políticas e midiáticas neoliberais propalam que os partidos políticos e as tradicionais organizações sindicais e populares estão superados. Fazem a apologia das novas “redes sociais” da internet, e uma campanha aberta contra a política e os partidos políticos, procurando identificar a todos como corruptos, numa jornada autoritária para desmoralizar a própria democracia.
Aos trabalhadores e aos combatentes progressistas, impõe-se perseverar na resistência aos efeitos da crise e acumular forças nas lutas do presente para as batalhas decisivas no futuro, a fim de conquistarem o poder político necessário para superar o capitalismo e transitar ao socialismo.
II – Balanço e tendências da situação internacional: mundo em transição e mudanças geopolíticas no contexto de uma grande crise do capitalismo; da ofensiva imperialista e a resistência dos povos e nações; do avanço progressista e a integração da América Latina e Caribe; e da nova luta pelo socialismo no mundo
a- A crise acelera a transição no sistema de poder mundial
O projeto político do PCdoB situa-se em um contexto latino-americano e mundial, e é referenciado na situação internacional que, por sua vez, é fortemente condicionada pelo quadro de crise sistêmica, estrutural, crônica e multidimensional do capitalismo. Foi acertada a posição do PCdoB no seu 12º Congresso de que – no quadro de uma crise que se estende há muitos anos e se agrava, acentuando os traços de decadência histórica do capitalismo e de declínio relativo do poderio imperialista estadunidense – abre-se uma época de crise da própria civilização burguesa. O capitalismo não é capaz de assegurar, para os povos, desenvolvimento econômico, progresso social, democracia, soberania nacional, paz e sustentabilidade ambiental. Diante da crise atual, a alternativa socialista nunca foi tão necessária. No entanto, as forças do socialismo ainda vivem uma situação de defensiva estratégica, e empreendem o esforço de uma nova luta pelo socialismo.
A crise acelera a transição, caracterizada por alterações nas relações de poder no mundo tão rápidas quanto importantes. Há uma nova relação de forças em formação, e o mundo está passando por importantes transformações geopolíticas. A ascensão política e econômica da China, e sua contraparte, o declínio histórico dos EUA, são a principal marca da transição em curso. Manifesta-se também a tendência à multipolaridade, o que pressupõe a manifestação de novas contradições, o agravamento de conflitos e a intensificação da resistência e da luta dos povos. Com a tendência à multipolaridade, ao mesmo tempo, surgem novos polos geopolíticos – como reflexo da emergência de novos blocos econômicos –, e ampliam-se os espaços para projetos nacionais contra-hegemônicos. Para conter essa tendência objetiva a uma nova correlação de forças no mundo, amplia-se a ofensiva imperialista e neocolonialista em todos os planos, inclusive o militar. E, por isso, a situação internacional é marcada por crescente instabilidade e incertezas.
Segundo o Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos da América, os EUA vão continuar com sua hegemonia em declínio e, em 2030, a economia da Ásia deverá ser maior que a deles e a da União Europeia somadas. Além de atingir os EUA, a crise também golpeia fortemente os países europeus, e também acelera seu declínio relativo, revolve seu espectro político e abala o projeto de “integração” da União Europeia. E neste quadro se ressalta o caráter imperialista da Alemanha.
Os EUA e a China polarizam a situação mundial, marcada pelo declínio relativo estadunidense e pela rápida ascensão chinesa. A China, nos últimos 10 anos, superou Reino Unido, França, Alemanha e Japão, para tornar-se a 2ª economia do mundo, apenas atrás dos Estados Unidos. Além disso, tornou-se uma potência financeira e, em 2016, segundo previsão do FMI, a China será a primeira economia do mundo. Este fenômeno merece um destaque tanto por sua dimensão geopolítica, quanto pelo fato de que se realiza sob a bandeira do socialismo. Por isso, pode estar começando a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação da Europa Ocidental e dos EUA.
Nos EUA, desde a primeira eleição do presidente Barack Obama, em 2008, e subsequentemente em seu segundo mandato, os ideólogos neoliberais e conservadores fabricaram ilusões sobre a democratização das relações internacionais, a vigência dos direitos humanos e a paz. Mas em essência a administração de Obama seguiu e segue os caminhos do seu antecessor, George W. Bush, principalmente na política externa e de “defesa”. É que do ponto de vista dos interesses estratégicos, ambos defendem a supremacia política e militar estadunidense no mundo. Os EUA são hoje um país dividido entre a política de Obama, de um lado, e a dos republicanos e de uma nova ultradireita, de outro. E tanto uma como outra facção do espectro político estadunidense empenham-se alternadamente na defesa dos interesses imperialistas desta superpotência.
Diante do crescimento das tendências à escassez de matérias-primas e ativos estratégicos como energia, alimentos e recursos naturais, está em curso um novo impulso neocolonialista, que visa ao saque das riquezas naturais e à ocupação de territórios. Os países imperialistas e seus grandes monopólios capitalistas intentam implantar uma ordem mundial a seu serviço, buscando “regular” as relações internacionais de acordo com os seus interesses; restringir o desenvolvimento autônomo, a difusão do conhecimento e a autonomia científica e tecnológica dos demais países; uniformizar os regimes políticos; e padronizar os comportamentos, a vida cultural e ideológica.
A ofensiva no campo ideológico-cultural visa a concentrar poder na máquina midiática e de propaganda imperialista no mundo. Com desinformação e utilização seletiva de informações, os EUA “justificam” a violação da soberania de países e buscam “legitimar” as guerras, “demonizando” líderes políticos e regimes que mais resistem aos seus interesses. Além disso, criaram um programa de espionagem na internet, o Prism, que se apodera de forma criminosa das informações contidas em qualquer correspondência ou telefonema, utilizando os servidores centrais das maiores companhias, todas estadunidenses, violando a soberania dos países e os direitos civis de milhões de pessoas de todo o mundo.
Historicamente, uma das maneiras de destruir forças produtivas para tentar superar as graves crises do capitalismo é a guerra imperialista. E outra forma de enfrentá-las, do ponto de vista do capital, é o fomento do complexo industrial-militar. A militarização é um dos principais traços da situação internacional. Mesmo com o agravamento da crise, e inclusive como resposta às consequências políticas advindas disso, os EUA e seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), nos últimos anos, aumentaram o número dos seus membros, ampliaram a sua área de operações e suas bases militares, promoveram uma corrida armamentista, aumentaram as suas despesas militares, e investiram na criação e desenvolvimento tecnológico da guerra e da espionagem cibernética e de novas armas robotizadas, como os aviões não-tripulados.
A Otan consolidou uma nova doutrina para efetuar intervenções armadas em todo o mundo.
Conceitos como “soberania limitada” e “ataque preventivo”, e pretextos como o combate ao terrorismo, a “responsabilidade de proteger” os direitos humanos, ou o estabelecimento da democracia, têm sido utilizados para legitimar as operações de guerra dos EUA e da Otan. Esta política é a principal ameaça à paz e é o principal fator da instabilidade, dos desequilíbrios e das crises políticas, diplomáticas e militares no mundo.
Recentemente, a Otan protagonizou a guerra contra a Líbia e tem-se tornado um instrumento para derrubar governos no Oriente Médio e no Norte da África. A Líbia é hoje um país destruído e dividido, ingovernável, no qual transnacionais francesas e inglesas passaram a dominar setores econômicos como o petróleo. A atual intervenção militar da França no Mali conta com a participação e aprovação de vários outros países membros da Otan. Para dar consecução a seus planos intervencionistas e de militarização, o imperialismo fomentou também a criação do Comando Africano (Africom). Quanto à América Latina, a superpotência pretende exercer o seu poderio bélico através de bases militares e da 4ª Frota.
Os EUA, numa tentativa de estancar o declínio de sua hegemonia – com sua política imperialista que mescla a ação militar à diplomacia –, abusando da retórica, adotaram uma nova doutrina estratégica e de defesa, com foco na região da Ásia-Pacífico e na contenção da China, promovendo um reajuste geral na distribuição e no posicionamento de suas forças militares e da Otan. Há uma alteração do papel dos EUA nas guerras imperialistas, em relação a seus aliados da Otan, que passam a ter um papel maior nas operações militares regionais. Agravam-se as contradições interimperialistas, em função da crise do capitalismo, na forma de disputas comerciais, cambiais, por áreas de influência e por fontes de recursos naturais, minerais e energéticos. Essas contradições não têm derivado em confrontações militares gerais e abertas entre as potências imperialistas, que alternam entre si importante colaboração, como na Otan, e também rivalidade.
A aceleração da transição nas relações de poder é marca destacada na evolução da situação internacional recente. Os contornos dessa transição ainda não estão definidos, entretanto ganha ritmo o declínio relativo e progressivo da hegemonia estadunidense, em relação à rápida ascensão da China e ao desenvolvimento econômico e protagonismo político crescente dos Brics. Não obstante, os EUA ainda detêm a maior força econômica e militar, assim como a maior influência política; por isso a transição tende a ser conflituosa. Na base econômica dessa transição e das mudanças geopolíticas em curso está o desenvolvimento desigual do capitalismo, aspecto basilar da teoria leninista do imperialismo, que não apenas a confirma, como a torna dramaticamente atual no quadro internacional.
A corrente crise capitalista não tem impactos homogêneos entre países e regiões do mundo. Uma importante novidade decorrente desta crise do capitalismo é o fato de que nos Brics, em muitos países da América Latina e nos países em transição ao socialismo, o impacto da crise é muito menor que nos EUA, na União Europeia e no Japão. Nesses países em desenvolvimento, em especial China e Índia, a ênfase na proteção da economia nacional e na valorização do mercado interno, e em diferentes formas de planejamento estatal, propriedade social, e de capitalismo de Estado, criou defesas nacionais que minimizaram os efeitos da crise. Esse é um dado relevante, uma tendência de ruptura com o neoliberalismo e a dominância do capital financeiro dos países imperialistas.
Dentro dessa mesma configuração de contradições geopolíticas e econômico-financeiras, e do surgimento de disputas pela desconcentração do poder mundial, pode ser apontada a constituição de outras alianças e blocos, compostos pelos Brics ou por parte deles, como: 1) a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), que reúne a China, a Rússia e países vizinhos como Cazaquistão e Uzbequistão; 2) o fórum de diálogo formado por Índia, Brasil e África do Sul (Ibas), os processos de integração da América Latina e Caribe; 3) o G-77 e o G-20 (comercial), que realizaram a façanha inédita de eleger um diplomata brasileiro para comandar a Organização Mundial do Comércio (OMC), fazendo a disputa política no interior de um dos pilares da ordem internacional assimétrica, e de outro para a FAO; 4) a luta pela reforma e ampliação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas; e 5) as alianças contra-hegemônicas para lidar com as contradições econômicas e geopolíticas, no âmbito do G-20 (econômico-financeiro), que reúne as maiores economias do mundo.
O fórum Brics fortaleceu este traço da situação internacional, destacando-se a decisão de criação do banco de desenvolvimento do grupo, para financiar investimentos e apoiar a economia de seus países, e de outros países em desenvolvimento. E também de grande alcance foi a criação do fundo de reservas de divisas do grupo. Trata-se de um golpe significativo contra a hegemonia financeira, que sustenta os interesses imperialistas dos EUA, do Reino Unido e de outras nações europeias que dominam a economia mundial e instrumentalizam o FMI e o Banco Mundial.
Hoje, os Brics acumulam mais da metade das reservas de divisas no planeta. Além disso, estas cinco nações são responsáveis por mais de 21% do PIB global, fatia que pode dobrar em uma década. Têm, juntos, quase metade da população mundial (42%) e da força de trabalho do planeta (45%). Os acordos econômicos concertados pelos Brics visam a um reordenamento econômico e financeiro global, à construção de agendas próprias de desenvolvimento, fomentando o crescimento, à cooperação e ao comércio fora – e contra – dos ditames do imperialismo, criando condições para substituir o dólar pelas moedas nacionais dos Brics, e mobilizando recursos para financiar projetos de infraestrutura e o desenvolvimento sustentável.
b- A jornada dos povos pela emancipação nacional e social, a solidariedade internacional e a luta pela paz no mundo
A luta anti-imperialista contemporânea se desenvolve tendo por base a luta dos trabalhadores e dos povos, e também por meio da luta dos países em maior ou menor contradição com as potências imperialistas, pela independência nacional e pelo desenvolvimento econômico e social. Os países em desenvolvimento que lutam por soberania nacional e se fortalecem pelo desenvolvimento desigual do capitalismo têm contradições objetivas com os países imperialistas, portanto têm um papel contra-hegemônico que auxilia e cria melhores condições internacionais para a luta dos povos pela sua libertação nacional e social, e cria melhores condições para a luta pelo socialismo.
Tal como indica o Programa do PCdoB, no polo antagônico à ofensiva do imperialismo cresce a luta dos povos e dos trabalhadores, acumulam-se fatores de mudanças progressistas e revolucionárias, embora no âmbito de uma correlação de forças no plano mundial ainda haja uma defensiva estratégica das forças revolucionárias e progressistas, e uma hegemonia do campo contrarrevolucionário.
O corrente processo histórico engendra avanços no desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos em defesa dos seus direitos, da democracia, do progresso social, da soberania nacional, da paz e do socialismo. No entanto, as mudanças e as conquistas não virão espontaneamente, elas serão fruto da resistência e da mobilização política e social, da luta em múltiplos cenários e vertentes. Tais lutas já estão em curso, protagonizadas por países em transição ao socialismo, por governos patrióticos e progressistas, por partidos comunistas, revolucionários, de esquerda e anti-imperialistas, por movimentos de libertação nacional e por movimentos sociais. Nelas, se destaca o insubstituível papel das classes trabalhadoras. Há ainda ações importantes dos movimentos estudantil e juvenil, de mulheres e da intelectualidade progressista; de movimentos indígenas, de combate ao racismo, de defesa da livre orientação sexual (LGBT), e de luta pelas liberdades civis, entre outros. São lutas as mais diversas, como greves, protestos e manifestações, rebeliões de massas populares, movimentos de resistência às guerras imperialistas de agressão e ocupação de países, e lutas de libertação nacional.
No curso do desenvolvimento dessas lutas, emerge e se fortalece a solidariedade internacional. O internacionalismo e a solidariedade entre os povos estão intrinsecamente ligados ao patriotismo. E hoje o conteúdo fundamental que define a ação internacionalista é o anti-imperialismo. As lutas dos povos articulam-se internacionalmente em encontros, assembleias e alianças unitárias de movimentos sociais e em espaços como o Fórum Social Mundial. Dentre outras organizações internacionais, destacam-se o Conselho Mundial da Paz (CMP), a Federação Sindical Mundial (FSM), a Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Olcae), a Federação Mundial das Juventudes Democráticas (FMJD) e a Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM), e as organizações nacionais filiadas a elas, que têm cumprido papel importante à frente das lutas populares.
Os países de regime socialista – na Ásia, China, Vietnã, Laos e Coreia Popular e, na América Latina e Caribe, Cuba – têm tido um papel de destaque nessa luta. O seu fortalecimento como nações soberanas, os esforços que fazem os seus povos, sob a direção dos partidos comunistas dirigentes do Estado, para viabilizar as estratégias nacionais de desenvolvimento e a transição ao socialismo, as ações de cooperação internacional e em prol da paz têm o apoio e a solidariedade do PCdoB.
– A ofensiva imperialista e a resistência dos povos e nações
As intervenções e agressões desferidas nos últimos anos, e atualmente contra os povos de Iraque, Afeganistão, Palestina, Líbano, Líbia, Mali e Síria, entre outros – conduzidas e realizadas pelas potências imperialistas da Otan e seus aliados, liderados pelos EUA –, e as ameaças e os bloqueios que enfrentam os povos de Irã, Coreia Popular, Cuba e Venezuela, entre outros, são inadmissíveis violações da soberania nacional desses povos. Por maior e mais brutal que seja a ofensiva do imperialismo, os povos abrem caminho e acumulam forças na perspectiva da libertação nacional e social.
Na América Latina e Caribe destaca-se a luta do povo cubano que, sob a direção do Partido Comunista, luta pelo fim do bloqueio imperialista comandado pelos Estados Unidos há mais de 50 anos. Em solidariedade, o PCdoB manifesta-se pelo levantamento do bloqueio, pela inserção cada vez maior de Cuba no sistema latino-americano e caribenho, e pela libertação dos seus cinco heróis presos nos cárceres dos Estados Unidos.
Na região do Oriente Médio o sentido principal da ofensiva imperialista é dar concretude e continuidade ao plano de reestruturação do Oriente Médio, para viabilizar o aumento da presença e do domínio sobre a região. Em vários países árabes, como no Egito e na Tunísia, ocorreram revoltas legítimas que foram contidas momentaneamente em seu potencial revolucionário e reorientadas pela ação do imperialismo e da direita em cada país, que promoveram a ascensão do fundamentalismo islâmico.
Na Síria trava-se uma batalha decisiva. Ela está sofrendo uma agressão militar multinacional patrocinada pelos países da Otan, inclusive a Turquia e seus aliados Arábia Saudita e Catar. A agressão imperialista está destruindo e quer dividir o país, açular conflitos étnicos e religiosos, sectários. Entretanto, a situação e a oposição patriótica participam de governo de unidade nacional, e há apoio popular às forças armadas na resistência. Desde o fim da URSS não há uma oposição tão importante às investidas de guerra imperialista como no caso atual da Síria. A atitude divisora de águas de países como Rússia e China é emblemática pelas novas alianças e os novos posicionamentos que gerou. O ataque militar direto dos EUA à Síria, provisoriamente contido, foi um dos momentos mais dramáticos vividos pela humanidade nos últimos anos. Essa agressão, ainda iminente, tem potencial para deflagrar um conflito internacional pelo engajamento da Rússia em defesa da Síria, onde se localiza seu único porto militar fora do território russo, e posição estratégica para a distribuição de gás e petróleo do Oriente Médio. Pode acontecer uma derrota marcante do imperialismo se o povo sírio conseguir um acordo de paz, o diálogo nacional e o avanço das reformas que já começaram. O PCdoB é solidário com o povo da Síria, cujo destino deve ser definido unicamente por ele próprio, e por suas instituições soberanas.
O povo palestino luta contra a política genocida e opressora do Estado de Israel, que usurpa suas terras e o submete a uma cruel forma de neocolonialismo. A decisão da ONU de reconhecer o Estado da Palestina como observador é um alento para a luta do povo palestino, que recebe a solidariedade dos povos de todo o mundo em sua saga libertadora. O PCdoB defende essa justa e heroica luta dos palestinos por seu Estado independente e soberano, nas fronteiras anteriores à guerra de 1967, com capital em Jerusalém Leste e o retorno dos refugiados, conforme decisão da ONU.
Na África, as tropas de países da Otan atacaram e ocuparam a Líbia e intervieram no Mali. Outros países do continente africano, como Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Sudão e Somália, sofreram e ainda sofrem interferência estrangeira. O PCdoB se irmana com os povos da África em defesa dos seus direitos e da sua soberania, apoia a luta do povo saharaui por sua independência nacional e o direito a seu território integral no Saara Ocidental – país ocupado por Marrocos –, e soma-se à luta pela descolonização completa do mundo.
Na Ásia há tensões importantes no Mar da China, no qual aumenta a presença da marinha estadunidense em meio a sérios dissensos entre países como Japão e China, que disputam a soberania de ilhas com valiosas reservas de petróleo e gás em sua zona econômica marítima exclusiva. Na Ásia Central, os EUA prosseguem com a ocupação do Afeganistão e com os bombardeios sistemáticos e criminosos na fronteira deste país com o Paquistão.
Graves acontecimentos têm lugar na Península Coreana. O imperialismo usa o território da vizinha Coreia do Sul como base militar, onde acantona dezenas de milhares de soldados, armamento convencional e nuclear. O estado de guerra na Península Coreana é permanente, tendo em vista as frequentes manobras militares conjuntas das forças armadas estadunidenses e sul-coreanas, e as pressões e sanções contra a República Popular Democrática da Coreia. O PCdoB é solidário com a causa da Coreia Popular por sua soberania nacional e pela reunificação pacífica da nação coreana.
O Irã, assim como o Brasil, tem o direito de desenvolver o seu programa nuclear para fins pacíficos. Por isso, a diplomacia brasileira promoveu o Acordo de Teerã, que foi combatido pelos EUA. O PCdoB manifesta solidariedade ao Irã e seu povo, sob injustas sanções impulsionadas pelo imperialismo estadunidense.
Nos Estados Unidos e na Europa crescem a indignação e a revolta popular. A crise do capitalismo atira contingentes imensos de pessoas à amargura do desemprego, à fome e à pobreza e mesmo miséria. Os trabalhadores têm realizado heroicas jornadas de luta em defesa de seus salários, de seus empregos e de seus direitos.
Na Europa, a rejeição popular às políticas de “austeridade” da “Troika” (Comissão Europeia – liderada por uma aliança entre a Alemanha e a França –, Banco Central Europeu e FMI) e às alterações na relação entre capital e trabalho, através do aprofundamento da espoliação e exploração das massas trabalhadoras, tem levado os trabalhadores europeus às ruas, em fortes protestos e massivas greves gerais, além de levá-los a movimentos espontâneos de massa. Uma das maiores respostas operárias até agora foi o movimento grevista de novembro de 2011, uma greve geral europeia, quando grandes manifestações ocorreram na França, na Espanha, em Portugal, Itália, França, Grécia, Suécia, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Reino Unido, Polônia, Hungria, Suíça, Eslovênia, Luxemburgo, Lituânia e Malta.
Simbolizando a grande resistência dos trabalhadores e o acirramento da luta de classes provocado pela crise, em abril de 2013 a Grécia foi tomada pela 19ª greve geral em quatro anos. Em Portugal, quase uma dezena de greves gerais e grandes mobilizações populares em todo o país têm sido a marca da resposta ao “pacto de agressão”, comandado pelo grande capital financeiro internacional e seus operadores, a “Troika”.
Há um crescimento das forças de ultradireita na Europa, e uma desmoralização da social-democracia que se rendeu às políticas neoliberais, como nos casos de Portugal, Espanha e França. Diante da ofensiva político-ideológica do capital financeiro, crescem também a frustração e o desencanto com a política e os partidos em geral, a exemplo da Itália. Mesmo com as dificuldades para as forças comunistas, revolucionárias e de esquerda serem reconhecidas como alternativa, neste momento, pela maioria do povo, essas forças têm desempenhado um papel decisivo nas lutas populares.
Em vários países do mundo as lutas populares pela laicidade do Estado se confrontam com a instrumentalização e a arregimentação, por parte do grande capital, do fundamentalismo, que vem pressionando governos para que cerceiem direitos e criminalizem pessoas por características inatas ou de comportamento, como cor da pele, orientação sexual ou religiosa.
Variadas formas de luta e movimentos de resistência, mais organizados ou de caráter mais espontâneo, surgiram nos cinco continentes, reunindo centenas de milhares de populares – em especial a juventude que utiliza as redes sociais –, combinando passeatas e ocupações de espaços públicos por longos períodos. Essas iniciativas configuraram amplas formas de denúncia contra a oligarquia financeira e o capitalismo, e de luta por melhores condições de vida e por liberdades democráticas. Esses movimentos, embora com traços em comum, tiveram orientações, feições e resultados distintos em cada país. Em alguns casos, a falta de direção política consequente reduziu o impacto transformador desses movimentos, e em outros eles foram capitalizados por setores conservadores e de direita. E ainda em outros, houve vitórias parciais ou até avanços mais importantes.
c- O novo ciclo político, com desenvolvimento soberano e integração, na América Latina
Fruto do fracasso das políticas neoliberais, da crise econômica e social agravada por essas políticas pró-imperialistas e antidemocráticas, e do acúmulo de forças nas lutas de massa e nas lutas eleitorais, variadas forças políticas de esquerda chegaram aos governos nacionais na América Latina e Caribe. Em 2013 completam-se 15 anos do início desse ciclo político inédito de governos patrióticos, progressistas e anti-imperialistas na América Latina e Caribe considerando, como início de tal processo, a eleição de Hugo Chávez na Venezuela em 1998.
Já em 2003, há dez anos, iniciaram-se os governos de Lula e Nestor Kirchner, no Brasil e na Argentina, ocorrendo a partir daí uma série de vitórias em numerosos países, como Uruguai, Bolívia, Equador, Nicarágua e El Salvador. Este período é politicamente a principal experiência histórica da esquerda latino-americana em sua longa luta, que permanece, pelo poder político; e é necessário garantir a sua continuidade, renovando objetivos e desafios.
As forças de esquerda latino-americanas são diversas, e seus caminhos e objetivos atendem a singularidades bastante marcadas, respondem a experiências históricas e formações econômicas e sociais singulares. Mas, para além destas singularidades e das distintas correlações de forças em cada país, há um curso geral comum nessas experiências.
Nos países com governos progressistas identificam-se a decisão de promover a integração solidária do continente e a busca por recuperar a soberania nacional, inclusive com a retomada do controle, pelo Estado, dos recursos naturais e mesmo setores privatizados no período anterior; busca-se maior autonomia em política econômica e fomenta-se a industrialização e a proteção das economias nacionais; instituem-se processos que visam a aprofundar a democracia, e criam-se alternativas para democratizar os meios de comunicação. Registram-se processos constituintes ou de reforma constitucional; promovem-se direitos e conquistas sociais para os trabalhadores e as massas populares, diminuindo as disparidades sociais e de renda.
Uma das causas fundamentais para o êxito destas forças populares, patrióticas e progressistas, ao longo de nossa história continental, tem sido a unidade política. A partir da diversidade política e ideológica das forças de esquerda e progressistas na América Latina, foi alcançada uma inédita unidade no processo político latino-americano, da qual o Foro de São Paulo é uma importante expressão.
– A contraofensiva imperialista e da direita latino-americana
Na América Latina e Caribe, as consequências da crise têm sido, até aqui, em geral muito mais brandas, como demonstra o pequeno impacto do desemprego em muitos países. Entretanto, o próprio prolongamento da crise sistêmica do capitalismo começa a provocar efeitos sociais, em diferentes graus, na região latino-americana. Na fase atual é preciso enfrentar a crescente contraofensiva imperialista para impedir que ela avance, e consolidar os processos políticos avançados e os governos de esquerda e progressistas na região, fruto da tendência progressista que vem predominando, mas que não é irreversível.
Na contratendência há uma crescente reação das direitas nacionais e do imperialismo estadunidense, no período mais recente, que inclui, como fatos mais destacados, a tentativa de fraturar a integração regional, fomentando estruturas como a chamada Aliança do Pacífico, integrada por países com orientação neoliberal – Chile, Colômbia, México e, em alguma medida, Peru, todos com tratados de livre comércio com os EUA –, e o golpe de Estado no Paraguai que destituiu o governo de Fernando Lugo para dividir o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Aliás, a busca por fraturar ou debilitar a integração regional constitui “objetivo de Estado permanente” de Washington.
Nos últimos meses vem intensificando-se a contraofensiva do imperialismo e das direitas locais, procurando explorar os limites e fragilidades dos processos de mudança na região. Essa contraofensiva também se aproveita do fato de ser mais difícil consolidar esses processos do que vencer as eleições e iniciá-los. A questão ambiental é utilizada como pretexto e como fator de desestabilização de governos progressistas na região. Em muitos casos os governos dirigidos pelas forças de esquerda e progressistas enfrentam problemas preocupantes que, se não forem superados, podem causar a paralisia e a reversão desses processos.
Apesar da contraofensiva imperialista e das direitas locais, o que vêm predominando até agora na região são as vitórias político-eleitorais nos últimos anos, desde 1998, na grande maioria dos países que inauguraram governos progressistas no continente latino-americano. Após a lacuna aberta com a morte de Hugo Chávez – líder regional e mundial de grande importância, que deixou um valioso legado em forma de pensamento e de construção da Revolução Bolivariana –, a Venezuela elegeu Nicolas Maduro para presidente, em uma eleição disputada que redundou em mais uma vitória de grande significado para as forças de esquerda e revolucionárias na América Latina – e, assim, para a continuidade do atual ciclo. A despeito da forte contraofensiva da direita golpista e pró-imperialista, os trabalhadores e o povo venezuelano elevaram a sua consciência política. A Venezuela bolivariana e a liderança de Chávez tornaram-se uma bandeira de luta de todos os povos latino-americanos e uma referência da luta anti-imperialista em todo o mundo.
Merece atenção também, por sua importância estratégica, o início das negociações do processo de paz na Colômbia, entre o governo colombiano e a organização política e insurgente das Farc. Com um conflito submetido a um impasse sem solução militar, o povo colombiano apoia a busca da paz com soberania, democracia e justiça social, não obstante atue uma poderosa extrema-direita que busca sabotar as negociações de paz, e o fato de o atual governo colombiano ter lançado uma proposta de aliança e cooperação com a Otan.
A posição dos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, no Brasil, destaca-se entre os fatores mais importantes para a continuidade do atual ciclo de esquerda e progressista na América Latina e Caribe. A importância política e econômica do Brasil – ainda que relativamente limitada diante da força dos EUA –, a sua ação e a sua política externa a favor da soberania das nações, da integração solidária e do desenvolvimento para nossa região têm sido um dos fatores decisivos para a manutenção e o avanço desse ciclo.
– O desafio de avançar nas mudanças e na aceleração da integração sul e latino-americana
O povo brasileiro e suas forças avançadas, entre elas o PCdoB, têm grande interesse no avanço da integração sul e latino-americana que, neste momento, depende da renovação de seus objetivos e desafios, de sua intensificação e aceleração, no sentido de que os atuais processos de integração sejam cada vez mais convergentes. O ex-presidente Lula defende, com razão, a necessidade de uma “doutrina” para a integração regional. A questão da integração sul e latino-americana é estratégica, uma vez que permite confluir projetos nacionais com sentido comum, e permite, tendencialmente, a confirmação de um polo que possibilite buscar condições mais favoráveis à consecução desses projetos nacionais de desenvolvimento autônomos, num contexto de um mundo em transição.
Os avanços na integração sul e latino-americana se iniciaram com a liquidação de sua antípoda, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Sua materialização condenaria os países que a subscrevessem a abdicarem de projeto autônomo e os vincularia, na divisão internacional de trabalho, ao esquema da economia estadunidense – como, aliás, se observa nos países com Tratados de Livre Comércio (TLC’s) com os Estados Unidos. A trágica situação de degeneração nacional e social do México é reveladora disso.
Dentre outras questões, se apresenta na ordem do dia o desafio de enfrentar, como bloco sul e latino-americano, os efeitos da crise capitalista – que fez baixar a média anual de crescimento das economias da região –, bem como o de aproveitar os recursos naturais abundantes e a vigorosa exportação de commodities na região para se promover um novo ciclo de industrialização.
O relançamento do Mercosul – que, apesar das limitações, é o esquema mais desenvolvido de integração regional – teve enorme salto de qualidade, ao propor superar, gradualmente, sua fase neoliberal dos anos 1990 e voltar-se a um projeto de reindustrialização e superação das graves assimetrias entre os países que o integram. A partir de 2003 ele começou uma nova fase, que avançou além da integração comercial, em aspectos como uma efetiva união aduaneira, a criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), a união política com o reforço do Parlamento do Mercosul (Parlasul), a integração física e de cadeias produtivas, e a promoção de políticas sociais necessárias, entre outras.
Grande importância teve a estruturação e consolidação, nestes últimos anos, da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que logrou a unidade política regional da América do Sul em temas como a oposição às bases militares norte-americanas na Colômbia, as tentativas de secessão na Bolívia e de golpe no Equador, e os golpes em Honduras e, recentemente, no Paraguai, bem como no suporte à vitória legítima de Nicolas Maduro na Venezuela. Em sua estrutura, a Unasul tem um conjunto de conselhos responsáveis por temas centrais, como a integração física e da infraestrutura, a energética, as posições comuns no plano econômico e financeiro na resistência à crise, e o Conselho de Defesa Sul-Americano, que busca estruturar uma visão estratégica regional comum.
Criada por Cuba e Venezuela em 2004, a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), formada ainda por Bolívia, Equador, Nicarágua e outros países caribenhos, estimula uma integração de orientação anti-imperialista e socialista.
A Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) reúne pela primeira vez na história em um mesmo fórum os 33 países independentes da América Latina e Caribe, sem os Estados Unidos e o Canadá, e sem países europeus. Na perspectiva de avançar a luta pela descolonização, esse número de países independentes da Celac pode aumentar, com a Guiana (hoje) francesa – último território colonial da América do Sul, além das Ilhas Malvinas argentinas que estão ocupadas pelo Reino Unido –, e com Porto Rico, Guadalupe e Martinica.
A Celac em 2013 é presidida, pro tempore, por Cuba, algo de simbolismo extraordinário, dada a tentativa histórica de destruição da Revolução Cubana pelo imperialismo norte-americano nestas mais de cinco décadas. Ao passo que a Organização dos Estados Americanos (OEA) vai se tornando cada vez mais irrelevante, a constituição da Celac marca um passo na tentativa de unir os países e povos da região, sendo assim ousada e, por isso mesmo, mais complexa e de longa maturação.
d- As condições da nova luta pelo socialismo
Uma das grandes lições que se deve extrair das primeiras experiências de construção do socialismo no século XX é a ideia de que há uma definição geral e universal de socialismo, mas não há nem modelo único de socialismo nem caminho exclusivo de conquista do poder político. A partir da teoria revolucionária marxista-leninista e do pensamento nacional avançado de cada formação econômica e social específica, cada povo e cada força revolucionária construirá seu próprio caminho ao socialismo, e construirá o socialismo de acordo com a sua realidade nacional.
Nas atuais condições históricas, o socialismo não pode ser construído de forma imediata, sem mediações de etapas e fases. O exame atento da história mostra que a construção do socialismo e a evolução rumo a uma sociedade sem classes, o comunismo, será obra de muitas e muitas gerações. Trata-se, em nosso tempo, de retomar a luta pelo socialismo nas novas condições do século XXI. Por isso o conceito da nova luta pelo socialismo.
O período histórico atual é ainda de defensiva estratégica do socialismo. A situação do movimento comunista e revolucionário nos países capitalistas na atualidade ainda é, em geral, de muitas dificuldades. Porém, há sinais de crescimento e fortalecimento político, ideológico e organizativo das forças comunistas, revolucionárias, e das demais forças progressistas e anti-imperialistas, em certos países, especialmente na América Latina.
O internacionalismo proletário e as amplas alianças anti-imperialistas internacionais são fundamentais para o PCdoB. Ao mesmo tempo em que se valora muito a necessidade de aumentar as relações de amizade e de cooperação entre as forças políticas comunistas, progressistas e anti-imperialistas, ressalta-se que a relação de intercâmbio e cooperação entre essas forças deve se dar na base da igualdade, do respeito mútuo (inclusive pela orientação política e programática de cada partido), e da não-interferência em assuntos internos. O PCdoB apoia e participa de fóruns e iniciativas com essas características, nos quais busca apresentar de maneira fraterna suas ideias, e procurando aprender com a experiência de outros povos e de outros partidos.
O principal compromisso internacional do PCdoB é com os partidos comunistas e revolucionários. Nesse sentido, o Partido valoriza tanto as relações bilaterais quanto as reuniões multilaterais. O Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), cuja edição, em 2008, foi sediada com êxito pelo PCdoB no Brasil, é um espaço imensamente valioso de intercâmbio de ideias, de amizade, de cooperação e de promoção da unidade de ação entre partidos comunistas de todo o mundo.
Ao mesmo tempo, são fundamentais o intercâmbio e a unidade com forças políticas anti-imperialistas e de esquerda, como é o caso da exitosa experiência latino-americana do Foro de São Paulo, que neste ano completou 23 anos de existência e vive sua melhor fase, de muita unidade política e maior protagonismo. A relação com as forças políticas da América Latina e Caribe é prioritária para o PCdoB.
Com o mesmo espírito, o PCdoB dá grande atenção – tendo participado como observador de suas duas edições – ao Fórum da Esquerda Africana (Alnef), convocado pelo Partido Comunista da África do Sul, com a participação de dezenas de partidos de países desse continente. Além desse, o PCdoB participa de outros fóruns, seminários e iniciativas de partidos amigos.
– As experiências atuais de transição ao socialismo permanecem e se renovam
O começo dos anos 1990 foi marcado por derrotas generalizadas da revolução e do socialismo, num ambiente de desmoralização, descrédito e fracasso. Esse ambiente não está totalmente superado, entretanto hoje há um processo de atualização da luta pelo socialismo. E isso tudo somente 20 anos depois de uma grande derrota, o que não é muito tempo em termos históricos.
Precisamos avançar na luta de ideias em relação ao tema do socialismo, dialogando com a intelectualidade avançada e incentivando a reflexão teórico-crítica sobre as experiências do movimento comunista e revolucionário internacional.
Nesse sentido é preciso reconhecer e valorizar as experiências de transição ao socialismo que resistem e se desenvolvem na Ásia – China, Vietnã, Laos e Coreia Popular – e na América Latina – Cuba –, e perceber as novas potencialidades e os novos processos revolucionários que começam a despertar, sobretudo na América Latina. A permanência e a renovação dessas experiências de construção socialista que tiveram início com revoluções no século XX têm grande significado político e ideológico. Em todas elas predomina a propriedade social sobre os meios fundamentais de produção. Na maioria desses países houve recentemente, ou estão havendo, alternâncias na direção dos partidos comunistas e revolucionários, e na liderança dos governos, com a assunção de uma nova geração dirigente. Os êxitos e as conquistas dessas experiências demonstram a diversidade de caminhos e formas nacionais de processo revolucionário e de transição ao socialismo, e também demonstram a superioridade do socialismo. Ao mesmo tempo, o PCdoB, por não copiar modelos de socialismo, não se identifica necessariamente com o conjunto dos aspectos particulares, sejam econômicos, sociais, políticos ou ideológicos, de cada experiência de transição ao socialismo.
Destaca-se o papel da República Popular da China, grande país dirigido pelo Partido Comunista, em transição ao “socialismo com particularidades chinesas”. A China desponta como importante país no cenário internacional, e objetivamente a sua ação internacional conjuga as bandeiras da paz e da cooperação para o desenvolvimento. Ela constrói, a passos largos, um país avançado e cada vez mais próspero para seu povo. O 18º Congresso do PC da China, realizado em 2012, apontou como prioridades para o país, entre outras, a inovação como principal componente da economia e o desenvolvimento sustentável, com mais urbanização, política ambiental e qualidade de vida.
O Vietnã vive um dinâmico processo de desenvolvimento econômico e social, em transição ao socialismo. Desde 1986, quando lançou a política de renovação de seu sistema político e econômico (Doi Moi), esse país impulsiona uma “economia de mercado com orientação socialista”, e coleciona importantes êxitos. O 11º Congresso do PC do Vietnã, realizado em 2011, resolveu persistir com as linhas de renovação e “ser firme com os objetivos da independência nacional e do socialismo”. Além disso, propôs intensificar os esforços para “criar as bases para que em 2020 o Vietnã se converta no fundamental em um país industrializado, no caminho da modernização”.
O Laos é uma república de regime socialista que vive momento de grande crescimento econômico, mesmo com a crise capitalista internacional se agravando. Ele tem uma economia planificada de mercado “no caminho do socialismo”, com uma ousada estratégia de industrialização e modernização, e de promoção da renda e do bem-estar dos trabalhadores. Em 2011 foi realizado o 9º Congresso do Partido Popular Revolucionário do Laos, e um dos objetivos aprovados foi inovar para “implementar a política de renovação; construir bases sólidas para superar o subdesenvolvimento em 2020, e avançar rumo ao socialismo”.
A República Democrática Popular da Coreia é um país que luta contra um severo bloqueio econômico desde a vitória na guerra contra o imperialismo, há 60 anos. Recentemente houve uma Conferência do Partido do Trabalho da Coreia, que traçou o objetivo de seguir com os esforços de construção do “socialismo coreano”. A Conferência decidiu impulsionar a “revolução industrial do novo século”, com metas de desenvolvimento científico e tecnológico, e de atualização das forças produtivas do país, visando ao consumo popular e à melhoria da qualidade de vida do povo.
Na América Latina, Cuba e seu regime socialista resistem vitoriosamente ao cerco imperialista. O 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba, realizado em 2011, aprovou as diretrizes para a atualização do modelo econômico e social do país, com a participação ativa da grande maioria do povo nos debates. A resolução desse Congresso, que se concentrou na atualização das políticas econômicas e sociais do “socialismo cubano”, diz: “só o socialismo é capaz de vencer as dificuldades e preservar as conquistas da Revolução, e que na atualização do modelo econômico será preponderante a planificação, e esta levará em conta as tendências do mercado”. O lema atual do PC de Cuba é “por um socialismo próspero e sustentável”.
– A nova luta pelo socialismo na América Latina e Caribe
A América Latina e o Caribe, e em especial a América do Sul, são hoje um espaço de resistência e de alternativas, nas quais as mais avançadas proclamam o objetivo socialista. A participação em frentes políticas anti-imperialistas, democráticas e progressistas, que governam parte importante desses países, permite aos partidos comunistas e revolucionários da América Latina e Caribe avançarem na acumulação revolucionária de forças. As forças revolucionárias em nossa região buscam alternativas que superem o capitalismo, através do fortalecimento de projetos nacionais orientados para a transição ao socialismo. Objetivamente, as forças revolucionárias e de esquerda latino-americanas e caribenhas são cada vez mais uma referência em nível mundial.
Como dizia o dirigente comunista peruano José Carlos Mariátegui, o socialismo, em nossos países latino-americanos, não pode ser decalque e nem cópia, deve ser criação heroica de nossos povos, ou não será. Assim foi a Revolução Cubana e assim estão sendo sua atualização econômica e o aperfeiçoamento do socialismo cubano. Assim está se dando o processo de acumulação revolucionária de forças na Venezuela, na Bolívia e no Equador, onde há experiências mais avançadas. Apesar de serem economias predominantemente capitalistas, esses países da América do Sul contam com novas Constituições; seus governos afirmam a orientação socialista; há elementos importantes de poder popular; e já se iniciou um processo de socialização de uma parte dos meios fundamentais de produção.
Por fim, a estratégia socialista deve estar presente, na qualidade de rumo orientador, nos projetos nacionais e populares em curso na América Latina e Caribe e em nosso projeto de integração continental solidária. A integração solidária só será alcançada plenamente se estiver inserida como parte fundamental da luta pelo socialismo em cada país e em escala continental.
Atualmente no Brasil, e em parte importante da América Latina, além de países como a África do Sul e o Nepal, a luta é pelo êxito desses processos de mudança e revolucionários, que se refletem em governos nacionais de orientação progressista e anti-imperialista, representando uma parcela de poder e inaugurando o desafio de construir não somente mais democracia, mas também um novo poder popular. Para isso, é necessário um diferenciado e prolongado processo de acumulação de forças, no qual uma das principais tarefas é a exigência de sistematizar as experiências em curso, atualizar e renovar a teoria revolucionária, partindo de uma realidade concreta e específica, nacional e continental.
São Paulo, 20 de outubro de 2013
O Comitê Central do Partido Comunista do Brasil