A revolução russa e seus impasses
Marx e Engels acreditavam que a revolução socialista começaria pelos países capitalistas onde as forças produtivas fossem mais desenvolvidas e existisse uma numerosa classe operária, que representasse a maior parte da população. Por isso, esperavam que a revolução começasse por Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, ou mesmo França. Outra ideia corrente era de que a revolução socialista, quando iniciada, tenderia a se espalhar rapidamente pelo conjunto dos países capitalistas centrais e isso, por sua vez, impulsionaria as revoluções nos demais países do mundo. Mas, o desenvolvimento histórico real fez com que a primeira revolução socialista fosse vitoriosa na atrasada Rússia.
Lênin, desde 1915, já havia aventado esta possibilidade ao defender que a revolução proletária mundial poderia se iniciar a partir dos elos mais fracos da cadeia imperialista e não necessariamente nos países capitalistas mais desenvolvidos. Mesmo assim, após a Revolução Russa de 1917, continuou apostando numa rápida vitória da revolução socialista no Ocidente, começando pela Alemanha. Não acreditava na possibilidade da existência prolongada de um Estado socialista na Rússia numa Europa imperialista.
Num primeiro momento, a perspectiva de uma revolução socialista europeia iminente parecia bem real. Os acontecimentos revolucionários na Alemanha em 1918 desenhavam-se como uma repetição do fevereiro russo, e mesmo as derrotas de 1919 (e a queda da República Socialista da Baviera) parecia-lhes uma repetição da derrota provisória ocorrida em julho na Rússia. Para a maioria dos revolucionários, o Outubro Vermelho alemão ainda estaria por vir em breve. A República dos conselhos na Hungria que se encaixava neste esquema havia sido derrotada. O mesmo aconteceria com a experiência dos conselhos de fábrica na Itália.
Apenas em 1923, com as derrotas das rebeliões comunistas, essas esperanças de uma vitória rápida do socialismo se desvaneceram. A jovem República Soviética ficou isolada – cercada por países capitalistas hostis. Lembramos que depois de 1917 ela sofreu um ataque de 14 países e diversos exércitos brancos, contrarrevolucionários. Entre 1919 e 1920 a situação tornou-se dramática e o “país dos sovietes” se viu reduzido às cercanias de Petrogrado e Moscou. A grande imprensa aristocrática e burguesa já dava como certa a derrota bolchevique.
Apenas em 1921 a Rússia revolucionária se viu livre de seus inimigos, vencendo-os numa guerra civil sangrenta, que lhe custou milhões de vidas. A situação econômica e social era catastrófica. Seu parque industrial estava reduzido a 13% do que era antes da Primeira Grande Guerra Mundial. Parte de sua classe operária – a mais consciente e combativa – havia desaparecido na guerra civil. A população de Petrogrado, capital da revolução, caiu de 2 milhões para 720 mil habitantes. A de Moscou de 1,5 milhão para 1 milhão. Houve um processo de desindustrialização e desproletarização em grande escala. O poder soviético perdeu uma importante base material (a grande indústria) e social (o proletariado revolucionário).
A derrota da revolução no Ocidente recolocou o angustiante dilema: é possível construir o socialismo num país atrasado como a Rússia sem o apoio da revolução vitoriosa na Alemanha, Inglaterra ou nos Estados Unidos? Vários bolcheviques, como Trotsky, se colocavam categoricamente contra tal hipótese. Lênin, revisando suas posições anteriores, procurou construir alternativas que permitissem iniciar a construção do socialismo nas condições adversas. Uma posição que seria assumida e radicalizada por Stálin no final dos anos 1920.
Neste quadro internacional e nacional inusitado, tornou-se ainda mais necessário o desenvolvimento acelerado das forças produtivas. Sem isso, a revolução isolada estaria definitivamente derrotada. O chamado “Comunismo de Guerra” (1918-1921), necessário para enfrentar a contrarrevolução armada, mostrou-se inconveniente para a grande tarefa de reorganização da economia. Nasceu assim a proposta da Nova Política Econômica (NEP), visando a superar o atraso econômico do país utilizando amplamente recursos oferecidos pelo próprio capitalismo. A prioridade era a constituição de uma indústria pesada e o capitalismo de Estado alemão se tornou o paradigma do desenvolvimento econômico russo na etapa primária de construção do socialismo.
A NEP se baseava nas concessões de forças produtivas russas aos capitalistas nacionais ou estrangeiros; criação de cooperativas agrupando pequenos e médios produtores rurais e urbanos, que teriam liberdade de comercializar o que produziam; montagem de empresas mistas, associando capital privado e o Estado; e empréstimos bancários juntos aos grandes bancos estrangeiros. Além disso, incorporaram-se à indústria russa os métodos fordistas e tayloristas de produção que, entre outras coisas, garantiriam a manutenção dos altos salários para os especialistas e técnicos. Seria o conjunto dessas medidas a que Lênin chamaria de capitalismo de Estado nas condições russas.
Sobre as necessárias concessões ao capitalismo, Lênin escreveu: “Tivemos de recorrer ao velho método burguês e aceitar um pagamento muito elevado dos ‘serviços’ dos maiores especialistas burgueses (…). É claro que tal medida é não apenas uma interrupção – por certo tempo e em certo grau – da ofensiva contra o capital, mas também um passo atrás do nosso poder de Estado socialista, soviético, que desde o primeiro momento proclamou e conduziu uma política de redução dos altos ordenados até o nível do salário do operário médio”.
Em outro artigo afirmou: “Enquanto não houver revolução noutros países, precisaremos de dezenas de anos para escapar e não deve importar-nos ceder uma parte de nossas incalculáveis riquezas (…) ao valor de centenas e até de milhões de rubros, para receber ajuda dos grandes capitalistas avançados. Mas não é possível manter o poder proletário num país incrivelmente arruinado com um gigantesco predomínio do campesinato, igualmente arruinado, sem a ajuda do capital, pelo qual logicamente cobrará juros exorbitantes”. Lênin fala em dezenas de anos de concessão ao capitalismo e não em poucos meses ou mesmo anos.
É claro que as sucessivas opções de desenvolvimento econômico feitas pelos dirigentes soviéticos, tanto a NEP (1921-1928) como a industrialização forçada (1928-1953), embora necessárias, trouxeram implicações muitas vezes negativas no campo das relações sociais e no desenvolvimento da democracia soviética. A rigorosa centralização econômica, por exemplo, foi acompanhada pela excessiva centralização política beirando ao despotismo.
Nas empresas taylorizadas imperava uma rígida disciplina fabril, ditadura dos gerentes e graves assimetrias salariais. Todos esses elementos foram ainda radicalizados durante os anos de industrialização forçada e coletivização (também forçada) no campo. Neste processo ocorreu a gradual fusão dos movimentos sociais e do Partido ao Estado.
Esvaziaram-se politicamente os sovietes e as organizações populares. Formou-se uma burocracia partidária e estatal cada vez mais forte e distanciada das massas trabalhadoras das quais deveriam ser expressão.
A industrialização forçada – traduzida nos primeiros planos qüinqüenais – conseguiu índices de crescimento inéditos. Neste período, todas as concessões estrangeiras foram anuladas, os últimos setores privados expropriados pelo Estado e a dívida externa, contraída durante a implantação dos planos de industrialização, foi drasticamente reduzida e depois eliminada. Segundo Stálin, com essas medidas, haviam sido eliminados todos os elementos do capitalismo de Estado, e o modo de produção socialista já estava implantado na sua integralidade.
Mas, contraditoriamente, continuaram predominando nas fábricas o fordismo e os métodos tayloristas (e com eles o despotismo fabril, as diferenças salariais entre operários e técnicos, a divisão entre o trabalho intelectual e manual). Ou seja, defendia-se a manutenção e o fortalecimento de elementos do capitalismo naquela que era considerada a fase avançada do socialismo e que começava, segundo os dirigentes soviéticos, a trilhar as sendas do comunismo.
Apesar dos efeitos negativos desta opção pela industrialização forçada, é preciso reconhecer que a base industrial, construída durante os três planos quinquenais, é que permitiu ao povo soviético enfrentar o poderoso exército nazista a partir de 1941. O planejamento centralizado – sob a base de propriedade não-privada dos meios de produção – é que permitiu converter toda a economia para o esforço de guerra e transferir, em tempo recorde, indústrias inteiras do Oeste para o Leste do território soviético, salvando-as dos ataques alemães. Coisas que um país capitalista – assentado na propriedade privada dos meios de produção – dificilmente poderia fazer.
A URSS venceu a Segunda Guerra Mundial e foi a principal responsável pela derrota do nazi-fascismo, mas viu sua economia bastante enfraquecida. Novamente se colocava a tarefa da retomada da industrialização acelerada, com todas suas virtudes e mazelas. A democracia socialista deveria ser novamente sacrificada em nome da defesa do Estado soviético, ameaçado pelas potências imperialistas cada vez mais agressivas.
A guerra fria já se desenhava no horizonte mesmo durante o desenrolar do conflito mundial, quando os aliados retardaram ao máximo a abertura de uma segunda frente na Europa e os Estados Unidos, sob Truman, decidiram utilizar bombas atômicas contra Hiroshima e Nagazaki. A destruição de duas pequenas cidades japonesas sem nenhuma importância estratégica serviria como advertência aos soviéticos.
O final da guerra também criou um fato novo e alvissareiro. Constituiu-se um campo socialista envolvendo a maioria dos países do Leste Europeu libertados do nazi-fascismo. Campo que foi reforçado com a vitória da Revolução Chinesa e das revoluções nacional-libertadoras na Ásia. A URSS finalmente se via libertada do isolamento imposto pelo imperialismo desde 1917.
O Paradigma da Comuna de Paris e o socialismo real
Antes da Revolução Russa existia uma visão generalizada na esquerda socialista de como deveriam ser o Estado e a democracia socialistas. Ela, em grande parte, se baseava em algumas formulações de Marx, Engels e Lênin. O paradigma desses revolucionários era a Comuna de Paris de 1871. Esta primeira experiência socialista de organização estatal se caracterizou, entre outras coisas: pela fusão do poder Executivo e Legislativo; pela adoção do sufrágio universal; pelo princípio eletivo para o poder judiciário; pelo princípio da revogabilidade para todos os cargos eletivos; pleo salário médio de um operário para os membros da Comuna, a burocracia estatal e técnico-especialista; pelo fim do exército permanente e armamento geral do povo.
A Comuna seria um arranjo político-institucional considerado suficiente para evitar a autonomia do Estado e o surgimento de uma burocracia onipotente – sendo assim um passo importante para a eliminação do próprio Estado, como instrumento de dominação e opressão. O Estado-Comuna, pensavam Marx, Engels e Lênin, já não seria um Estado no sentido forte do termo.
No entanto, a Comuna de Paris foi uma experiência curta no tempo e restrita quanto ao espaço geográfico que abrangeu. Durou apenas 72 dias e abarcou Paris e seu entorno. Os comunardos não passaram pela experiência de governar um grande país ainda agrário e com amplos setores antissocialistas no seu interior. Isso, necessariamente, teria acontecido se tivessem derrotado Versalhes (onde se encontrava o governo da contrarrevolução) e vencido o cerco dos exércitos prussianos. Nesta situação, eles teriam que implantar um governo de tipo jacobino ou uma “ditadura do proletariado” nos moldes russos.
Como era de se esperar, após a Revolução de Outubro, o projeto da República Soviética só poderia ter como referência a Comuna de Paris. Infelizmente, as condições históricas não permitiram que os sovietes russos se transformassem em modelos ampliados – em escala nacional ou multinacional – da comuna parisiense.
Os projetos e os programas das organizações revolucionárias são fundamentais. Os socialistas precisam saber claramente o que querem, e prever o que, em condições ideais de pressão e de temperatura, irão realizar. Também é preciso que o povo saiba o que está sendo proposto para a sociedade futura. Essa é a condição para que ele possa aderir conscientemente ao projeto transformador.
Mas, na grande maioria das vezes, a pressão e a temperatura sobem muito acima das condições consideradas ideais e impõem mudanças dramáticas de planos, mudanças abruptas de rotas. Obrigam os revolucionários a seguirem por caminhos até então imprevistos que, em geral, são mais penosos e tortuosos. Assim ocorreu na Rússia soviética e na maioria dos países que trilharam o caminho ao socialismo. Vejamos agora alguns casos nos quais o programa socialista de Outubro teve que se confrontar com realidades bastante adversas e, por isso, ser alterado.
É sabido que não constava do projeto original bolchevique a construção de um sistema político assentado no unipartidarismo. Este, inicialmente, foi uma imposição da sangrenta guerra civil e da ocupação militar estrangeira que se seguiram à revolução. Neste processo os partidos burgueses e pequeno-burgueses se aliaram aos exércitos contrarrevolucionários e foram fechados. Por sua vez, as organizações socialistas pequeno-burguesas, como os social-revolucionários de esquerda e os anarquistas, foram cassadas quando tentaram organizar um golpe de Estado contra o governo soviético, durante as difíceis negociações do Tratado de Brest-Litovsky.
Visando a impedir a assinatura do tratado de paz e assumirem o poder, os social-revolucionários de esquerda – com apoio dos anarquistas – assassinaram o embaixador alemão, explodiram a sede do Partido Comunista em Moscou, matando dezenas de pessoas e ferindo Bukharin. Terroristas social-revolucionários assassinaram Uritsky, comandante da Cheka (polícia política) e atentaram contra a vida de Lênin, Trotsky e outros importantes dirigentes bolcheviques. A esses atentados seguiu-se uma dura repressão contra a “oposição armada”.
O que foi uma fatalidade imposta pela guerra civil acabou, pouco a pouco, sendo racionalizada pela direção partidária e o sistema de partido único se transformou num princípio político-organizativo do próprio socialismo. Todas as experiências socialistas do século XX – com alguma nuance – seguiram aquele modelo monolítico.
O sufrágio universal também não pôde vingar imediatamente. A única tentativa de implantá-lo foi durante a eleição da Constituinte de 1918, que deu maioria aos setores antissoviéticos devido à forte presença da pequena burguesia rural e urbana entre a população russa. Diante desse fato, irremovível em curto prazo, os bolcheviques foram obrigados a implantar o voto qualificado ao revés. O voto do operário passou a valer cinco vezes mais do que o voto do camponês e os proprietários – especialmente os que assalariavam trabalhadores – ficaram proibidos de votar. Medidas que durariam até a década de 1930, quando a burguesia havia sido eliminada como classe e a oposição calada.
Logo após a revolução, os bolcheviques deram-se conta de que a guarda vermelha, composta por trabalhadores fiéis ao regime e sem uma rígida hierarquia, era impotente para enfrentar a poderosa contrarrevolução armada e apoiada pelo conjunto do imperialismo. Então, constituíram, não sem controvérsias, um poderoso exército regular nos moldes tradicionais. Reintroduziram a hierarquia e a rígida disciplina militar (eliminou-se o princípio eletivo, voltaram as patentes e a pena de morte no front). Vários antigos oficiais czaristas retomaram seus postos de comandos – com suas respectivas patentes e altas remunerações. Trotsky foi o principal idealizador e comandante deste novo exército.
Portanto, neste conturbado processo, o controle operário de baixo foi substituído pelo planejamento e controle dos operários pelo alto. Tivemos a volta dos especialistas (técnicos e engenheiros) com salários bem acima do que ganhavam os trabalhadores manuais. Foi restabelecido o poder unipessoal dos gerentes nas fábricas. Trotsky chegou mesmo, levando esta tendência ao extremo, a defender a militarização do trabalho e a subordinação dos sindicatos ao Estado. Estes, decerto, eram tidos como imperativos da produção num país cercado por potências inimigas e que precisava rapidamente desenvolver as suas forças produtivas. A eclosão da Segunda Guerra Mundial e a ocupação da URSS pareciam comprovar integralmente esta tese.
Respostas inadiáveis
Como podemos ver, a experiência real de construção do socialismo não conduziu à redução gradual – rumo à extinção – do Estado, como previsto por Marx, Engels e Lênin. Pelo contrário, na maioria dos casos, ocorreu justamente o inverso. A construção das bases econômica do socialismo se deu assentada no fortalecimento do Estado, inclusive nos seus aspectos mais repressivos.
Tendo em vista esse quadro e se apegando, de forma esquemática e a-histórica, às fórmulas marxistas – transformando-as numa espécie de ideal-tipo weberiano –, várias organizações e intelectuais de esquerda chegaram à conclusão de que não existiram experiências socialistas no século XX. Os comunistas, ao contrário, acreditam que o que existiu na URSS e no Leste Europeu – com seus acertos e erros – foi o socialismo – ou, como afirmou o controverso líder soviético Leonid Breznev, o “socialismo realmente existente” (sorex). Uma fórmula plena de sentido – afinal, de fato, existiu um socialismo idealizado e aquele que foi concretamente construído em diversos países.
O socialismo em sua existência real pode assumir diversas configurações políticas e econômicas. Sendo este, no essencial, um modo de produção no qual, em maior ou menor ritmo, os principais meios de produção passam a ser propriedade coletivo-estatal (e não privada), e no qual o poder político está nas mãos de forças políticas interessadas em transitar ao socialismo, rumo ao comunismo. Sabemos o quanto este último item está sujeito a uma forte dose de subjetivismo.
O socialismo é um período longo de transição que conhecerá várias fases – difícil de serem determinadas de antemão. E, nas suas fases iniciais, conviverá com relações econômicas, políticas e sociais ainda não-socialistas. Lênin, como Marx e Engels, sabia da necessidade da convivência durante certo período do socialismo com o mercado. O socialismo, em última instância, é a negação – entendida como superação – do Estado e do mercado; mas, ao mesmo tempo e contraditoriamente, precisará deles para se desenvolver numa dialética nem sempre fácil de ser compreendida e muito menos resolvida no plano teórico e prático.
Sem dúvida, houve um crescimento acentuado das forças produtivas durante a vigência do socialismo na URSS – num ritmo superior ao dos países capitalistas –, mas, ao contrário do que se podia esperar, não houve, no mesmo ritmo, o crescimento do atendimento das necessidades materiais das massas trabalhadoras. Neste campo, o socialismo continuou aquém dos países capitalistas centrais, como EUA, Inglaterra, França e Alemanha Ocidental. A URSS, apesar de ter se tornado a 2ª potência industrial e militar do mundo, continuou sendo, contraditoriamente, uma sociedade de escassez.
Por que uma economia que conseguiu superar a dos Estados Unidos no setor aeroespacial nas décadas de 1950 e 1960, foi perdendo o seu dinamismo até entrar em colapso no início da década de 1990? Por que não conseguiu deixar de ser uma sociedade de relativa escassez, pelo menos quando em comparação aos países capitalistas centrais?
Podemos até entender a necessidade de um Estado forte para impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas em países relativamente atrasados. Mas, como explicar a manutenção dos mecanismos antidemocráticos após o processo de industrialização e modernização destas sociedades? Por que os “socialismos reais”, passada a fase embrionária, não puderam se constituir como democracias diretas e/ou participativas nos moldes da Comuna de Paris?
Sabemos que o fetiche da sociedade de consumo e da democracia liberal, incrementado por uma ativa propaganda ocidental, ajudou a selar a sorte daquelas importantes experiências históricas. Isso pode ser claramente constatado no processo de unificação alemã e nas grandes manifestações antissocialistas que varreram o Leste Europeu naqueles anos fatídicos. As massas davam vivas à liberdade e invadiam os supermercados da Alemanha Ocidental.
Esses são problemas teóricos e políticos que não conseguiram ser resolvidos satisfatoriamente e, não o sendo, engendraram uma crise na teoria e na prática socialista.
Portanto, superar esta dupla crise é uma necessidade premente das forças políticas e sociais que desejam relançar em outro patamar o projeto socialista no século XXI. Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário, mas sem movimento revolucionário também não é possível desenvolver plenamente a teoria. O marxismo nos ensinou que teoria e prática social não são realidades estanques – estranhas entre si –, elas se completam e se enriquecem, mutuamente, na luta por um mundo novo.
* Este artigo foi publicado no livro O capitalismo contemporâneo e a nova luta pelo socialismo (Ed. Anita Garibaldi), resultado de um texto apresentado no seminário de mesmo nome, promovido pelo Instituto Maurício Grabois, em novembro de 2007, na comemoração dos noventa anos da Revolução Russa. O título original era Os dilemas da revolução soviética, mudado para não confundir com meu último artigo divulgado: “Lênin e os dilemas da Revolução Russa”.
** Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
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