Por que o leilão de Libra foi bem sucedido
No leilão de Libra, o tema petróleo mostrou seu potencial histórico de despertar o sentimento nacional e deixá-lo em guarda, o que é positivo. Porém, a atmosfera abrasada embaralha argumentos. Conceitos anacrônicos ressurgem imbricados com motivação oposicionista e supostos ideólogos abusam de conclusões cheias de adjetivos e vazias de substantivos. A opinião pública às vezes é levada à confusão. Daí que, embora sob o ângulo do interesse nacional, o leilão tenha sido amplamente vitorioso, subsistem demandas a serem esclarecidas. Trato aqui de duas delas: em que contexto o governo resolveu levar Libra a leilão e, depois do leilão, qual parcela do óleo extraído ficará com a União.
Quando a Petrobras chegou ao pré-sal da Bacia de Santos em 2007, estávamos às vésperas da 9ª Rodada de Licitações de blocos exploratórios da ANP. Iam a leilão, sob o regime de concessão, 41 blocos da província recém-descoberta. No dia 8 de novembro, a 19 dias do leilão, o Conselho Nacional de Política Energética retirou da 9ª Rodada todos esses blocos, por proposta da ANP, com o imediato e decisivo apoio do presidente Lula.
Em julho de 2008, decreto presidencial nomeou uma Comissão Interministerial de oito membros para propor um marco para a nova província. Foi aí que surgiu a proposta de partilha da produção para o pré-sal. Em setembro de 2009, o Congresso recebeu as proposições governamentais para o pré-sal, e em 2010 foram promulgadas leis sobre a partilha, a estatal Pré-sal Petróleo S.A e o Fundo Social. Mas houve outra lei de iniciativa governamental também aprovada pelo Congresso, a que autorizava a União a capitalizar a Petrobras, cedendo-lhe até cinco bilhões de barris de petróleo de alguma acumulação a ser localizada no pré-sal.
A presença de 4 grandes petroleiras no consórcio vitorioso mostrou que a presença do Estado não afugentou parceiros
Para viabilizar essa cessão, a ANP reexaminou aqueles blocos retirados da 9ª Rodada e aí localizou dois pontos. Em seguida, autorizou a Petrobras a fazer duas perfurações, os poços 2-ANP-1-RJS e 2-ANP-2-RJS. O primeiro, em maio de 2010, descobriu Franco, e o segundo chegou a Libra, em outubro do mesmo ano. Eram acumulações enormes, avaliadas inicialmente entre 5 e 8 bilhões de barris, cada uma, números que cresceram depois. A ANP cuidou de contratar a empresa britânica Gaffney, Cleide & Associates para certificar a existência dos cinco bilhões de barris de petróleo.
A empresa Gaffney certificou os cinco bilhões em Franco e adjacências. Ato contínuo, o governo deliberou ceder todo esse petróleo à Petrobras, sem licitação, sem cobrança de bônus de assinatura, sem pagamento de participação especial, sujeito apenas a royalties de 10%. Com base nesse manancial petrolífero, a Petrobras procedeu à maior capitalização que uma empresa já fez no mundo – US$ 70 bilhões. O Estado brasileiro ganhou também no processo. Sua participação no capital social da empresa saiu de 39% e foi para 48%. (Os 52% restantes são de capital privado, a maior parte estrangeira, negociada na Bolsa de Valores de Nova York).
Com Franco cedido à Petrobras, os órgãos governamentais deliberaram então que o próximo reservatório – Libra -, descoberto meses depois, de tamanho semelhante, deveria ir a leilão, cobrando bônus elevado, royalties de 15%, operado pela Petrobras, gerido pela PPSA e beneficiando diretamente a União e seus grandes projetos de educação e saúde. Foi essa decisão que agora foi levada à prática.
O segundo ponto – quanto do óleo extraído vai para a União – suscita interpretações diferenciadas. A própria partilha despertou controvérsias, aparecendo dois tipos de reação: uma, de setores provavelmente ligados a grandes petroleiras, e outra, de sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais. Os primeiros achavam que a partilha, tal qual a fizemos no Brasil, tinha uma interferência excessiva do Estado; os segundos diziam que o modelo capitulava frente às multinacionais e privatizava o pré-sal. A suposta excessiva intervenção estatal teria levado a que as duas maiores petroleiras americanas e as duas maiores inglesas se afastassem do leilão; e a suposta ameaça de privatização do pré-sal levou a que sindicalistas e movimentos sociais defendessem a suspensão do leilão. Por razões distintas, ambas vertentes coincidiam na crítica ao leilão. Ambas revelaram-se equivocadas.
A participação de quatro das maiores petroleiras do mundo no consórcio vitorioso, patrocinado pela Petrobras, mostrou como a presença do Estado não “afugentou” eventuais parceiros. A distribuição do óleo extraído do campo realçou como os interesses nacionais foram salvaguardados.
De um hipotético barril de petróleo extraído de Libra e negociado a US$ 100, poderíamos simular situações em função do custeio do óleo, que pode oscilar de US$ 10/barril a US$ 30/barril. Tomando uma cifra média de US$ 20/barril, teríamos, de forma aproximada, as seguintes parcelas destinadas ao poder público: 1) US$ 15 de royalties (15%); 2) US$ 27 correspondentes aos 41,65% do “excedente em óleo” que o consórcio vencedor da licitação se comprometeu a pagar à União; 3) US$ 9,50 de imposto de renda (25% sobre o ganho das empresas); 4) US$ 3,42 de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), correspondente a 9% sobre o mesmo ganho; 5) US$ 4,95 oriundos dos dividendos do governo na Petrobras (a União tem 48% das ações da Petrobras).
As parcelas indicadas totalizam US$ 59,94, ou seja, aproximadamente 75% de todo o óleo extraído em Libra irão para o poder público, na hipótese de um custeio simulado médio de US$ 20 por barril. Este custeio naturalmente pode ser maior ou menor. Mas considerando, sobretudo, o retorno dos investimentos do Fundo Social, esta parcela pode então ultrapassar os 80%, situando-se entre as maiores do mundo.
Assim, estão certos os que disseram que o leilão foi um “sucesso”.
Haroldo Lima foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
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