O futuro do Afeganistão
O presidente do Afeganistão Hamid Karzai decidiu suspender os acordos de segurança com os EUA, o que exasperou Washington. Barack Obama ameaça Karzai com a “opção zero” (nenhum soldado norte-americano em solo afegão, ao final de 2014). A decisão de Kabul, de recusar diálogo direto com os Talibã que aspira ao papel de intermediário a favor dos EUA causa frustração que pode acelerar a retirada da coalizão liderada pela OTAN. O alto oficialato norte-americano sugere que a retirada aconteça antes do início da temporada de combates, deixando o país entregue à própria sorte, como já fizeram no Iraque.
Há risco real de as forças do governo afegão serem deixadas face à face com os Talibã no prazo de 5-6 meses. Os eventos podem desenrolar-se como no cenário sírio. Como se antevê em Moscou, o terrorismo pode “respingar” de um país para o outro. A questão é: os EUA retirar-se-ão completa e simultaneamente, ou será retirada em fases, gradual, com cerca de 9-10 mil homens deixados permanentemente no Afeganistão?
Hoje, a Força Internacional Auxiliar de Segurança [orig. International Security Assistance Force (ISAF)] de 100 mil soldados e os militares afegãos são responsáveis pela estabilidade; essa última está sendo expandida em ritmo de urgência e deve alcançar cerca de 260 mil elementos de pessoal ativo, em 2015. Atualmente com 150 mil soldados, os militares afegãos parecem força formidável, mas não têm treinamento profissional. Os instrutores militares dos EUA admitem que os novos recrutas têm recebido treinamento insuficiente para combate, no processo de apressar o recrutamento. Segundo a ISAF, a perda anual é de 34, 8% dos alistados, por deserção, baixas em combate, licença por ferimento e condições precárias para a retenção dos alistados.
Algumas áreas e instalações militares vão sendo gradualmente postas sobre controle das forças afegãs. Em março de 2014, as forças afegãs terão de assumir integralmente os serviços de segurança, apesar de a luta contra os Talibã jamais cessar.
2013 foi o ano mais sangrento desde que as forças da coalizão chegaram ao Afeganistão. Os Talibã estão mais ativos, as forças da coalizão evitam combates, o que deixa desamparados os afegãos despreparados para enfrentar sozinhos o inimigo. Houve 13-27 baixas na coalizão por mês, desde que a luta recomeçou na primavera de 2013; e mais de 100 mortos e cerca de 300 feridos na força nacional afegã, polícia nacional afegã e unidades de autodefesa. O número de mortos nas forças armadas afegãs é mais de três vezes superior às baixas na coalizão em 2010 e 2011 (o maior número de baixas são norte-americanos). Kabul parou de informar sobre o número de militares mortos, para não abater a moral nacional. Os militares da ISAF entendem que as forças afegãs não poderão suportar por muito tempo as atuais taxas de baixas nas suas forças.
A liderança afegã tampouco confia nas forças armadas, porque nada assegura que os soldados não desertem para unir-se aos Talibã. Não se pode esquecer que há ali uma guerra civil, e a ‘ajuda externa’ absolutamente não conseguiu resolver grande número de problemas. A maioria dos especialistas entendem que nenhuma paz ou estabilidade serão jamais possíveis, se os Talibã não forem integrados no processo político. O governo entende que conversações diretas entre Washington e os Talibã (sem a participação de Kabul) é agressão à soberania nacional afegã. Os EUA creem que as conversações diretas são o melhor meio para pôr fim à violência. É possível que os Talibã apresentem candidato às próximas eleições presidenciais em abril de 2014. Karzai, o atual presidente, não pode concorrer a um terceiro mandado nos termos da Constituição; e não há sucessor à vista. É altamente provável que o único candidato viável apareça entre os quadros dos Talibã.
Karzai é pashtun e muçulmano sunita; absolutamente não exclui um diálogo direto (sem a participação dos EUA) com os Talibã, que também são pashtuns e sunitas. A presença da OTAN sempre foi obstáculo a qualquer conversação, mas foi a OTAN quem assegurou dois mandatos presidenciais a Karzai. Agora, a situação mudou; Karzai deixará a presidência; e a ISAF tem prazo marcado para deixar o país. Obama tem certeza de que até outubro estará assinado um acordo de segurança, mas Karzai não tem pressa para definir coisa alguma até depois das eleições presidenciais. Foi atitude muito claramente visível, quando ele disse que se o acordo puder ser assinado durante seu mandato, ok. Se não, o novos governantes do país tomarão a decisão que lhes pareça melhor. Washington continua a insistir que o acordo seja assinado antes das eleições, mas sem sucesso. Oriental no espírito e no temperamento, Karzai não é dado a decisões apressadas; e, além do mais, também tem seus próprios planos.
Os norte-americanos têm de saber quantos soldados poderão permanecer depois da retirada, mas a Karzai interessa saber o que ganhará por seu governo aprovar a permanência, caso se chegue a formalizar o acordo de segurança. É serviço que se avalia na casa dos bilhões de dólares.
O ex-embaixador dos EUA no Afeganistão Ronald E. Neumann avalia que o custo da permanência a ser definido em função do tamanho da força que permaneça no Afeganistão não será menor que US$5 bilhões/ano, além dos gastos da embaixada. Ano que vem, os EUA e aliados terão de gastar $7,7 bilhões para cobrir os custos militares no Afeganistão, e a fatia de Kabul não ultrapassará $2 bilhões.
O governo de Karzai continua mergulhado num pântano de corrupção. Segundo relatório distribuído pela ONU em fevereiro de 2012, o povo afegão pagou $3,9 milhões em propinas a agentes do estado afegão. Empresas ocidentais, que trabalham na reconstrução do país, gastaram mais de $1 bilhão para molhar a mão de funcionários afegãos e obter contratos. Em Washington, já é voz corrente que o gasto foi completo desperdício. O fato de que Karzai admite as dificuldades torna ainda mais forte a crítica contra o governo Obama.
Os EUA gastaram mais de $1 trilhão nas operações do Iraque e do Afeganistão; os contribuintes norte-americanos pagaram cerca de 11 milhões de dólares por hora, para financiar as operações militares desde 2001. É quase impossível compreender a lógica dos EUA, com tantos mortos, tantos bilhões de dólares desperdiçados e, isso, só para matar um terrorista?! Outras missões tampouco foram cumpridas, o que obriga a questionar as razões do Pentágono e do governo dos EUA.
Manter o apoio ao governo dos EUA não faz sentido algum para Washington, mas é impossível suspender os gastos. A retirada das forças dos EUA será provavelmente a operação mais cara e mais complexa de toda a história das forças armadas norte-americanas. Os britânicos já declararam que a retirada dos seus soldados é operação sem precedentes no século 20 – e os britânicos têm de retirar apenas 9 mil soldados do país, nada que se possa comparar à retirada do contingente norte-americanos de mais de 60 mil homens, armamentos pesados e estrutura de logística. Essa retirada é muito mais complexa que a retirada do Iraque.
O Afeganistão não tem acesso ao mar. Há poucas rotas terrestres possíveis: a estrada de Karachi; a ferrovia para a Rússia, passando pelo Uzbequistão e pelo Kazaquistão; e a rota aérea para aviões de carga até o Golfo Persa. O Departamento de Defesa dos EUA está prevendo um gasto de cerca de $80 bilhões em 2014 , para essa retirada. Esse número aparece no pedido de autorização para gastos extraordinários submetido ao Congresso. Dia 30/9, quando se encerrou o ano fiscal de 2013, o gasto chegava a $37 bilhões.
Tudo isso implica dizer que a “opção zero” para o próximo ano custará duas vezes mais cara, o que faz do adiamento da retirada a opção ‘mais barata’. Mas o governo afegão e seus vizinhos muito provavelmente se oporão a isso, temerosos de que a instabilidade aumente no país.
A volta dos Talibã a Kabul é causa de preocupação especial para a Rússia e os estados vizinhos, da Comunidade de Nações Independentes [orig. Community of Independent Nations (CIN)]. Para Karzai, o Afeganistão é país independente e tem direito de decidir o próprio destino, inclusive o envolvimento dos Talibã no processo político. Está seguro e nada preocupado pelo fato de que, depois da saída da Força Internacional de Segurança [orig. International Security Assistence Force (ISAF)], os Talibã possam voltar à cena política e partilhar o poder. Os que assumiram o governo depois da retirada das forças soviéticas permitiram que o Afeganistão se convertesse numa espécie de criadouro do terrorismo internacional. Eles também se sentiram seguros. Os que antes governaram o país não tinham nenhum desejo político de empurrar a recém obtida independência na direção de trabalhar a favor do povo afegão.
Agora, Karzai está à beira de cometer o mesmo erro; e insiste em que seu governo estaria em condições para assumir total responsabilidade pelo futuro do país. O atual governo afegão opera ao lado de EUA e OTAN, para envolver o país numa confusão cujas consequências são difíceis de prever…
A presteza com que a OTAN liderada pelos EUA optaram por manter a própria presença nos limites da missão de Resoluto Apoio para garantir a transferência para os afegãos da responsabilidade pela segurança não deve passar despercebida. Do mesmo modo, segundo a OTAN, Kabul já é hoje responsável por 90% das operações de combate dentro do país – o que não implica que o regime-fantoche de Karzai seja suficientemente forte para essa missão. A OTAN evidentemente exagera, ao dizer que as forças do governo contariam com o apoio da maioria da população.
O que o ocidente tem dito, que os Talibã teriam apoio só de uma pequena minoria depois de 12 anos de guerra que não trouxeram qualquer resultado tangível, parece ser, antes, mais uma desastrada manobra de propaganda, para encobrir o fato de que a operação comandada pelos EUA fracassou.
Os soldados da ISAF sairão todos, ou alguns permanecerão no Afeganistão, como parte da missão de Resoluto Apoio? Tudo depende dos EUA e do governo de Karzai; e deixarão os Talibã voltar ao país?
Chegou o momento da verdade. Os EUA e a OTAN devem informar a comunidade internacional sobre os resultados da sua presença durante 12 anos no Afeganistão. Absolutamente não é verdade que a força constituída de 100 mil soldados tenha eliminado a infraestrutura da Al-Qaeda – e esse seria o principal feito do ocidente. O Afeganistão está bem próximo de, outra vez, ver-se dominado pelos Talibã.
O movimento é apoiado pelo Paquistão – sua terra natal. Para Islamabad, uma Kabul amigavelmente controlada pelos Talibã é vantagem estratégica. Lembremos que durante os cinco anos de governo dos Talibã, o movimento não conseguiu disseminar seu poder e controle por todo o país, apesar de comandarem as rédeas do poder de estado, aspecto no qual o Paquistão também falhou. Atualmente os Talibã contam com apoio internacional muito limitado (da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Paquistão, países que ainda não alteraram sua posição). O dinheiro continua fluindo, até agora sem parar, para o Diretorado para Inteligência de Interserviços [orig. Diretorade for Inter-Services Intelligence], os serviços secretos do Paquistão, mais conhecidos como Inter-Services Intelligence ou pela sigla ISI); não raras vezes, o processo escapou completamente ao controle governamental.
Os Talibã são o único instrumento de pressão que Islamabad pode usar para influenciar a política afegã; a elite paquistanesa jamais romperá os laços que a ligam aos Talibã. O Paquistão fará o máximo possível para conseguir a volta dos Talibã, como um dos resultados do processo de reconciliação sob “o comando do povo afegão no papel protagonista”. Isso significa a possibilidade de os Talibã serem escolhidos por via eleitoral, em vários níveis de governo.
A lógica da abordagem dos paquistaneses baseia-se no fato de que os pashtuns são o maior grupo étnico na população do Afeganistão. Poucos falam do fato de que os pashtuns são tão amplamente dominantes na população. Cálculos mostram que o candidato dos Talibã tem boa chance de vencer as eleições de 2014. E, seja como for, a próxima eleição presidencial pode converter-se no principal evento político no Afeganistão. O atual chefe de estado, Hamid Karzai, não exclui a possibilidade de que o próximo presidente venha a sair das fileiras dos Talibãs.
Pode ser o fundador dos Talibã, Muhammad Omar. Karzai está pronto para cooperar com ele, sob a condição de que os Talibã desistam da luta armada. Há notícias de que os Talibã já iniciaram conversações secretas com o governo. Estariam em andamento em Kabul, não em algum outro país – o que implica que os EUA apóiam o processo. A posição de Mullah Omar antes da retirada vai-se tornando cada vez mais forte; ele sabe que o atual governo é fraco.
Tudo isso implica que os líderes Talibã não desistiram de tomar em suas mãos o poder no Afeganistão e de reviver o Emirado Islâmico. Não há dúvidas de que os Talibã estão decididos a reinserir os métodos de força, na condução do processo político.
O grupo não declarou abertamente que tenha planos de participar nas eleições, mas é opinião generalizada que, se puder candidatar-se, será eleito por ampla diferença. Os Talibã tem muitos apoiadores fiéis entre os eleitores. Mas há outras opções; as escolhas não se limitam aos Talibã e a apoiadores do atual presidente Karzai; outras forças políticas islamistas emergiram, nem muito próximas de Islamabad nem tão radicais quanto os apoiadores de Mullah Omar.
Abdul Rassoul Sayyaf registrou-se como candidato na sede da Comissão Eleitoral Independente em Kabul.[1] É pashtun do vale Paghman e teólogo. Sayyaf é um dos políticos islamistas mais influentes do país; por muitos anos, liderou a facção Mujahedin União Islâmica para a Libertação do Afeganistão [orig. Islamic Union for the Liberation of Afghanistan] em luta contra a União Soviética. Em fevereiro de 1989, foi eleito o primeiro-ministro do governo Mujahedin de transição, quando se associou muito estreitamente aos comandantes afegãos Burhanuddin Rabbani e Gulbuddin Hekmatyar. Sayyaf sempre se opôs aos Talibã e combateu contra eles, associado à Aliança do Norte. Depois que as tropas dos EUA chegaram ao Afeganistão, Sayyaf aliou-se a elas e apoiou Karzai nas eleições.
Antes de se registrar como aspirante à presidência, Sayyaf foi membro da câmara baixa do Parlamento, onde manteve o status de imã conservador e muito respeitado. O comandante de campo Ismail Khan aceitou o convite para integrar a chapa como vice-presidente e para participar de um possível governo Sayyaf, caso sejam eleitos. Ismail Khan sempre foi nome influente na província ocidental de Herat, próxima da fronteira do Irã. Abdul Ahad Irfan, presidente da Câmara Alta do Parlamento e líder da Comissão de Unidade Nacional do Afeganistão, também se registrou como candidato; concorre ao cargo de segundo vice-presidente.
Essas figuras, do triunvirato dos esperançosos podem desafiar os islamistas Talibã nas eleições. Caberá ao povo avaliar a reputação de Sayyaf como líder religioso pashtun e o fato de que mantém amplas conexões com grupos islamistas dentro e fora do Afeganistão. Os eleitores não duvidam de seu importante currículo militar e da influência que tem nas regiões ocidentais do Afeganistão. A juventude islamista vê com simpatia e respeito suas qualificações como intelectual religioso; é hoje uma espécie de novo tipo de pregador religioso, que não participa da tradição Talibã que prega forte rigidez religiosa em todos os aspectos da vida, segundo os padrões morais vigentes ao tempo do Profeta Maomé. Não esqueçamos que os Talibã proibiam as mulheres de saírem de casa. Hoje, mais de 2 milhões de meninas frequentam escolas; mais de 300 mil crianças afegãs mantêm contas Facebook; 70% da população é constituída de jovens de menos de 25 anos. Todos esses fatores pesarão muito, se houver eleições limpas.
Se Sayyaf vencer as eleições presidenciais, a coalizão chefiada por ele aprofundará e cimentará laços com a OTAN como organização que garantirá apoio ao Afeganistão em tempos de dificuldades (sinal claro de que espera receber as bênçãos dos EUA). Sayyaf prometeu manter-se fiel ao princípio da igualdade no processe da reconciliação nacional de todas as nacionalidades incluindo os tadjiques, uzbeques e hazaras, que jamais antes tiveram qualquer chance real de ter presidente saído de seus respectivos grupos étnicos.
Dessa vez, Abdullah Abdullah, ex-líder da Aliança do Norte, também concorre. Obteve seu registro eleitoral dois dias antes de Sayyaf. Não se exclui a possibilidade de os dois organizarem alguma espécie de ação conjunta contra os Talibã, os quais jamais partilharam o poder com os vindos do norte do país.
No momento, como mostra a experiência do governo Karzai, é impossível falar sobre unidade afegã sem a inclusão das minorias nacionais e religiosas. Se se criarem determinadas circunstâncias, os eleitores da Aliança do Norte podem vira a apoiar Sayyaf, se não surgir rivais significativos. O ministro de Assuntos Exteriores Zalmai Rassoul; o liberal Ashraf Ghani; Qayum Karzai, irmão do atual presidente, todos concorrem e têm esperanças de ser eleitos. A questão é definir os principais patrocinadores, inclusive os que vivem no exterior.
Washington não exclui que a repetição do cenário da Síria, causado pela retirada da OTAN do Afeganistão, pode resultar em vantagem estratégica a favor de seus interesses. O caos controlado é método conhecido e testado. Uma possível guerra no Afeganistão permitirá aos norte-americanos controlar os uigures da Região Autônoma de Xinjiang; manter a instabilidade nas vizinhanças das fronteiras do Irã; e exacerbar as relações entre Índia e Paquistão. E os EUA terão base a partir da qual pressionar contra a Ásia Central. A partir de 2014, o Afeganistão deve converter-se em grave problema de segurança para a Rússia…
Com seus aliados – membros da Organização do Tratado de Segurança Coletiva [ing. Collective Security Treaty Organization (CSTO)] – a Rússia planeja, em ritmo de urgência, medidas de segurança que, de fato, já deveria ter tomado há muito tempo. No final de setembro, houve uma reunião da CSTO em Sochi, prévia à grande conferência, na qual a Rússia foi eleita para a presidência da organização, também antes do previsto. Presidentes da Rússia, Bielorrússia, Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão conversaram sobre passos práticos pelos quais enfrentar os aspectos principais do problema de segurança. Si vis pacem, para bellum (Se quer paz, prepare-se para a guerra).
Dia 1/10/2013, a Câmara Baixa do Tadjiquistão ratificou um acordo sobre o status da 201ª base militar russa. Assinado em 5/10/2012, em alto nível, o acordo da base militar russa tem vigência até 2042. Com as forças tadjiques, a base garantirá a segurança do Tajiquistão. A Rússia já começou a transferência ao país, de um pacote de $200 milhões de ajuda militar. Equipamentos para a força aérea e outros materiais de guerra serão transferidos gratuitamente para as forças armadas tadjiques.
Segundo os especialistas, há passos a serem empreendidos com urgência; por exemplo, o deslocamento de guardas russos de fronteira para cobrir os quase 1.500km de fronteira entre Afeganistão e Tadjiquistão, hoje protegidos por apenas 16 mil guardas tadjiques. De modo algum as autoridades tadjiques conseguirão enfrentar sozinhas o problema dos refugiados e das gangues armadas. Há oito anos, os guardas russos de fronteira deixaram a área, onde permaneceram apenas algumas poucas dúzias de fortes grupos operacionais. Desde então, a situação só piorou. Novos pontos de confronto surgiram ao longo da fronteira tadjique, os extremistas ganharam influência, o número de campos de treinamento para militantes vindos dos países membros da CSTO só fez aumentar.
Falando na reunião de Sochi da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, o presidente do Tadjiquistão Emomalii Rahmon pediu esforços combinados para reforçar a fronteira afegã. Muitos políticos e militares russos apóiam a ideia de enviar soldados russos de fronteira, de volta para o Tadjiquistão. Mas Nikolay Bordyuzha, secretário-geral da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, opôs-se à ideia. Para ele, o Tadjiquistão precisa de ajuda para treinar e dar melhor qualificação técnica às próprias forças de fronteira, incluindo combate em área de alta montanha e entrega de novos equipamentos.
O acordo da parceria EUA-Afeganistão hoje vigente deve deixar nove prédios-instalações militares no Afeganistão, mantendo a capacidade de resposta de emergência, e de socorrer as forças do governo afegão, no caso de a situação agravar-se repentinamente. As demais forças militares devem permanecer em Kabul, Mazari Sharif, Jalalabad, Gardez, na base aérea Bagram e nas províncias de Kandahar, Helmand e Herat.
Nessa lista falta a cidade de Kunduz, no norte, capital da província de Kunduz, junto à fronteira tadjique, apesar de ser essa a primeira área de maior população cuja segurança já foi transferida para as forças afegãs.
Da cerimônia de transferência, realizada há pouco tempo, participaram o ministro da Defesa alemão e outras autoridades. Kunduz tem lugar importante na história das forças armadas alemãs. Durante 10 anos, cerca de 20 mil soldados da Bundeswehr lutaram ali. Em nenhum outro momento ou lugar do mundo, desde os dias da 2ª Guerra Mundial, morreram mais militares alemães que ali, em Kunduz.
Os parlamentos russos e do Quirguistão ratificaram o acordo de status na base aérea russa em Kant. Os militares russos ali ficarão por, no mínimo, mais 20 anos. A Rússia reformará as instalações, para convertê-las em efetivo posto avançado da Organização do Tratado de Segurança Coletiva na Ásia Central, uma presença com a qual contar. Hoje, a base hospeda bombardeiros de combate SU-24; aviões de ataque SU-25; combatentes de elite SU-27 SM e um grupo de helicópteros. Forças de terra e ar do Quirguistão e do Tadjiquistão iniciaram exercícios militares conjuntos no dia seguinte ao encerramento da reunião dia 24/9. (…)
Claro, Astana, capital do Cazaquistão, está longe do Afeganistão; mas mesmo assim há preocupação sobre a possibilidade de a desestabilização afetar a Ásia Central. O Cazaquistão apóia a assistência ao Tadjiquistão e ao Quirguistão, porque atende também seus próprios interesses de segurança nacional. Vale também como defesa coletiva do espaço aéreo da Ásia Central, fortalecimento das capacidades das Forças Coletivas, também para o combate contra o tráfico de drogas.
Não têm havido confrontos sangrentos no território da República do Cazaquistão, enquanto o Uzbequistão, que se separou da Organização do Tratado de Segurança Coletiva há algum tempo, tornou-se alvo preferencial dos terroristas. O país mantém um acordo de parceria estratégica com Astana. Mas o Cazaquistão é membro da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, e o Uzbequistão empenha-se em melhorar o relacionamento com os EUA.
Até há algum tempo, o relacionamento EUA-Uzbequistão parecia estar piorando. A Casa Branca condenou o governo pela repressão contra os protestos em Andijan em 2005. O rompimento parecia inevitável. Agora, Washington restaurou as relações com Islam Karimov, considerando a opção de deixar algumas unidades militares em solo uzbeque, depois de retiradas do Afeganistão. Muita conversa sobre valores democráticos, direitos humanos e a perseguição a opositores do governo no Uzbequistão nada vale, de fato, se comparada ao desejo de Washington, de preservar sua presença militar na Ásia Central.
Os EUA dependem do Uzbequistão para manter uma plataforma a partir da qual manter sua influência no Afeganistão e influir o processo da integração de Rússia e Ásia Central. Em todos os casos, Tashkent será recompensada por garantias dos EUA e suprimentos de armas ocidentais, como paga por manter-se afastada da Organização do Tratado de Segurança Coletiva. O Uzbequistão está sob embargo de armas dos EUA e da Europa Ocidental, mas nem isso paralisou o governo uzbeque.
O governo uzbeque apresentou à OTAN um pedido para que o equipamento e as armas usadas no Afeganistão sejam deixados no país. Tashkent tem esperanças de que os EUA apoiarão o pedido de dar aos uzbeques posição privilegiada na parte norte do Afeganistão, onde a população é constituída, na maioria, de uzbeques étnicos.
O Uzbequistão tem experiência na posição de “aliado chave” dos EUA na Ásia Central; é difícil prever quanto tempo durará a amizade dessa vez, tanto quanto é difícil prever se os EUA realmente partirão do Afeganistão sem deixar lá qualquer ‘presença’.
As insinuações sobre a OTAN retirar-se antes do início da “temporada de combates” na primavera de 2014 são como um balão de ensaio para testar reações, inclusive a resposta da Rússia.
A Federação Russa prefere não esperar pela retirada da ISAF liderada pelos EUA; esperam-se para os próximos meses os primeiros raids-testes partidos do território afegão.
O Quênia, por exemplo, onde militantes perpetraram um sangrento massacre, não é incidente isolado, é uma tendência. A intervenção militar dos EUA sob o pretexto de “combater o terrorismo internacional” não levou a paz alguma. O Afeganistão é, hoje, um dos estados mais vulneráveis do mundo. Mais uma vez, e sempre e sempre, colhemos os frutos da dominação militar pelos EUA.
Nessas circunstâncias, a Rússia tem de assumir uma missão global e usar uma abordagem pelo sul, para conter o cenário que os EUA patrocinam. Cabe aos russos estimular uma “transição no Oriente Médio, do eixo da instabilidade para o eixo da liberdade.”
[1] 6/10/2013, http://www.news.com.au/world/ex-al-qaeda-ally-abdul-rasoul-sayya-to-contest-race-to-be-afghan-president/story-fndir2ev-1226733871376
Publicado em 7/10/2013, Nikolai BOBKIN, Strategic Culture
http://www.strategic-culture.org/news/2013/10/07/afghanistan-and-its-future-i.html
Traduzido pelo coletivo Vila Vudu.