Exame crítico da teoria da financeirização Parte 2

Exame crítico da teoria da financeirização Parte 3

Introdução
Para ser justo com a historiografia da ciência econômica e com a tradição brasileira de crítica da economia política, este artigo deveria se concentrar nos textos de José Carlos Braga. Pois, já em 1985, em sua tese de doutorado (1985), ele desenvolveu uma compreensão abrangente da financeirização tendo em mente apreender certas características importantes do capitalismo emergente ao fim do século XX. Entretanto, para enfatizar uma divergência crucial na apreensão desse fenômeno no interior do marxismo, este escrito se debruçará sobre a compreensão de financeirização de François Chesnais. Como ficará claro ao final, Braga, ao tratar da dominação financeira como característica central do capitalismo contemporâneo, suprime a centralidade da formação do valor – e, assim, do fetichismo e da opressão – como questão de fundo que condiciona e determina a compreensão desse problema como um todo. Ora, a divergência para a qual este artigo se volta não só pressupõe essa centralidade, mas a considera mesmo como crucial.
Chesnais, como se sabe, ao longo das últimas duas décadas, tem produzido reiteradas análises sobre o que ele mesmo vem denominando de mundialização do capital. Entretanto, este comentário crítico se voltará para as teses contidas num texto seminal de sua autoria, cuja tradução foi publicada no Brasil já há algum tempo – o original, em francês, é do ano anterior. Trata-se do artigo intitulado O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos (2005). Ainda que as teses aí contidas tenham sido retomadas pelo próprio autor numa perspectiva mais rigorosa –este marxista francês, mais recentemente, reexaminou as suas concepções em outro texto igualmente seminal –, são representativas de um tipo de compreensão da financeirização que merece receber certa crítica –ainda que não uma crítica total. O artigo mais recente de Chesnais em que aperfeiçoa a sua compreensão da financeirização chama-se A proeminência da finança no seio do ‘capital em geral’, o capital fictício e o movimento contemporâneo de mundialização do capital (2010).
Na seção que se segue debruça-se sobre o artigo mencionado com o fim de apresentar em grandes traços a sua concepção de financeirização. Aí se mostra que a sua análise do fenômeno está ancorada na ideia de que o capital financeiro deve ser condenado com um mal maior porque ele parasita o capital industrial e rebaixa as perspectivas de crescimento da economia capitalista. Na seção seguinte, acompanhando em grandes traços a apresentação de Marx das formas do capital na produção e na circulação, procura-se expor uma tese bem diversa. Sustenta-se aí que a financeirização não é um desenvolvimento historicamente anômalo do processo de acumulação, mas sim, que vem a ser um resultado necessário e funcional do próprio desenvolvimento da relação de capital. Para tanto, mostra-se como Marx apreende o capital como totalidade que se compõem de capitais particulares em permanente processo de concorrência. Argumenta-se, na última seção, em favor de uma tese polêmica: admite-se, primeiro, que a forma financeira do capital (isto é, D – D’), depois de um longo período em que a forma industrial e comercial do capital (isto é, D – M –D’) comanda o processo de acumulação e depois do hiato do começo do século XX em que essa condução  é contraditada, emerge finalmente no século XXI como proeminente; diante desse fato histórico, considera-se, então, que essa emergência não é fortuita, pois ela está de acordo com o próprio conceito de capital. Pois, a forma financeira, por um lado, realiza plenamente o fetichismo inerente ao conceito de capital e, por outro, socializa a propriedade privada no grau mais elevado. Posto isto, o artigo reencontra ao final a tese de Braga –porém, não sem visá-la numa perspectiva crítica.

A tese canônica
Ao tratar da financeirização, Chesnais considera o capitalismo não só como um sistema fracionado em estados nacionais, mas em sua configuração mundializada. 2 [rodapé2: 2O autor do presente artigo resenhou A finança mundializada logo depois que este livro saiu do prelo (Prado, 2006). Ao reler agora os comentários que fez no passado, o autor considera que eles, ainda que bem sucintos e insuficientes, estavam basicamente corretos. Ela foi discutida, aprovada e criticada por vários autores: Teixeira (2007), Ramalho da Silva (2009), Guimarães (2013).] Para compreendê-lo conceitualmente parte de uma contraposição entre o capital industrial, caracterizado sinteticamente pelo circuito D –M… P… M’ –D’, e o capital financeiro, indicado de modo igualmente abreviado pelo circuito D –D’. Da perspectiva histórica, em seu modo de existência atual, o primeiro se manifesta especialmente por meio dos “grupos industriais transnacionais”, os quais organizam a produção de mercadorias em escala global visando lucros e sempre mais lucros; para tanto, efetiva em escala crescente a subsunção direta ou indireta dos trabalhadores assalariados que produzem de fato valor e mais-valia. Já o segundo se manifesta por meio de instituições financeiras, bancárias e não bancárias, que organizam nacional e internacionalmente a alocação de capitais nas atividades produtivas e improdutivas tendo por meta “fazer dinheiro sem sair da esfera financeira” (Chesnais, 2005, p. 35). Ou seja, os grupos industriais operam na produção de mercadorias correntes e as instituições financeiras operam nas compras e vendas de direitos, títulos, ações, seguros, etc. visando à obtenção de juros, bônus,  dividendos, etc.
Chesnais usa o termo capital financeiro para designar todas as formas do capital que podem ser abarcadas pela categoria capital portador de juros, a qual aparece no livro terceiro de O Capital. Dito de outro modo, capital financeiro assim definido assinala as formas do capital em que este se torna mercadoria, ou seja, realiza-se numa transação que o proprietário vende para outrem apenas o valor de uso do capital, ou seja, a sua capacidade de valorização na esfera da produção – ou mesmo fora dela. O capital na forma de mercadoria, isto é, como mercadoria-capital, não muda de dono, mas apenas de mãos. Sem que a sua propriedade seja transferida, ele passa das mãos do capitalista financeiro para as mãos, por exemplo, do capitalista industrial que o emprega para adquirir meios de produção ou força de trabalho ou ainda para financiar o estoque de mercadorias prontas para a venda, mas ainda não vendidas. O ‘capital de empréstimo’, que é a forma básica do capital portador de juros, não se configura apenas nas relações mantidas entre as instituições financeiras e os empreendimentos industriais, mas, de modo mais amplo, vem a ser a forma geral da relação das primeiras com as atividades econômicas em geral, incluindo aquelas voltadas para o consumo e para a circulação mercantil.
Chesnais emprega essa denominação, entretanto, com um tom especial porque encara o capital financeiro como o ator principal, aquele que domina todo o desenrolar do processo de acumulação, no capitalismo contemporâneo. Este passara a se desenvolver de modo anômalo a partir da crise dos anos 70, quando deixara de se expandir sob um regime de acumulação industrial (característico da era fordista) para evolver doravante sob um “regime de acumulação patrimonial” ou, o que é o mesmo, sob um “regime de acumulação financeira” (Chesnais, 2005, p. 26). Para explicar, então, a ascensão do capital financeiro à posição dominante, Chesnais, ignorando o caráter de sujeito do capital, responsabiliza apenas a política econômica: o capital financeiro “não foi levado ao lugar que hoje ocupa por um movimento próprio”, mas, de um modo contrário, “foi necessário que os Estados mais poderosos decidissem liberar o movimento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas financeiros” (Chesnais, 2005, p. 35).
A assim chamada mundialização financeira, segundo ele, ocorreu em virtude de decisões estratégicas imperiais das grandes potências que visavam tão somente controlar e dominar a circulação internacional do capital em seu próprio proveito. Elas atuaram com o propósito de desregular a emissão de dinheiro papel sem lastro e a ampliação do crédito, de minimizar a compartimentação dos mercados de financeiros nacionais e de ampliar os canais de financiamento para além do bancário. Essa última meta implicou no que foi chamado de desintermediação financeira já que tirou dos bancos o monopólio das operações de empréstimo e de captação de recursos nos mercados de capitais.
Segundo Chesnais, o capital financeiro e o capital industrial seguem lógicas de acumulação distintas entre si e, quando o primeiro vem subordinar o segundo no curso da história, ele afeta negativamente “o nível e o ritmo da acumulação e, assim, o desempenho da economia mundial” (Chesnais, 2005, p. 29). À medida que a finança punciona fortemente a mais – valia real gerada na esfera da produção, não permite–segundo ele –que a massa de lucros aí gerada seja aplicada na ampliação da capacidade, o que rebaixa o próprio nível da produção de valores de uso. Marx escreveu em sua obra máxima que o capital é inerentemente um processo acumulativo insaciável: “o valor de uso” – disse ele – “nunca deve ser tratado, portanto, como meta imediata do capitalismo; tampouco o lucro isolado, mas apenas o incessante movimento do ganho” (Marx, 1983 A, p. 129). Chesnais, no entanto, distinguindo entre capital comprometido e não comprometido com a produção propriamente dita, considerou que o capitalismo contemporâneo está marcado, de modo indelével, pela “insaciabilidade da finança”.
Nesse sentido, Chesnais faz uma distinção forte entre os regimes de acumulação com dominação industrial e com dominação financeira. O primeiro prevalecera impávido do final da II Grande Guerra até quase o final dos anos 60; depois de um período de crise e estagflação nos anos 70, na virada para a década seguinte, o segundo veio predominar como forma de acumulação capitalista. Com base nela, chega a afirmar grosseiramente que “o capital portador de juros ressurgiu no início dos anos 80” (Chesnais, 2005, p. 36), para vir a dominar a produção de mercadorias.
Por acumulação industrial, ele visa, obviamente, aquela que se dá na produção de mercadorias correntes, com base na reprodução de valor e na geração de mais-valia. Por acumulação financeira, ele entende aquela que se desenvolve fora da “produção de bens e serviços”, ainda que não necessariamente em desconexão com a atividade produtiva. As instituições bancárias e não bancárias que constituem e organizam a circulação dos capitais como mercadorias colhem aí os seus recursos que se apresentam de início na forma monetária; elas centralizam os lucros industriais não aplicados no aumento da capacidade produtiva e as rendas pessoais não consumidas pelas famílias, procurando valorizá-las por meio da aplicação em títulos financeiros.
Como consequência da desregulação– que, de fato, consistiu em uma nova regulação de caráter liberalizante – das formas de circulação do capital levada a efeito no período acima referido, a esfera financeira experimentou um crescimento exponencial e se tornou enfaticamente mundial. Aí, na esfera da economia globalizada, passaram a circular em nível crescente e de modo pouco controlado, diversas formas de capital portador de juros: obrigações decorrentes de empréstimos, ações, títulos da
dívida pública, quotas de fundos, opções, etc.
Segundo Chesnais, a observada exacerbação da finança decorreu de um processo de fuga para frente do capital em face da crise e da estagflação ocorrida nos anos 70, ou seja, teve “por origem o esgotamento progressivo dos padrões de consumo e a baixa rentabilidade dos investimentos industriais” (Chesnais, 2005, p. 38, nota 4)3 [rodapé 3: Outros autores marxistas sustentam também essa tese, a qual contém certo grau de veracidade; mas ela não pode ser tomada como central para explicar a financeirização. Ver, por exemplo, Norfield (2012)]. Essa posição, entretanto, foi contesta por Bryan e Rafferty (2012).
Segundo Chesnais, o capital financeiro e o capital industrial –ele chega a chamá-los por seus nomes comuns por meio dos quais são reconhecidos na aparência do modo de produção, ou seja, finança e indústria, respectivamente–estão em relação de exterioridade. Não se encontram, porém, em isolamento um do outro porque o primeiro “penetra” nos circuitos do segundo para extrair parte do  excedente aí produzido e, ao fazê-lo, muda em parte a sua própria lógica de desenvolvimento. Ora, este modo de pensar, segundo ele, é clássico já que “a aproximação entre a ‘finança’ e a ‘indústria’ foi pensada há muito tempo no contexto da ‘interpenetração’ desenvolvida por Hilferding” em O capital financeiro (1985). Ficando no plano das figuras fenomênicas, procura mostrar então que essa exterioridade se manifesta de dupla forma: por um lado, pela distinção entre os capitalistas ativos, isto é, os empresários que se empenham na produção, e os capitalistas passivos que administram apenas as próprias finanças, isto é, os rentistas; por outro, pela diferenciação entre os acionistas, isto é, os proprietários formais dos ativos produtivos, e os administradores, isto é, aqueles que se ocupam da gerência efetiva das fábricas, fazendas, casas comerciais, etc. De qualquer forma, segundo ele ainda, a finança põe “um olhar fortemente externo” sobre a atividade produtiva; pois, as decisões tomadas no âmbito dessa última, no regime de produção financeirizado, encontram-se “subordinadas aos imperativos do capital portador de juros” (Chesnais, 2005, p. 52-53).
A separação entre capital financeiro e capital industrial, seguindo essa linha de raciocínio, permite que seja divisada também uma distinção bem forte no seio das classes dominantes do modo de produção capitalista. E estas se configuram com base na forma da propriedade detida pelos sujeitos econômicos. A estrutura de relações sociais do modo de produção capitalista permite pensar, assim, na oposição entre duas frações burguesas, uma ativa e outra passiva, com base na oposição entre a propriedade dos meios de produção e a propriedade  estritamente patrimonial. No capitalismo contemporâneo, segundo Chesnais, tornou-se proeminente “uma configuração específica de propriedade capitalista, a saber, a propriedade patrimonial” (Chesnais, 2005, p. 48). E, com ela, passaram  a se destacar e a se sobrepor na estrutura de classes aqueles que se distinguem por serem proprietários de ações, títulos do governo, derivativos em geral, etc. e que se caracterizam por sua “posição de exterioridade em relação à produção”.
Considerando que “patrimônio designa uma propriedade mobiliária ou imobiliária que foi acumulada e dirigida para o ‘rendimento’” – e não especificamente para a produção –, Chesnais julga então perfeitamente adequado usar o termo “rentista” do mesmo modo que fora empregado por Keynes na Teoria Geral. Aí, este autor chamara dos aqueles que em princípio obtêm os seus ganhos apenas com base em títulos de propriedade. Se, em O Capital, o termo renda designa o proveito próprio do proprietário de terra (que, aliás, em si mesma, não é capital), aqui ele passa a abranger também o rendimento do proprietário de títulos de capitalque sempre prometem uma renda futura. “Os capitalistas financeiros partilham com os proprietários fundiários, que não cultivam, mas confiam a gestão de suas terras a fazendeiros, o traço rentista que consiste em se pôr em posição de exterioridade à produção” (Chesnais, 2005, p. 53). “A propriedade patrimonial cria [tanto] direitos a rendas sob a forma de aluguéis (…) do solo (urbano e rural), [quanto] fluxos de rendas relacionados às aplicações” nos mercados de capitais em geral (Chesnais, 2005, p. 50).
A justificativa para a “eutanásia do rentismo” – ou seja, a manutenção da taxa de juros em nível bem baixo –, tal como fora propugnada por Keynes em sua obra mais importante(a saber, a Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro), encontra-se justamente no fato de os proprietários patrimonialistasção de mercadorias.“Está-se diante de uma lógica econômica em que o dinheiro entesourado adquire, em virtude de mecanismos do mercado secundário de títulos e da liquidez, a propriedade ‘miraculosa’de gerar’. O ‘capitalismo’ patrimonial é aquele em que o entesouramento estéril (…) cede lugar àquele do mercado financeiro dotado da capacidade mágica de transformar o dinheiro em um valor que ‘produz’ mais valor.” (Chesnais, 2005, p. 50). Se Keynes estava preocupado com a estabilidade e mesmo a sobrevivência do capitalismo diante da competição geopolítica com o sistema soviético nas décadas de 30 e 40 do século XX, Chesnais, evidentemente, pensa diretamente nas Consequências da financeirização para a classe trabalhadora no século XXI. À medida que as imposições da finança corporativa sobre a gerência dos empreendimentos maximizamos ganhos dos acionistas, elas minimizam supostamentes ganhos dos trabalhadores: “os assalariados for amas verdadeiras vítimas da chegada ao comando do sistema econômico] dos proprietários acionistas ” (Chesnais, 2005, p. 55).
Ademais, o regime de acumulação em que a finança domina tendeu a produzir, segundo Chesnais, um crescimento mundial muito lento no centro do sistema, o que se tornou evidentemente desfavorável para os trabalhadores melhor encaixados no modo de produção capitalista. Nesse sentido, ele aponta que as melhoras em termos de crescimento econômico, emprego e bem estar, as quais adviriam como consequências das reformas neoliberais, não se realizaram. Ao contrário, permaneceram como meras promessas: “medido pelas performances macroeconômicas e pelos indicadores de desenvolvimentos mundiais, o balanço da liberalização é desfavorável se não desastroso” (Chesnais, 2005, p. 56). Por outro lado, o avanço do neoliberalismo produziu um “grande salto na concentração de riqueza” e, nessa perspectiva, ele “atingiu plenamente os seus objetivos” (Chesnais, 2005, p. 57).
Nesse sentido, o neoliberalismo (entendido como sinônimo de regime de acumulação financeira) tende a produzir uma constante deterioração do bem estar da classe trabalhadora, mesmo se parte do aumento de produtividade vem a ser incorporado nos salários reais daqueles que se mantêm empregados. O capitalismo keynesiano, segundo Chesnais, mesmo mantendo a contradição entre os proprietários dos meios de produção e os proprietários da força de trabalho, foi capaz de grande dinamismo no processo de acumulação –um dinamismo, entretanto, que sempre foi contrariado temporariamente pelas crises de lucratividade e de realização. Para mostrar que este era um capitalismo moderado, ele então acolhe a tese de que as estratégicas oligopolistas e as políticas anticíclicas foram capazes de conter os efeitos mais perversos das recessões e das crises.
Já o capitalismo neoliberal traz consigo um “processo antagônico suplementar” que torna a vida social muito mais difícil e mais dramática. Pois, nele se combinam a “acumulação branda” e a “insaciabilidade da finança”. Ao mesmo tempo em que surge uma tendência ao rebaixamento da taxa de acumulação, sobrevém também “a propensão do capital portador de juros para demandar da economia ‘mais do que ela pode dar’” (Chesnais, 2005, p. 63). A consequência da ‘ditadura’ imposta pelos mercados financeiros é a crescente subordinação de tudo e de todos aos imperativos da concorrência mercantil e da acumulação de capital, as quais caracterizam o sistema econômico como um todo. Nesse processo geral de degradação da vida em sociedade –caracterizada pela mercantilização de todas as esferas e pela imposição sem limites de uma temporalidade acelerada em todas as atividades –, a classe trabalhadora vem a ser a mais sacrificada. E isto se reflete e tem de se refletir em muitos indicadores, entre eles aqueles que medem a concentração da renda e da riqueza.
A financeirização não podia ter vindo sem que viessem com ela as bolhas de crédito e as crises financeiras. “A raiz das crises financeiras” –diz Chesnais –“mas também (…) da fragilidade sistêmica encontra-se no volume extremamente elevado dos créditos sobre a produção futura que os possuidores de ativos financeiros consideram poder pretender, assim como na ‘corrida por resultados’ que os administradores dos fundos de pensão e de aplicação financeira devem praticar” (Chesnais, 2005, p. 62). Escrevendo em 2005, ele indicou que o futuro do capitalismo mostrar-se-ia necessariamente tormentoso enquanto vigorasse um regime de acumulação dominado pelas finanças. A exacerbação financeira não deixaria de produzir pequenas, médias e grandes crises porque ela própria consiste na tentativa permanente de levar o sistema a superar os seus dados limites.
De certo modo, ele previu assim, como possibilidade real, a crise de grande intensidade que irrompeu em 2008 –três anos depois da publicação do livro – no centro do sistema (na economia norte-americana e na economia europeia) e que se mostrou como a mais grave do capitalismo desde a grande crise de 1929. Ora, o futuro divisado não podia mudar se não mudassem as relações sociais implícitas no domínio das finanças. Mas, por um lado, escreveu ele, “a propriedade patrimonial apoia-se em nteresses muito poderosos que estão determinados a assegurar a sua perenidade” (Chesnais, 2005, p. 65). Por outro –e isto faz sentido diante do modo pelo qual apreende a financeirização–, contemplou também a possibilidade de que essa situação pudesse ser revertida historicamente: “será necessária uma quebra de outra amplitude para que o capital seja enfraquecido a ponto de recuar como precisou fazer em 1936, por ocasião do New Deal” (Chesnais, 2005, p. 64). Desse modo, acreditou sempre na possibilidade da volta do predomínio da lógica inerente ao capital industrial, por meio do retorno da assim chamada repressão financeira, a qual caracterizara o capitalismo no pós-guerra, ou seja, no regresso do keynesianismo tingido pela socialdemocracia.