Alta dos juros vai na contramão do enfrentamento da crise internacional
Criticada por representantes dos trabalhadores e dos setores produtivos, a sexta alta seguida da taxa básica de juros só contribui para enriquecer o setor financeiro parasitário, que pouco contribui para a economia e vive dos rendimentos dos juros. De resto, o aumento prejudica a economia e coloca em evidência o sentido contrário em que vão o Banco Central de Alexandre Tombini, e as demandas da sociedade.
Para a economista Patrícia Pelatieri, diretora-executiva do Dieese, a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) volta a colocar o país “na contramão de toda política monetária internacional”. “O Brasil vive uma contradição. Com a recuperação global ainda lenta e a incerteza em patamares muito relevantes, um dos únicos caminhos possíveis para o país manter o crescimento seria o aumento do investimento público, que puxaria também o investimento privado. Mas nós estamos trilhando o caminho contrário”, argumenta, referindo-se ao fato dos juros retraírem os investimentos. Com juros altos, é melhor deixar o capital rendendo nos bancos, em vez de gastar em investimentos inseguros em tempos de crise.
Patrícia argumenta que o aumento reforça uma postura de “utilizar novamente a compressão da atividade econômica para, supostamente, combater a inflação”. Ela afirma que a medida afetará gradualmente as contas públicas, a demanda e os investimentos na economia brasileira, já que estimula o deslocamento de inversões produtivas para especulativas.
“Cada ponto percentual a mais na taxa de juros significa uma elevação com gastos dos juros da dívida para o governo federal na ordem de R$ 26 bilhões. Essa é a sexta alta da Selic, em que ela chega a 10%. Se em abril, quando começou o processo de alta, ela estava em 7,25%, significa que a despesa com os juros da dívida em 2013 aumentou em R$ 72 bilhões”, observa.
A soma do valor das medidas de desoneração para incentivar a produção e o crescimento econômico, previstas para este ano, alcança a casa dos R$ 70 bilhões. Apesar disso, a quantia investida não é suficiente para superar a perda provocada pelos juros da dívida pública.
Em seu comentário na Rádio Brasil Atual, ela explica que a medida não é eficaz para combater a inflação e afirma que “trata-se de uma tentativa do governo em eliminar qualquer onda de pessimismo em relação à economia brasileira, atendendo aos interesses e à pressão do mercado”. Os setores financeiros utilizam-se da mídia corporativa para tensionar o governo, criando pânico inflacionário inexistente, como no episódio da inflação do tomate, que não passava de uma sazonalidade, apesar da histeria criada.
Na avaliação de economistas, o Comitê de Política Monetária abriu a possibilidade de moderar a alta dos juros daqui para a frente, ao excluir do texto do comunicado da medida a preocupação com a inflação do próximo ano. Sumiu do texto uma afirmação repetida nos quatro comunicados anteriores de altas de 0,5 ponto percentual: “O Comitê avalia que essa decisão contribuirá para colocar a inflação em declínio e assegurar que essa tendência persista no próximo ano”.
Indesejados dois dígitos
Depois de 20 meses, os juros brasileiros, os mais altos entre as principais economias do mundo, voltam ao patamar de dois dígitos. Ontem, o Copom elevou a Selic a 10%. A taxa básica de juros subiu meio ponto em comparação à reunião anterior e chegou aos dois dígitos pela primeira vez desde janeiro de 2012, quando alcançou 10,5%. São os juros mais altos entre as grandes economias globais.
A alta já era esperada pelo mercado financeiro devido à linha de atuação que o Banco Central tem adotado desde abril. À ocasião a taxa estava em 7,5%, menor patamar da história, mas as sucessivas altas ampliaram os ganhos de quem aplica no mercado financeiro e dificultaram a vida dos trabalhadores, que sofrem com crédito mais caro.
Significado político
Por outro lado, avalia-se que o novo patamar da taxa tem o significado político de prenunciar o fim de um dos trunfos do governo Dilma Rousseff. Sob a administração da presidente, a Selic atingiu seu menor percentual desde que foi criada, em 1986 –os 7,25% anuais, de outubro do ano passado a abril deste ano.
Promovida na tentativa de reanimar o consumo e o investimento, a queda da taxa foi apresentada como um feito da nova orientação da política econômica, mais próxima das teses desenvolvimentistas da esquerda nacional.
O juro real, ou seja, acima da inflação, chegou a cair abaixo dos 2% anuais, meta fixada extraoficialmente no início do mandato de Dilma.
Os ganhos para as contas públicas ficaram muito abaixo do esperado pela equipe econômica de Dilma. Mesmo quando a Selic estava no piso histórico, as despesas do governo com sua dívida continuaram altas. Os gastos com juros caíram ao equivalente a 4,8% do Produto Interno Bruto, não muito abaixo dos 5,2% do último ano do governo Lula, encerrado com Selic de 10,75%. Isso, porque o Governo criou novos custos financeiros ao se endividar no mercado para injetar dinheiro nos bancos públicos e elevar a oferta de crédito.
Com as projeções que se fazem, Dilma corre o risco de encerrar seu mandato com uma taxa de juros superior à herdada de Lula.
Fiesp e Ciesp
O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, disse que o novo aumento é um erro, pois em 2013, enquanto os países emergentes devem registrar, em média, um crescimento de 4,5%, o Brasil registrará um crescimento próximo de 2,5%.”Isso é muito menos do que precisamos”.
“Essa política econômica já não funciona mais. Se queremos resultados diferentes, precisamos fazer diferente. O Brasil precisa de um novo foco na política econômica: maior controle dos gastos, mais investimento público, mais concessões e menores taxas de juros”, completa ele.
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
Para a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) o retorno da Selic aos dois dígitos “dificultará ainda mais a retomada do crescimento doméstico, principalmente se levada em consideração a perspectiva de redução da liquidez internacional em um horizonte próximo, quando o aumento do diferencial de juros exigirá novos aumentos dos juros básicos brasileiros”, disse a instituição em nota
Confederação Nacional da Indústria
Para a CNI (Confederação Nacional da Indústria) a alta inibirá a expansão dos investimentos privados. Destaca, ainda, que os reflexos da elevação dos juros sobre o comportamento da inflação são defasados, ocorrendo somente no início de 2014.
Reconhece, contudo, que o Copom deve continuar monitorando o processo inflacionário. “A desaceleração nos preços dos alimentos tem fatores sazonais. Eventuais choques de oferta podem reverter essa trajetória. Além disso, o fim do efeito das desonerações realizadas em 2013 sobre os índices tende a pressionar os preços administrados”, destaca.
Trabalhadores
Em nota, a Contraf-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro) também criticou a decisão do Copom. “O Copom mostra que é surdo, pois não ouviu o clamor das centrais sindicais que ontem mobilizaram 3 mil trabalhadores em frente ao Banco Central e cobraram menos juros e mais emprego”, afirma Carlos Cordeiro, presidente da confederação.
Para ele, “não há nenhuma justificativa plausível para elevar os juros. O Copom mais uma vez cedeu às pressões do mercado financeiro e dos especuladores”, critica. Na visão da confederação, a inflação está controlada e o câmbio, estável, o que não serve de argumento para a alta da Selic.
Federação do Comércio de Bens Serviços e Turismo do Estado de SP
Para a Fecomércio (Federação do Comércio de Bens Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) a decisão do Copom foi necessária para o combate da inflação, mesmo ponderando que o juro real ser elevado diante do fraco desempenho econômico.
O atual nível da Selic representa juro real de 4,25% — a inflação acumulada pelo IPCA é de 5,5%. Apesar de o juro real ser elevado diante do fraco desempenho econômico, a FecomercioSP entende que a decisão do Copom foi necessária para o combate da inflação.
ACSP e Facesp
Já o presidente da ACSP (Associação Comercial de São Paulo) e da Facesp (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo), Rogério Amato, diz que a alta terá implicações negativas para as atividades econômicas, cujo ritmo vem desacelerando nos últimos meses. “É preciso maior clareza e rigor da política fiscal, para que o Banco Central possa interromper a elevação da taxa de juros nos próximos meses”.