Política selvagem
O leão estava para morrer e a bicharada se agitava em torno da sucessão.
O problema das monarquias é que toda sucessão envolve golpes baixos, disputas desonestas, intrigas de bastidores, traições de todo tipo, velhacarias e, algumas vezes, revoluções.
Não foi diferente.
Os coiotes e as hienas se uniram para forçar a criação de um conselho transitório, até que o antigo ocupante do trono estivesse devidamente morto, frio e devorado. Caberia a esse conselho também determinar as regras do processo sucessório e coroar o novo ocupante do acento real. Porém, essa tese não vingou pelos muitos motivos que a política monárquica, sempre cheia de coiotes, em sua lógica de disputas rasteiras pelos altos postos, comporta.
Os felinos nobres lançaram a consigna do parlamentarismo bicameral: a câmara dos deputados ficaria para leopardos e onças, o senado, para tigres; aos leões, livres para decidirem entre si, permaneceria o privilégio da coroa.
Aproveitando da barafunda, os orangotangos tentaram um golpe animal, mas não obtiveram sucesso, pois não conseguiram ir além do uga-uga de grande efeito entre correligionários, mas incompreensível para os demais membros da bichada sociedade.
Entrementes, os passarinhos, coelhos, pacas e demais bichos, cansados de ser repasto de feras, passaram a realizar assembléias secretas, a divulgar folhetos subversivos e a tramar a instauração de um novo regime sem predadores, sendo, por isso, acusados de conspiração contra a ordem natural.
O velho leão acabou morrendo mesmo e, preocupados com a revolta dos zé-bichinhos, os animais superiores, em dentes e patas, empossaram sem maiores delongas o sucessor direto, com a missão de sufocar a intentona, que já se alastrava sob a insidiosa consigna: “Caça escondida jamais será comida”.
Moral da história: Enquanto os debaixo não se metem em política, a ordem dos de cima não corre o risco de se tornar vegetariana.
*Jeosafá Fernandez Gonçalvez é escritor