JABBOUR, Elias. China hoje – Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado. Apresentação de Armen Mamigonian. Prefácio de Domenico Losurdo. 1ª ed. São Paulo/Paraíba: Anita Garibaldi; Fundação Maurício Grabois/ EDUEPB, 2012.

Deve ser saudado com grande entusiasmo o impressionante e exaustivo estudo de Elias Jabbour sobre a China, entregue ao público brasileiro recentemente por uma ótima iniciativa da Fundação Maurício Grabois em conjunto com a Editora Anita Garibaldi e com a Editora da Universidade Estadual da Paraíba. China hoje é um grande livro escrito com rara competência, que garante interesse tanto ao leigo interessado no intrigante “caso chinês” quanto ao especialista nos estudos da melhor tradição marxista. Isso, é claro, sem falar no interesse que desperta nos que são mais afeitos à temática econômica e da geografia política.
Nesta presente abordagem do livro, procuro fundir dialeticamente a perspectiva de homem comum, ou não-especialista, curioso pelo tema à percepção de quem tem alguma familiaridade com a tradição do pensamento marxista. Com isso tento iluminar alguns dos pontos que penso serem mais brilhantes neste belo e abrangente estudo que é China hoje, livro considero de leitura obrigatória para todos aqueles que, de alguma forma, militam em torno das concepções de mundo socialistas e comunistas e que se dedicam a, remando contra a maré, reafirmarem a atualidade de uma filosofia e de uma práxis que sempre foram vitoriosas, ao longo da história em diversos cantos do mundo, no sentido de exprimir desejos e garantir melhorias efetivas no que tange à dignidade humana àqueles que sofrem o capital. Uma filosofia e uma práxis que acreditam, como bem revela o livro em questão, na força de inteligibilidade e de conquista real no campo das necessidades humanas de uma atitude intelectual e política que não se cansa de colocar o homem como centro dos processos filosóficos e de ação sobre a sociedade.
Uma das principais funções do livro de Elias Jabbour é contribuir para a desmistificação para o leitor brasileiro da imagem desse complexo país que é a China atual, uma das maiores potências mundiais, que, em tempos de sucessivas e graves crises do sistema capitalista mundial consegue se manter com altos índices de crescimento, abismando muitos dos analistas ocidentais formados na restritiva agenda liberal de concepção fetichizada da economia e das relações sociais. Para o brasileiro médio, que tem à sua disposição poucas possibilidades de informação além daquelas ligadas à grande mídia, a China é ainda, infelizmente, um gigante desconhecido, cuja descrição jornalística não vai muito além do velho ramerrão liberal que cria a imagem de um mix de dilapidação dos bens naturais, cassação das liberdades individuais, progressiva e irresistível aderência ao capitalismo além de fundamentação econômica em âmbito nacional no trabalho forçado, hiper-precarizado ou mesmo escravo.
Um breve olhar sobre as últimas manchetes disponíveis sobre a China em nossa grande imprensa basta para verificar em que termos gravemente caricaturais aquele país com mais de 1 bilhão de habitantes tem a sua imagem simplificada pela via de uma escolha de pauta ideologicamente interessada, combinada com um absurdo despreparo político-intelectual de grande parte de dos nossos jornalistas. Um breve levantamento dos assuntos das manchetes que tratam do tema China em alguns dos portais de notícias mais famosos do país e revelam que o retrato do país envolve basicamente desastres naturais ou acidentes, as reformas anunciadas pelo Partido Comunista Chinês e, pasmem, uma espécie de noticiário de fait divers tétrico, que beira o show de horrores de conotação exótica. Levando em consideração a constância desses assuntos, e exagerando na nota irônica, diríamos que a China que nos aparece nos jornalões é basicamente um país perigoso, onde acontecem inúmeros desastres, sejam eles naturais ou não. Entretanto, ao que parece, segundo essa mesma caricatura midiática, finalmente, “o país está caindo em si e se tornando capitalista”. Nem por isso, todavia, está deixando de ser culturalmente muito estranho aos olhos ocidentais, para os quais a esquisitice dos chineses é dura de se compreender…
Pois bem, se o cidadão comum convive com esse tipo de abordagem do complexo social, cultural, econômico e natural da China, basta que se leia o Capítulo 5 – “O desenvolvimento e suas faces na China”, do livro de Elias Jabbour para ver em que medida realmente atual aquele país tem conseguido lidar a sério com difíceis dilemas do desenvolvimento, os quais não atingem com menor intensidade as nações capitalistas do centro ou da periferia do sistema. Nesse capítulo, por exemplo, Jabbour mostra com uma infinidade de gráficos e tabelas que apresentam dados detalhados e atualizadíssimos diversos aspectos do que “significa o processo de desenvolvimento da China, do socialismo e de seu projeto nacional” (p.211). Nesse contexto construído pelo autor, destacam-se vários argumentos incontestáveis, porque seguramente amparados em fatos, acerca da sustentabilidade do crescimento econômico chinês amparado em um alto grau de autonomia, garantida pela sua diretriz socialista, conforme lembra o autor de modo reiterado. A esse respeito são muito luminosos os comentários que Elias Jabbour faz acerca dos dados que recolhe sobre a composição e a dinâmica do PIB Chinês entre 1978 e 2007, bem como sobre a contribuição de cada setor da economia ao crescimento chinês, entre os anos de 1990 e 2007. Do cruzamento desses dados, destaco a forma atilada segundo a qual o olhar do nosso autor persegue aquilo que ele mesmo nomeia como a “grande contradição da China contemporânea”, que se encontra no fato de, apesar de 55% da população ainda viver no campo, o setor primário da economia corresponder a apenas 11% do PIB. Por isso, argumenta o autor: “não é à toa que a questão da renda rural ainda é o centro da problemática da governança chinesa e motivo de sucessivas reformas empreendidas pelo governo ao longo dos últimos 30 anos”. Cito o exemplo desses dados e dessa disposição do autor em trabalhar objetivamente com dados que explicam a situação chinesa apenas para demonstrar como é possível, mesmo ao leitor não especialista, adentrar o reino das efetivas contradições da formação social chinesa, deixando de lado certas ilusões e certas legendas próprias da abordagem simplificadora daquele país, seja nos meios da grande imprensa lacaia do grande capital, seja na academia colonizada por uma perspectiva nocivamente liberal.
Ainda neste Capítulo 5 de China hoje, Jabbour articula, sempre amparado em dados preciosos e precisos, as diversas facetas do desenvolvimento e do PIB chinês à “milenar e contemporânea questão regional na China”. Nesse sentido, o olhar crítico e diligente do autor é capaz de funcionalmente argumentar, sempre com o fito de não abandonar o princípio de que, seja em sua análise, seja nas propostas de condução política do país pela atual dirigência do Partido Comunista Chinês, o problema da dignidade humana é central. Segundo Jabbour, a questão do desenvolvimento regional, no caso da China “significa a possibilidade de trânsito de uma grande rede populacional da economia natural para a economia de mercado e dessa ao socialismo. Significa perceber que, apesar da queda extraordinária dos índices de pobreza no país, 83% de sua população que ainda vive abaixo da linha da pobreza residem nas vastidões interioranas do país. Significa enfrentar o desafio de soerguer suas minorias étnicas das raias da pré-história, pois 85% da pobreza extrema do país atingem diretamente essas minorias, o que conforma um problema político e social permanente”.
Entretanto, com seu aguçado olhar de analista muito bem armado com a força de conexão de variados aspectos da formação de uma sociedade, Elias Jabbour não deixa nem a análise do PIB, nem a questão regional desconectarem-se de outro importantíssimo tópico da realidade econômica da China presente neste capítulo 5 que até aqui temos abordado: o dilema ambiental chinês. E nesse âmbito é o olhar contrastivo e crítico de Jabbour, que compara, num excelente parágrafo o discursismo ocidental acerca dos estímulos a uma fantasmática “indústria verde” e a pragmática chinesa de realizar um projeto de renovação das fontes energéticas que é impossível ser desconectado do projeto socialista chinês. É nesses termos que Jabbour enceta a problemática, lembrando por um lado a tibieza norte-americana e por outro o vigor real da iniciativa chinesa.
Há muitos outros assuntos tratados neste capítulo 5 que abarca o desenvolvimento chinês, mas bastam esses exemplos para verificarmos em que medida o livro de Jabbour reage com muita agudeza a alguns dos principais clichês que envolvem a sociedade chinesa. Seu grande mérito neste caso está em perseguir incansavelmente os dados, encarando-os de frente, sem desejar forçar a sua utilização a fim de que caibam em conclusões que estão previamente erigidas. Trata-se ainda de enfrentar questões difíceis do desenvolvimentismo, que, de resto, não são exclusivas do modelo chinês, mas que, é claro, dentro do contexto desse país milenar, possui particularidades muito especiais. No fundo, o melhor dessa espécie de desnudamento da realidade chinesa empreendida no capítulo 5 de sua obra, pode ser encontrado no fato de que é irresistível a conclusão acerca da imensa maior eficácia da condução socialista do desenvolvimento chinês, que sublinha os limites humanos e econômicos das soluções que o capitalismo, ao longo dos séculos, consagrou para alguns dos mesmos problemas, bem como das falsas soluções que o mesmo capitalismo empreende para os verdadeiros problemas que a mera existência desse sistema em âmbito global impõe à espécie humana. Assim é que, por um lado, da perspectiva do não especialista em ciências sociais, do homem comum interessado na história e na política contemporâneas, que posso reafirmar uma das principais virtudes do livro de Elias Jabbour, que está em, baseado nos fatos, estabelecer uma voz ideologicamente dissonante num ambiente mundial que consagra o reducionismo da visão liberal a respeito da economia.
Com isso passo à abordagem de outro aspecto fulcral da importância da obra de Elias Jabbour para o presente da luta política brasileira e do pensamento crítico do país: a sua particular inserção na tradição dos estudos marxistas, o que aparece ainda mais claramente nos capítulos 2, 2, 3 e 4 de sua obra, dos quais ainda não tratei aqui. Antes faço uma breve retomada de alguns dos mais elementares princípios da abordagem marxista do real e do seu conhecimento. Tais princípios, a meu ver, são sustentáculos seguros da visão crítica que se transforma em verdadeira intervenção inquestionável no debate atual acerca do que a humanidade pode desejar para si e lutar para que aconteça. Segundo posso auferir, China hoje destaca-se pela maneira como o autor enxerga os problemas de constituição do “modelo chinês”. Trata-se de algo fundamental para o materialismo, que é o fato de que Marx pensava que o homem não se afirma no mundo unicamente como ser pensante, mas através de uma práxis não só teórica como prático-social. Com isso, no limite, o que Marx desejava afirmar era a historicização do humano, ou seja, só há possibilidade de compreensão do que é humano com a devida atenção ao processo de produção social da própria humanidade, o processo de autoconstrução do homem, que reúne, no caso, duas diretrizes fundamentais do marxismo: o materialismo e a história. Nessas diretrizes, é fundamental lembrar, o real é concebido como um processo e, por isso, sob as lentes do materialismo dialético, a realidade aparece aos homens como essencialmente dinâmica e contraditória. Isso pois, desde Hegel, que é retomado por Marx, o homem se faz como tal por sua atividade. O método dialético, portanto, deve sempre contemplar o fato de que se toma como realidade aquilo que, na interação contraditória com a natureza, o homem transformou em história e sociedade.
Salvo engano, esses princípios basilares jamais escapam da leitura que empreende Elias Jabbour do “caso chinês”, levando-os a resultados muito importantes, se consideramos algumas das figuras intelectuais que o autor resgata e mobiliza em sua argumentação acerca do “socialismo de mercado” da China. Entre essas figuras, destaca-se, no âmbito das ciências sociais e econômicas brasileiras o nome de Ignácio Rangel, em cuja lição Jabbour se espelha para desenvolver a observação do desenvolvimento chinês a partir da necessidade de compreendê-lo como síntese de uma relação entre desenvolvimento e nação. Considerando este o melhor modo de compreensão do desenvolvimento passível de ser aplicado em realidades como a chinesa, Jabbour propõe um debate de alto nível convocando e derrogando a perspectiva de “sistema mundo”, de Imannuel Walerstein, à qual contrapõe a muito mais eficiente categoria de “formação nacional”. Para Jabbour, e aí está uma das pedras de toque de seu estudo, “a lógica da ênfase no ‘externo’ desloca a necessária concentração nas condições internas de cada unidade de análise (formação social), tendo consequência direta na impossibilidade de análise da transição e suas fases – análise esta que se constitui no principal objetivo do materialismo histórico”. E continua o nosso autor: “Isto por si só torna a perspectiva do “sistema-mundo”, no mínimo, tendente a uma síntese a-histórica do processo de reprodução tanto do capital quanto da gênese e substituição de modos de produção”. O trabalho de Elias Jabbour, portanto, é capaz, em si mesmo, de demonstrar claramente que a análise do contexto do desenvolvimento chinês e a compreensão abrangente do seu “socialismo de mercado” só é possível se a mirada politicamente empenhada do materialismo histórico encontra a possibilidade de se fazer plena pela via do levantamento exaustivo e minucioso das especificidades da formação social chinesa. Trata-se, pois, de uma mirada que não denega em nenhuma linha a grande tradição dos estudos marxistas, especialmente porque resgata um dos seus grandes filósofos e agentes políticos: Vladimir Lenin, cujo pensamento é, por assim, dizer, o grande espectro que ronda cada uma das argumentações de Elias Jabbour em China hoje.
Certa vez disse Lenin, ao discutir a respeito dos limites da filosofia idealista, do relativismo e do materialismo não-dialético para compreenderem o progresso da “evolução revolucionária”: “A História, em particular a história da revolução, é sempre mais variada, mais rica, mais complexa e mais ‘astuta’ do que imaginam as vanguardas mais conscientes dos melhores partidos e das classes mais avançadas”. Para o filósofo Gyorgy Lukács essa nota de Lenin esclareceria “o caráter de aproximação do conhecimento, unidade dialética do absoluto e do relativo”. Para Lukács, “contrariamente ao pensamento burguês, que nega a existência objetiva do mundo real, e dele se desvia ideologicamente, como de uma potência obscura, perigosa e incalculável, o materialismo dialético propõe a confiança e a fidelidade em relação ao mundo objetivo”. E Lukács afirma ainda que “O conhecimento certamente não atingiu ainda toda a realidade, mas isto é apenas um encorajamento ao progresso”.
Essa mesma ânsia de historicidade, que encontramos em Lenin, no comentário de Lukács, e em precisas passagens recolhidas por Jabbour em Marx e Engels, pode ser sintetizada em uma passagem de seu texto, cujo tema é ainda a ideia de historicização do modelo chinês pela via da apreensão da dinâmica histórica própria dessa formação social. Nessa passagem, que está formulada em termos de uma provocativa pergunta, Elias Jabbour nos diz o seguinte: “Tendo em mente que o processo histórico só é passível de ser analisado concretamente no âmbito da formação social, que seu contrário redundaria na negação da categoria de modo de produção, será que podemos na esteira desta discussão falar – inclusive – de uma economia política da formação social?” Dessa formação social, da historicização peculiar do desenvolvimento chinês, o autor destaca a revolução nacional-popular de 1949, os fatores naturais que possibilitam a construção do socialismo em um só país e os fatores sociais que abrangem uma história milenar de acumulações muito próprias de modelos de organização comunitária. Daí derivam os focos centrais para a análise que Jabbour empreende do chamado “socialismo com características chinesas”, em que, como ele próprio faz questão de sublinhar inúmeras vezes ao longo do texto, “o elemento camponês é de capital importância”.
Essa concentração no elemento camponês, como algo profundo da formação social chinesa, leva Jabbour a trabalhar de modo muito produtivo com a crítica à economia política inglesa concebida na obra agrário-econômica de Lênin a qual propiciaria, segundo nosso autor, a “construção de hipóteses para o desenvolvimento dos países periféricos.” Nesta reativação da dialética centro-periferia, manejada de um modo não mecânico, estará também uma das características a ser saudada entre nós que trabalhamos com a concepção mais atual do materialismo dialético. Contra certa voga moderníssima segundo a qual as relações entre centro e periferia não fariam hoje mais sentido na explicação da dinâmica do capitalismo, o livro de Elias Jabbour repõe tal dinâmica como fundamental para a explicação ou a explicitação das relações muito complexas de um contexto que nos exige a compreensão das características nacionais de um país em “fase primária do socialismo” juntamente com o caráter historicamente dado do mercado. É, portanto, exatamente em Lênin, e em sua precisa análise do contexto soviético, que Jabbour resgata a força do esclarecimento da peculiaridade chinesa. Segundo o autor de China hoje: “Lênin assinala o papel dominante da formação econômica e social socialista no conjunto da economia.” E ainda afirma que “de grande importância é a sua percepção dialética da impossibilidade de uma transição direta ao socialismo numa formação social com essas características”. Isso é o que leva o autor a concluir que, dialetizando, pode-se resumir a “economia de uma formação social de transição do capitalismo ao socialismo como uma economia de mercado centralmente planificada”, e acrescenta: “sob a égide de uma superestrutura que enceta a superação do próprio mercado.”
Em suma, o trabalho de Elias Jabbour só consegue chegar a essas conclusões e conferir consistência dialética e realista a elas porque está amparado nas marcas básicas do pensamento marxista, seja brasileiro seja internacional. A paixão pela explicação da totalidade pelo concreto, a ânsia do deslinde da verdade pela mediação do relativo, o inscansável esforço para destronar clichês e desimobilizar os conceitos que tantas vezes tornam-se rótulos fetichizados em nossas explicações do mundo. Sem medo de errar, é possível dizer que em nenhum momento de China hoje o autor resvala naquele erro que ele mesmo aponta criticamente no trato de um tema polêmico como a superexploração do trabalho: “superutilização de um fator para a explicação de todo um processo, mais complexo que as ingênuas almas liberais acreditam”.
Estas palavras ilustram bem o ânimo ao mesmo tempo encantado e aguerrido da prosa crítica de Elias Jabbour, que convoca problemas espinhosos com a disposição honesta de enfrentá-los e de entendê-los dentro de uma rede processual maior, contra a perspectiva isolacionista do pensamento conservador. Assim, sem demonizar a categoria mercado, pelo contrário, historicizando-a, o que o nosso autor consegue é estruturar uma dura crítica à maneira como o próprio mercado e as finanças no capitalismo lesam a humanidade especialmente pelo fato de serem regulados pela anarquia, pela revelia. Nesse sentido, nas entrelinhas do texto de China hoje, será possível vislumbrar uma delicada homologia entre possibilidade de plenitude humana e planificação socialista.
Os sonhos do comunismo não apenas consideram a existência das pedras duras do chão. Esses sonhos se utilizam das pedras para a construção dos caminhos que levarão a um mundo melhor. Nossos pósteros talvez possam responder melhor do que nós a muitas das questões que enfrentamos hoje com dificuldade, mas não podemos nos furtar a deixar para eles mensagens como essas que encontro no livro de Jabbour, ou que um dia o dramaturgo Bertold Brecht consubstanciou num apelo endereçado àqueles que viriam depois dele. Trata-se de um anúncio de esperança na dissipação dos equívocos construídos dia a dia pela ciência burguesa, que termina por reforçar resistentes preconceitos. Lembremos o poema, pois há nele uma atualidade que está também em algo da experiência chinesa de hoje:

Vós, que vireis na crista da onda
Em que nos afogamos,
Quando falardes em nossas fraquezas,
Pensai também no tempo sombrio
A que haveis escapado.

Alexandre Pilati é professor de literatura brasileira da Universidade de Brasília e poeta. É autor de A nação drummondiana (7letras, 2009) e organizador do volume de ensaios O Brasil ainda se pensa – 50 anos de Formação da Literatura Brasileira (Horizonte, 2012).