SOB O SOL MOGIANO
SOB O SOL MOGIANO
COLHEITA DE CAFÉ-Estado de São Paulo- Brasil
Lembro cafezais em flor; flores brancas,
Que perfumavam os campos mogianos,
Das colheitas do “mundo novo e burbom”
Do cheiro do café de coador, feito de panos,
Os campos, os animais e as flores,
E aquela luz num céu azul de néon.
Faziam parte de minha vida de menino pobre,
Lembro-me da chuva, do rio e dos pássaros.
Não pude ver o mar; ao menos antes dos quatorze !
Só via mulheres com dor- d’olhos, cobertas de trapos,
Sempre grávidas; sempre sorrindo com quatro dentes,
Com suas canelas finas e feridentas; desde o seu nascimento,
E as pernas salpicadas de barro de terra roxa,
Aspergidos pelo costume de fazerem xixi de pé… .
Lembro a saparia do brejo e os silvos das cobras noctâmbulas,
Caçando e sendo caçados, no esforço de se manterem vivos.
Lembro mugidos das vacas parideiras, voltando ao curral,
Remastigando o capim, que se faz leite sem igual.
Lembro os ipês, da infância da minha vida,
Lembrando, todo ano, que de setembro a outubro,
Já é hora de preparar a terra e de plantar.
Vi muita gente ir para o trabalho, quando ainda era noite,
Homens de faces enrugadas; filhos sonolentos,
Trabalhando o cafezal ou na sua plantação de subsistência,
Mocinhas de doze anos, meninos de oito, velhos de quarenta.
Vi muitas flores, plantações, árvores, rios,
Lembro chuvas e cantar dos pássaros,
Só não via o mar, porque dele só sabia da existência!
Caipiras como eu, esperançosos, apegando-se a Deus e aos santos,
Esperando por vida melhor, assim como o filho, pai, o avô, o bisavô,… .
Caipiras que exibem suas mazelas, mas que esperam, com as suas,
Bocas desdentadas, cicatrizes nos braços e nos rostos,
Encardidos da terra roxa, queimados do sol mogiano,
Uma brisa da Providência em seu favor… .
Observando o capim gordura, formando ondas ao vento,
Com suas flores violáceas ao cair da tarde modorrenta
-Será que um dia ressurgirão num céu azul, vestidos de estrelas?
Já não tenho pernas; minhas mãos tremem,
Meus olhos fraquejam, meu coração sempre a palpitar,
Talvez vocês não saibam a razão do meu cismar:
-Vim da terra roxa e do cafezal paulista,
Da terra de aluvião vulcânica e massapé,
Onde o café se estendia a perder de vista,
A mim parece gravura, à vista de uma janela,
Vim donde existem almas penadas, matas e suçuaranas,
Vivo longe da minha terra, mas estou impregnado dela;
Ante esse quadro, não resisto ao fato:
-Que sou eu, sertão, senão seu retrato?
COLHEITA DE CAFÉ-1984- Manoel Costa- (NASCEU EM 1943)
O que foi minha vida senão imagem vista de uma janela!
Todas as coisas simples se parecem comigo.
Minha mente está cheia de lembranças,
Dos tempos de reinações, sem noção do perigo,
Tempos passados, tempos de criança,
Mas meu peito está vazio, pela saudade,
Fantasmas residem na minha mente,
Coisas que não se apagam com o aumento da idade.
Fantasmas os quais tento eliminar,
Lavando meus olhos grávidos de véspera do desfecho.
Sinto-me medíocre no mais das vezes,
Gasto o tempo, que ruge pressa que não tenho,
O tempo não espera, nem são empurrados por ventos,
Lembro-me as pescarias, das armações de arapucas,
De muitos e inolvidáveis momentos,
Da molecada nadando no Rio do Pântano,
Do meu cachorro; o Viajante… .
Da minha professora dona Olga, meu primeiro amor!
De como minha família era unida, até na hora da comida,
Na respeitosa ágape, com ato de fé e de fervor,
Do descobrimento de uma nova árvore frutífera em plena mata… .
Meu tempo escoa; meu tempo passa à toa,
Lembro-me nos eitos de café ou de arroz, enxada à mão,
Enxadas de duas libras e meia, amolada à pedra,
Pelo menino caipira, que era (sou) eu,
Que se equilibra ao sol e ao vento, inda mais da chuva.
Cai água sobre meus olhos, salgada, como o suor o é,
Água salgada de um mar desconhecido,
Que se agita nas profundezas de meu ser.
Olho o arrozal com seus cachos dourados,
Que se repetem ad eternum, no passar dos anos,
E o milharal enfeitado pelos pendões em flor,
Formando ondas, ao sabor dos ventos mogianos.
CACHOS DE ARROZ MADURO
Seguia meu destino, cortando mato,
Capinando, envolvendo o guatambu,
Mão esquerda à frente, a destra atrás,
Ora corto à direita, ora à esquerda,
E, de um modo talvez errôneo,
Cubro meus pés com a terra e a relva,
Espécie de sepultamento em vida; parcial e momentâneo.
Limpo o suor dos meus olhos de menino caipira,
Com a manga da camisa desbotada e observo,
Sob o sol mogiano, o verde do roçado que me fascinava,
Hoje me faltam lágrimas; sobram-me lembranças,
Fico dias sem ver as estrelas, que via nas reinações de menino,
Talvez eu não exista agora (tal como as estrelas que vemos no céu),
Não vejo a lua, nem seu clarão, não vejo o sol do meio-dia,
-Será que na encosta da montanha da vida,
Em pleno declínio, encontrarei a paz?
-Será que estou sonhando, senhor?
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.