Chega ao fim um ano que apresentou importantes dificuldades para os governos progressistas de nossa região. Ao final do ano, o triunfo de Michelle Bachelet no Chile foi uma das poucas notícias positivas para a esquerda regional.

O Brasil viu estourar em junho deste ano manifestações importantes nas principais cidades que questionaram até que ponto as transformações produzidas por uma década de governos do PT, com políticas sociais de redistribuição como o Bolsa Família, apresentam limites consideráveis e problemas pendentes em matéria de saúde, transporte, bem como a ausência do Estado no espaço público. O governo de Dilma Rousseff se prepara para enfrentar a campanha presidencial de 2014, para a qual a presidenta aparece bem posicionada nas pesquisas.

A partir da análise dos acontecimentos deste ano, dois elementos devem ser considerados:

O problema das lideranças: extensamente tratado, especialmente com respeito aos movimentos nacional-populares da América latina, a sucessão para estes processos políticos resulta um tema difícil que tem se expressado ultimamente, tanto Cristina Kirchner, que não poderá disputar a reeleição em 2015, como Lula no Brasil, que conseguiu eleger Dilma Rousseff sua sucessora, e Chávez que, ante sua morte, escolheu Nicolas Maduro como sucessor, enfrentaram esse problema. Poderia se acrescentar ainda o que aconteceu com a Concertação chilena em 2010, quando Michelle Bachelet saiu do governo com 80% de aprovação, mas o sucessor indicado por sua coalizão, Eduardo Frei, acabou derrotado por Sebastián Piñera.

Estes casos demonstram que, embora as lideranças não sejam insubstituíveis, são uma parte central desses processos políticos, como elementos de identificação da cidadania e mobilização de crenças que garantam a continuidade destes processos. No entanto, o limite à reeleição colocado pelas democracias latino-americanas obrigará as esquerdas regionais a buscar novos candidatos para suceder aos atuais mandatários. Esse é um aspecto difícil porque exige que esses candidatos à sucessão possuam duas condições que nem sempre se apresentam juntas: que consigam identificação com os eleitores e que possam ou estejam dispostos a representar uma continuidade dos projetos políticos de seus antecessores.

A reformulação das oposições: As oposições em vários países conseguiram, após o aprendizado sofrido em mais de uma década de importantes derrotas eleitorais, construir certos candidatos que representam suas aspirações, produzindo identificação com os eleitores e expressando certa projeção futura. Isso ocorreu principalmente na Venezuela, onde o candidato da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Henrique Capriles, produziu a passagem da oposição de 36,9% dos votos a 62,8% (disputa entre Manuel Rosales e Chávez em 2006), para 44,3% a 55.07% em outubro de 2012, até chegar a quase 50% em abril deste ano.

Na Argentina, a emergência do prefeito de Tigre, Sergio Massa, que foi chefe de gabinete de Cristina Kirchner, também é expressão de um avanço nas possibilidades opositoras face às eleições de 2015. Estes dois candidatos, que são aqueles de maior projeção frente aos governos progressistas, combinam a promessa de continuidade de certas políticas que contam com importante aprovação, principalmente políticas sociais, e uma oposição especialmente ao “conflito” que estes governos sustentariam em suas disputas contra os fatores de poder.

As oposições políticas e corporativas aos governos do novo ciclo político inicialmente colocaram em um lugar central da disputa hegemônica sua capacidade de influência em nível corporativo e midiático de forma predominante.
Posteriormente, foram aproximando-se da construção de candidatos em sociedades altamente midiatizadas, capazes de gerar identificação com o eleitorado, disputando o sentido das políticas sociais e os avanços do novo ciclo político. Apoiando-se nas políticas realizadas nesta década pelos governos progressistas da região, as incorporaram em suas plataformas eleitorais, aumentando sua projeção.

De fato, após uma década de governos progressistas no poder, vimos emergir este ano novas dificuldades que devem ser analisadas com atenção pelas equipes governamentais se estas pretendem assegurar a continuidade de seus projetos políticos;

Da esquerda para a direita: Nicolás Maduro comemora vitória na Venezuela, Rafael Correa é reeleito no Equador, Michelle Bachelet volta ao poder no Chile e Horácio Cartes toma posse no Paraguai | Montagem: Portal Vermelho

Equador: Correa, o primeiro a completar um mandato no Equador é reeleito

O presidente do Equador, Rafael Correa, venceu as eleições presidenciais realizadas no país no dia 17 de fevereiro, confirmando as pesquisas de intenção de voto e boca de urna. Correa foi reeleito com 57% dos votos válidos, evitando a disputa em segundo turno no país. “Esta revolução ninguém para, estamos fazendo história. Estamos construindo a pátria pequena e a pátria grande. Obrigado por esta confiança, nunca lhes faltaremos, esta vitória é de vocês”, disse o presidente assim que a vitória foi anunciada.

A eleição foi vista como um referendo sobre a popularidade do único presidente que completou um mandato no Equador nos últimos 20 anos, em um país repetidamente golpeado por crises econômicas e políticas. A reeleição de Correa ajudou ainda a fortalecer as lideranças socialistas na região andina que, na época, sofria com a ausência de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que estava hospitalizado em Havana por conta de um câncer.

Venezuela: Sem Hugo Chávez, chavismo continua vencendo

O caso mais emblemático no que diz respeito à debilidade que mostram certos processos políticos é o venezuelano. A polarização vivida no país, a política de trincheiras entre chavistas e antichavistas, acentuada a partir da vitória apertada de Nicolas Maduro nas eleições de 14 de abril, se soma a uma crise econômica com efeitos inflacionários, de modo que será preciso seguir observando esse processo político com atenção para avaliar as suas possibilidades de continuidade.

Com a morte do presidente Hugo Chávez, que foi reeleito em dezembro de 2012, mas não resistiu a um câncer na região pélvica, a Venezuela celebrou uma nova eleição presidencial em abril deste ano, como determina a Constituição do país. Antes de sua derradeira cirurgia em Havana, Chávez pediu aos venezuelanos que, se algo lhe ocorrera que o impedisse de assumir a presidência, que votassem em Nicolás Maduro, que então era o chanceler do país.

Maduro fez uma aguerrida campanha contra o opositor Enrique Capriles, mas a dor dos venezuelanos que recém haviam perdido seu líder se manifestou nas urnas de maneira contrária e Maduro venceu com uma margem estreita de votos. A diferença de apenas 1,5 ponto de vantagem sobre seu opositor provocou diversas denúncias não provadas de fraude e de não reconhecimento do resultado, mas diante da lisura do processo eleitoral do país já diversas vezes escrutinado e avalizado por observadores estrangeiros, Capriles teve que se contentar em governar o estado de Miranda, de onde já era governador. Esgotada a possibilidade de plantar denúncias, a oposição partiu para a sabotagem e o desabastecimento no país tornou-se um dos principais problemas a ser enfrentados pelo primeiro presidente chavista da história da Venezuela.

Em dezembro, o país foi novamente às urnas, mas para eleger prefeitos e vereadores em uma eleição destituída do peso político que tem uma corrida presidencial, mas a oposição viu nesta a oportunidade ideal para tentar deslegitimar a administração de Maduro e perdeu mais uma vez. Os chavistas ganharam em quase 8 de cada 10 prefeituras do país, inclusive as mais importantes. Assim, Maduro ganhou mais tranquilidade para seguir levando a cabo a revolução bolivariana iniciada por Chávez em 1998 e tem 61% de aprovação entre os venezuelanos.

Paraguai: Golpe de Lugo marca volta da direita

Após o golpe parlamentar que destituiu o presidente constitucionalmente eleito do país Fernando Lugo em 2012, criou-se grande expectativa pela volta da democracia com as eleições presidenciais realizadas em abril de 2013. A esquerda, no entanto, se fragmentou e ambos os candidatos – Aníbal Carrillo e Mário Ferreiro disputaram o mesmo eleitorado e perderam para o Colorado Horácio Cartes, fato que marcou a volta do partido que governou o Paraguai por seis décadas, até a eleição de Lugo, em 2008.

Apesar das inúmeras denúncias de irregularidades no pleito, Cartes foi empossado e, com isso, o Paraguai ganhou a permissão para voltar ao Mercosul e à Unasul, após ter sido suspenso pela falta de democracia em seu país. O novo presidente, no entanto, hesitou a voltar ao bloco integracionista. Cartes também gerou polêmica ao aprovar, logo no início de seu mandato, um pacote com quatro medidas polêmicas que somadas às denúncias de corrupção, despertaram a cidadania que realizou diversos protestos no país.

Argentina: A inabalável força de Cristina

A Argentina, por sua vez, termina o ano em meio a saques produzidos a partir de sublevações policiais, onde o crescimento de certa redistribuição de renda da última década, somado ao estancamento da atual conjuntura, gera um caldo de cultura, ou como diz o sociólogo Javier Auyero, “contextos de oportunidade” para a proliferação destes fenômenos. O mandato do atual governo argentino, que termina em 2015, deve encontrar uma sucessão no interior de seu projeto político, mas se encontra um pouco debilitado depois das eleições legislativas deste ano, onde os resultados nos principais distritos do país não foram favoráveis, embora siga sendo a primeira força em nível nacional e mantenha maioria no Congresso.

A Argentina realizou eleições legislativas em outubro deste ano. Recém operada para a retirada de um coágulo do cérebro, a presidenta Cristina Kirchner não participou da última etapa da campanha. O partido Frente para a Vitória (FPV), da presidenta foi o mais votado, com 7,7 milhões de votos, 33% do total. Os demais não chegaram nem perto da marca. Assim, a mandatária segue com a maioria das 132 cadeiras na Câmara de Deputados e 39 no Senado, apesar de ter perdido nos principais distritos eleitorais. Ainda assim, os veículos de comunicação argentinos e brasileiros, insistiram que o resultado nas urnas marcou uma derrota para Cristina. Para esta conclusão, a imprensa comparou duas coisas diferentes: eleições legislativas com presidenciais. Mas, quando comparados os mesmos períodos, o que se observa é que o kirchnerismo obteve resultado muito semelhante há quatro anos e segue sendo a única corrente política que tem um projeto nacional. Os demais partidos são provincianos e possivelmente, se não houver uma ampla articulação, não conseguirão vencer nas eleições de 2015.

Honduras: Irregularidades e fraudes contra eleição de Xiomara Castro

A América Latina voltou sua atenção para as eleições de Honduras, realizadas no domingo 24 de novembro. O pleito marcaria as primeiras eleições livres e democráticas após o golpe de Estado que destituiu o presidente Manuel Zelaya em 2009. O que se viu, no entanto, foi uma sucessão de irregularidades e fraudes na apuração e transmissão de votos, como denunciaram os observadores internacionais presentes em Tegucigalpa. Inconformados com o resultado, a candidata do Partido Libre (Libertade e Refundação), Xiomara Castro e seus correligionários fizeram uma série de protestos no país para pedir a recontagem dos votos. Apesar disso, o Tribunal Superior Eleitoral hondurenho declarou a vitória a Juan Orlando Hernandez. Há ainda a suspeita de que os Estados Unidos intervieram no resultado, como denunciou o sociólogo argentino Atílio Borón.

Chile: A esquerda mais forte com o retorno de Bachelet

A última eleição presidencial da América Latina em 2013 aconteceu no Chile. Confirmando a tendência do bloco, a candidata da coalizão de esquerda Nova Maioria, Michelle Bachelet, venceu o pleito com 63% de votos no dia 15 de dezembro. Com um programa eleitoral que prevê profundas reformas sociais e políticas, a candidata progressista conquistou a adesão das massas populares. Sua principal adversária, Evelyn Matthei, não conseguiu superar as propostas de campanha da ex-presidenta, que voltará ao comando do país a partir do dia 11 de março de 2014.

Outro fato marcante do pleito chileno foi a eleição de Camila Vallejo, ex-presidente da Federação de Estudantes do Chile (Fech), como deputada pelo Partido Comunista. Aos 25 anos, Camila levou 43,7% dos votos no populoso distrito de La Florida. O resultado das eleições confirmou Camila como uma das cinco personalidades políticas mais bem avaliadas pela população chilena (a única que nunca ocupou um cargo público).

Também pelo Partido Comunista, Karol Cariola, ex-líder da Federação de Estudantes da Universidade de Concepción, conseguiu votos para integrar o Parlamento, com 38% no distrito de Recoleta, ao sul de Santiago.

Ariel Goldstein é professor de Ciências Políticas no Instituto de Altos Estudos Sociais da Universidade de San Martín. Bolsista do CONICET no Instituto de Estudos de América Latina e Caribe, da Universidade de Buenos Aires.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer para a Carta Maior