A evolução contínua da Al-Qaeda 3.0
Há menos de três anos, a Al-Qaeda, a organização e sua ideologia, estava na defensiva, em retirada. Osama bin Laden, o seu carismático fundador e líder, havia sido morto na cidade paquistanesa de Abbottabad. Muitos de seus homens mais próximos, incluindo o paquistanês Ilyas Kashmiri e o iemenita-americano Anwar al- Awlaki, tinham sido caçados e mortos por drones . A narrativa da Al- Qaeda segundo a qual só a Jihad violenta e o terror podem trazer a mudança para o mundo muçulmano ficou em baixa quando ditadores foram derrubados na Tunísia e no Egito por protestos relativamente pacíficos. A Irmandade Muçulmana, velha adversário da Al-Qaeda , parecia pronta para dominar a política árabe e demonstrar que a verdadeira mudança era possível sem terror.
Awlaki previu o retorno da Al-Qaeda. Escrevendo em seu diário em língua inglesa Inspire, Awlaki descreveu o despertar árabe como um “tsunami” de mudanças que inevitavelmente beneficiaria a Al-Qaeda. Ele disse que as esperanças de reformistas e democratas seriam quebradas por setores reacionários contrarrevolucionários e que o colapso da lei e da ordem beneficiaria a Jihad global.
No início de 2014, o quadro é muito diferente de 2011. A ascensão de filiais da Al-Qaeda tem sido mais dramática no chamado Crescente Fértil, de Beirute a Bagdá. A Al- Qaeda no Iraque, erroneamente proclamada como derrotada, reviveu com o Estado Islâmico do Iraque e a Al-Sham (ISIS) e está mais mortal do que nunca. Hoje, está lutando novamente para assumir o controle da província de Anbar. Houve também o nascimento de uma “franquia” síria, Jabhat al-Nusra, que agora participa também da disputa pelo poder na Síria. Juntos, ISIS e Jabhat al-Nusra estão tentando destruir centenárias fronteiras da região, traçadas por Londres e Paris, após a Primeira Guerra Mundial. Milhares de jihadistas de todo o mundo muçulmano, muitos deles da Europa, reuniram-se na Síria para se juntar à luta contra o regime de Bashar al-Assad. A violência sectária entre sunitas e xiitas está se multiplicando, alimentando o fogo que a Al- Qaeda há muito cultiva.
Filial da Al-Qaeda no Líbano, as Brigadas Abdullah Azzam estão tentando importar a guerra civil síria para o país. Batizadas com o nome do militante palestino e ex-parceiro de Bin Laden no Afeganistão na década de 1980, as brigadas assumiram a autoria do ataque à embaixada iraniana em Beirute, em novembro do ano passado, e desde então têm sido associadas a outras explosões de carros-bomba. A recente prisão no Líbano de seu líder, Majid bin Mohammad al- Majid, um saudita, não é suficiente para acabar com as ações do grupo. Claro, a Al-Qaeda está recebendo enorme apoio no Líbano em função do apoio explícito do Hezbollah ao regime de Assad em Damasco e de seus próprios carros-bomba acionados em Beirute.
O pós-Primavera árabe da Al-Qaeda no ano passado, que eu apelidei de Al-Qaeda 3.0, teve seus contratempos. Há cerca de um ano, a intervenção francesa no Mali rompeu o maior santuário da Al-Qaeda. Os combatentes fugiram para novos santuários na Líbia e em Níger, e agora várias filiais da Al-Qaeda e movimentos solidários estão prosperando no deserto da Líbia sem lei. Filiaias da Al-Qaeda no Iêmen ainda são perigosas, atacando regularmente militares e policiais em todo o país. A organização também mantém células adormecidas na Arábia Saudita e recruta dissidentes sauditas para aprender a lutar a jihad na Síria.
As perspectivas mais promissoras da Al-Qaeda estão provavelmente no Egito. O golpe que restaurou uma ditadura militar no país mais populoso do mundo árabe validou a ideologia e a narrativa da Al-Qaeda aos olhos de jihadistas em toda parte. O exército egípcio está conduzindo os extremistas da Irmandade Muçulmana diretamente para as portas da Al-Qaeda. Desde o golpe de julho de 2013, houve 260 ataques terroristas somente na Península do Sinai, além de outros em diversas cidades do Vale do Nilo, praticamente todos os dias. O maior grupo terrorista do país, Ansar al-Bayt Maqdisi, ou Ansar Jerusalém, não faz segredo de seu apoio a Ayman al-Zawahri , o sucessor egípcio de Bin Laden.
O ano de 2014 verá provavelmente um aumento da violência jihadista em todo o Egito. Altas patentes militares se tornarão alvos de assassinato, assim como diplomatas da Arábia Saudita e de outros países do Golfo que estão financiando o governo militar. Embaixadas e instituições ocidentais também serão alvo. A indústria do turismo, vital para a economia do Egito, permanecerá em crise.
Esses avanços no Egito, Iraque , Líbano e Síria colocaram a Al-Qaeda e seus afiliados numa posição de força em relação a Israel como nunca tiveram. Não é por acaso que o líder da Jabhat al-Nusra escolheu o nome de guerra Mohammad al-Golani. Ele quer lembrar os sírios de sua província e de seu inimigo último. A escolha de nomes de Ansar Bayt al-Maqdisi também faz questão de lembrar Jerusalém como a meta final de jihadistas em todos os lugares. Israel continua a ser um alvo difícil para a Al -Qaeda, mas as suas ambições são abundantemente claras.
A Al- Qaeda 3.0 é mais dispersa e descentralizada do que seus antecessores. Seus líderes, como Golani e Muhammad al- Baghdadi, são figuras mais secretas e evasivas do que Bin Laden, Zawahiri e Abu Musab Zarqawi , o jordaniano que fundou a Al-Qaeda no Iraque. Eles mantiveram suas identidades em segredo melhor do que Awlaki ou Kashmiri, obviamente, para evitar a morte. Só em 25 de dezembro do ano passado que o mundo viu uma fotografia de Golani, ou pelo menos alguém que a inteligência iraquiana diz ser Golani.
Nos sombrios campos de refugiados de sírios no exílio na Jordânia e na Turquia, nos terrenos baldios das favelas do Cairo e de Alexandria e por toda a Arábia, a chamada Primavera Árabe produziu apenas frustração, humilhação e desespero, um quadro bem distante das esperanças levantadas há três anos. O despertar árabe não acabou, e seu resultado final está longe de ser claro, mas hoje a previsão mais segura é que a quarta geração da Al-Qaeda já está se formando nos campos de refugiados e favelas em todo o Oriente Médio.
(*) Artigo publicado originalmente em Al Monitor
(**) Tradução: Marco Aurélio Weissheimer para Carta Maior