O debate ocorreu no âmbito do Fórum Social Temático 2014, que ocorre entre 21 e 26 de janeiro, em Porto Alegre (RS). A mesa mediada por Renato Martins, do blog Outras Palavras, teve como um dos expositores o pesquisador e economista da Fundação Maurício Grabois, Sérgio Barroso, organizador do livro “A Grande Crise Capitalista Global: gênese, conexões e tendências”, junto com Renildo Souza, lançado em seguida.

Barroso apontou a gravidade da crise, pelos números do desemprego no mundo, acompanhados dos avanços eleitorais de forças conservadoras. Para Barroso, está se construindo um mito da recuperação da economia americana, principal impulsionadora da balança comercial do resto do mundo.

Para o comunista, “a desindustrialização da economia norte-americana é um fato indiscutível”. Ele destacou também a capacidade de consumo dos EUA em 80% do seu Produto Interno Bruto, antes da crise, movimentando as economias de seus parceiros comerciais. Hoje, essa capacidade de consumo está seriamente abalada.

“A ideia de que há uma recuperação, se baseia na política monetária; em que o próprio governo compra seus títulos públicos sobrevalorizando as moedas da periferia e facilitando a especulação, o que favorece as exportações dos EUA”, explicou Barroso. Isto justifica, em sua opinião, a ideia de que a recuperação dos EUA está sustentada em bases extremamente frágeis, de fato, um processo que corrói os fundamentos do estado norte-americano. Mesmo os investimentos pesados daquele país em conflitos bélicos por todo o mundo revelam a dimensão dessa fragilidade, de acordo com Barroso.

“Nao se trata de catastrofismo, nem que os EUA vão cair amanhã, mas trata-se de uma análise que revela a importância dos BRICs nos próximos anos”, revela. Para ele, o desequilíbrio hegemônico traz novos atores da periferia para o sistema internacional decisório. “Há um declínio relativo dos EUA no sistema de relações internacionais”.

Barroso ainda alertou para a tranquilidade do Brasil devido ao baixo desemprego, embora cresça a taxas muito baixas, deixando uma brecha para o ataque oposicionista da mídia. “Temos um volume de emprego que reduz os impactos da crise, mas não podemos deixar que passem sobre nosso povo posições reacionárias que defendem o neoliberalismo”, afirmou, lembrando que estamos em ano eleitoral. Para ele, um governo de direita implementaria um ajuste fiscal e daria fim ao aumento do salário mínimo, pondo em risco as inúmeras conquistas que têm mantido o Brasil fora da crise.

Mesa globalizada

A mesa de debates contou ainda com exposições de Ladislau Dowbor – Université de Lausanne – PUC-SP; de
Antônio Martins – Outras Palavras – São Paulo; de
Yildiz Termurtukan – Marcha Mundial de Mulheres – Turquia; de Carminda Mac Lorin – Fórum Social Mundial do Canadá; de Jamal Juma – Stopthewall – Palestina; de
Marcelo Abdalla – Central de Trabalhadores Uruguaios e de
João Felício – CUT Nacional, com mediação de Renato Martins.

Dowbor apontou o conjunto de elementos que torna essa crise mais grave que outras, como o eixo da crise ambiental. O aquecimento global, o esgotamento de recursos naturais e a contaminação das águas revela que estamos destruindo o planeta para satisfazer os privilégios de uma minoria, gerando enorme desequilíbrio.

Ele diz que não há nenhuma razão econômica para 850 milhões de pessoas que passam fome, senão a institucionalização da desigualdade. “Não há taxação e regulação do sistema financeiro planetário. O sistema financeiro chupa o dinheiro dos estados para tapar seus buracos, que deixa de aplicar em gastos públicos”, explica ele, acrescentando que, só do Brasil, US$ 520 bi são desviados para paraísos fiscais, dinheiro oriundo do tráfico de drogas e da corrupção, o que equivale a 25% do PIB brasileiro “lá fora”. “Ninguém entende de sistemas financeiros, por isso funcionam tão bem esses mecanismos”, lamentou Dowbor, sugerindo a leitura de seus livros, todos disponíveis gratuitamente em seu site dowbor.org.

Yildiz Termurtukan, da Marcha Mundial das Mulheres da Turquia, apontou convergências entre o machismo e o modo como a crise econômica atinge as mulheres de forma mais cruel, que aos homens. Segundo ela observa, há uma nova divisão do trabalho subordinando o trabalho da mulher, especialmente em países mais pobres. “As mulheres do sul são vistas como reprodutoras, enquanto as mulheres do norte são consumidoras”, diz ela, apontando as desvantagens de ambos os estereótipos.

Ela citou as milhares de trabalhadoras mortas em Bangladesh numa fabrica têxtil no 24 de abril passado. Yildiz lamenta a falta de consciência do consumo feminino do trabalho explorado de outras mulheres. “As politicas neoliberais e as privatizações andam lado a lado com o patriarcado e o fundamentalismo ideológico”, avaliou.

Jamal Juma, do Stop the Wall, grupo que luta contra a construção do muro que separa israelenses de palestinos, segregando estes últimos em campos de refugiados. Juma apresentou um painel das ações de aliados da OTAN para implantar o caos produtivo em vários países do Oriente Médio, para depois reorganizá-los da forma que atenda seus interesses.  O que ocorre com a Palestina é, na opinião dele, um exemplo extremo dessa lógica.

Mas Juma é otimista ao observar que há novos poderes se estabelecendo, especialmente por meio dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), os países emergentes, tornando a luta pela hegemonia no Oriente mais difícil.

Juma também avalia que, embora tenha havido um processo natural de manifestações por liberdades, as primaveras árabes foram apropriadas depois como uma forma de avançar o capitalismo naqueles países. As ditaduras vinham dificultando os interesses dos países do capitalismo central (EUA e Europa), ou seja, as revoltas se tornaram uma forma de resolver a crise do capitalismo naqueles países. “Não sabemos o rumo que vai tomar o Egito, mas ele vai decidir as tendências no Oriente Médio em geral, por isso, é importante um regime democrático lá”.

Juma lembra que mais de 70 países estão invadindo a Síria, neste instante, sendo que o Catar e a Arábia Saudita são agentes imediatos do capitalismo ocidental e do imperialismo naquela região. Israel foi criado como um enclave de poder ocidental na região e a Palestina se tornou um problema a ser resolvido. “As pessoas estão pagando um preço muito alto pela crise capitalista”, menciona ele.

“Estamos sob grande chantagem pra aceitar um acordo dos EUA e da Europa para adotar políticas neoliberais na Autoridade Palestina”, revela ele, considerando, no entanto, que há outros movimentos com histórico de lutas e resistência, que decidem sobre os destinos da palestina, além da Autoridade. “2014 será um ano muito crítico na Palestina e em todo o Oriente Médio”, prevê.

Carminda Mac Lorin, do Fórum Social Mundial do Canadá, apontou as preocupações dos movimentos sociais canadenses com os acontecimentos atuais, em especial à repressão às ocupações de espaços públicos para o debate político. Ela mencionou um movimento estudantil e jovem ocorrido recentemente para não haver aumento das mensalidades das escolas, com convergência de outros temas além da educação, como meio ambiente. Até 200 mil pessoas foram para as ruas protestar contra a repressão do governo as leis restritivas aprovadas, como a proibição da cobertura nos rostos durante as manifestações.

“Aconteceu algo mágico neste contexto. Os panelaços não apenas nas ruas, mas nas sacadas das casas, sem ter que falar nada”, contou ela. Houve também solidariedade com o Egito e outros países do mundo, segundo ela. Isto evoluiu para a intenção de levar o Fórum Social Mundial para um país do norte em 2016,  depois de 2015 na Tunísia.

“Se há mobilização, há também muita inércia e consumismo sem questionamento”, afirma Carminda. Desta forma, ela vê muitas convergências nas realidades do norte e do sul. “Podemos compartilhar essas diferenças que não são só de linguagem, mas de culturas políticas”.