Londres – Como todo começo de ano, este início de 2014 é rico em previsões para a economia mundial.  A maioria fala de um crescimento global de 3,6%, cerca de 0,7% mais que no ano passado. As análises econômicas se caracterizam por não acertar no alvo nesta arte quase impossível das previsões, mas para além das porcentagens manuseadas está claro que o mundo segue sem se recuperar da crise de 2008. Em 2013, a zona do euro ficou estagnada e os Estados Unidos cresceram um pouco com altos e baixos. A China desacelerou seu crescimento e até as chamadas economias emergentes, que tinham sustentado o crescimento em 2012, tiveram um desempenho modesto.

Carta Maior conversou com John Bowler, diretor de Análise de Países da Unidade de Inteligência da revista The Economist, que apontou um panorama complicado para este 2014.

A cinco anos da queda do Lehman Brothers e do estouro financeiro mundial, a economia global segue patinando. Há algum sinal de que 2014 será diferente?

O crescimento global foi anêmico em 2013. Nos Estados Unidos houve ajuste fiscal e problemas políticos no Congresso em torno do orçamento. Estimamos que o crescimento estadunidense de 2013 será de 1,6%. Na zona do euro, o grande mérito foi que a intervenção do presidente do Banco Central Europeu, mario Draghi, quando disse que faria tudo o que fosse necessário para salvaguardar a moeda única europeia, acalmou os mercados financeiros que deixaram de especular com a queda do euro, mas em termos de recuperação econômica, ainda que a zona em conjunto tenha saído da recessão, seu crescimento é inexistente.

A China também melhorou na segunda metade, mas está envolvida em uma mudança de modelo tal que não veremos mais gigantescas taxas de crescimento. Se agregarmos a isso o fato de que os mercados emergentes, entre eles Brasil, Índia e Rússia, tiveram muitos problemas, vemos que o panorama deixado por 2013 não é muito positivo. Calculamos que 2014 será um pouco melhor para as economias desenvolvidas, mas há muitas incertezas no caminho.

Em dezembro, o presidente que estava deixando a Reserva Federal, Bem Bernanke, anunciou uma redução de 10 bilhões de dólares mensais nos estímulos financeiros. Que impacto essa decisão terá nos Estados Unidos e no resto do mundo?

Essa é uma das questões fundamentais este ano. Inevitavelmente haverá certa volatilidade. Não esqueçamos que este foi o maior experimento de injeção monetária da história. A Reserva Federal adquiriu títulos no valor de 80 bilhões mensais desde 2012 e uma boa parte desse dinheiro terminou em investimentos especulativos e mercados emergentes. Creio que a sucessora de Bernanke no cargo, Janet Yellen, continuará cum uma retirada muito gradual dos estímulos monetários acompanhada de uma política de antecipar as taxas de juros futuras para que essa retirada não seja traumática. Mas será um ajuste monetário. Não há como evitá-lo. E isso costuma ter consequências. Teve em 1994-1995 com a crise da tequila que teve um forte impacto em países como a Argentina e ocorreu depois de um ciclo de ajuste monetário da Reserva Federal. A diferença é que, desta vez, a política será mais gradual do que ocorreu naquela época.

Outra questão chave está ligada à zona do euro. Os mercados financeiros se acalmaram em 2013, mas se a economia não crescer pode haver turbulência não só financeira, mas também política. Na Grécia, por exemplo, o líder do Syriza advertiu que se o governo perder as eleições europeias de março, vai cair e ele buscará renegociar os resgates com a troika, posição que para muitos aceleraria a saída da Grécia do euro e com isso um possível efeito contágio.

O grande mérito em 2013 foi a sobrevivência do euro. O perigo é que os políticos acreditem que podem seguir fazendo o mesmo até que passe a tormenta. A realidade é que o mal estar social pode explodir a qualquer momento. Em maio a legitimidade de muitos governos pode ficar seriamente questionada. O caso da Grécia é o mais óbvio. Se a isso se somam economias que não crescem e tem um altíssimo nível de desemprego, o mínimo que se pode antecipar da votação em maio é um voto de protesto. O que não se vê no momento são passos concretos para alavancar a união monetária e econômica.

A zona do euro necessita de uma união bancária e de uma mutualização das dívidas, que a Alemanha não quer contemplar. Se as coisas ficarem assim não se pode descartar uma desintegração da eurozona que comece com defaults de países altamente endividados com um forte impacto para o sistema bancário. Não acreditamos que seja o cenário mais provável, mas ele não pode ser descartado, algo que pode ter um impacto global muito desestabilizador.

Estas deficiências das economias desenvolvidas foram compensadas desde 2008 pela China e, em menor medida, pelos BRICS e outras economias emergentes. No caso da China está claro que ela não seguirá tendo um crescimento de dois dígitos.

Há uma desaceleração do crescimento que prosseguirá daqui em diante. Em 2013, o crescimento foi de 7,7%. Em 2014, calculamos que será de 7,5% e no médio prazo, digamos, 2018, estimamos que será em torno de 6%. Isso terá um impacto porque a economia mundial andou bem quando a China estava crescendo dois dígitos, mas este crescimento se baseava em altíssimos níveis de investimento e exportações, algo que criava desequilíbrios globais. A preocupação com a China é o setor financeiro e o crescimento de sua dívida no setor bancário na sombra. Neste sentido, a China representa um risco potencial.

Como estes problemas nos Estados Unidos, na União Europeia e na China afetarão a América Latina?

A América Latina não está desacoplada das oscilações globais. A demanda europeia tem sido muito pobre nos últimos anos, algo que começa a ter um efeito acumulado na região. Nos Estados Unidos não houve um crescimento da importação porque seu crescimento se baseou mais em um modelo fabril doméstico. E a demanda chinesa diminuiu, algo que está provocando a baixa dos preços das matérias primas, ainda que elas se mantenham ainda em níveis historicamente altos. A estes fenômenos devem ser acrescentadas as oscilações da política monetária dos Estados Unidos que tem causado muita volatilidade financeira com uma depreciação das moedas desde maio do ano passado e pressões inflacionárias na região.

Os países da região reagiram de maneira diferente. México, Chile e Peru cortaram as taxas de juros enquanto o Brasil as elevou para combater a inflação. No caso do Brasil, estimamos que cresceu 2,5% em 2013 e que haverá um efeito positivo na economia por causa da Copa do Mundo, ainda que moderado pois falta mais investimento, de maneira que o crescimento que prevemos para 2014, muda pouco, 2,6%. Quanto à região em seu conjunto, acreditamos que tem uma maior solidez financeira que no passado e que o crescimento será maior este ano do que foi em 2013, desde que as economias desenvolvidas também melhorem seu desempenho e não se atolem em alguns dos problemas que assinalei antes.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer para Carta Maior