Trabalhadores perseguidos pela ditadura cobram punição a empresas
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Na tarde desse sábado, 1ᵒ de fevereiro, o grupo de trabalho (GT) “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical da Comissão Nacional da Verdade” promoveu no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo do Campo, um ato em homenagem aos trabalhadores vítimas da ditadura. O evento é um ato de reconhecimento da perseguição, prisão e tortura de sindicalistas e militantes no local de trabalho, violência, muitas vezes, cometida com a colaboração das próprias empresas. O ato faz parte, também, dos eventos de memória do Golpe civil-militar de 1964, que completa 50 anos em 1º. de abril.
O auditório foi pequeno para a quantidade de homens e mulheres que lotaram o ato. O ato sindical unitário intercalou discursos dos representantes das dez centrais que compõem o Coletivo Sindical de Apoio ao GT, todos enfatizando a importância de reconhecer e punir os crimes da ditadura, com a exibição de pequenos vídeos e apresentações teatrais. Estas representações audiovisuais comoveram a plateia, ao traduzir por meio de canções e imagens o clima pesado que cobria a luta dos trabalhadores no final dos anos 1970 e começo dos 1980.
Os militantes indicados pelas centrais sindicais receberam um diploma como forma de agradecimento pela luta em defesa da democracia no Brasil. O secretário-geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes e o presidente da seção estadual da central em São Paulo também compareceram e foram homenageados com um diploma simbolizando o reconhecimento por suas ações.
Representando a CTB, o presidente nacional, Adilson Araújo, preferiu passar a palavra ao presidente do PCdoB-RJ, João Batista Lemos, o Batista, um dos homenageados. Ex-ajudante de produção da Volkswagen e da Mercedez, Batista contou como era atuar no movimento sindical antes da redemocratização, mas mostrou documentos da época, revelando que a empresa entregava ao Dops um dossiê sobre os trabalhadores militantes.
Batista, que recebeu anistia em 2013, foi demitido da Wolks na época de greve do ABC paulista que projetou o ex-presidente Lula, e ressaltou a importância da mobilização de base feita pelo ex-presidente. “Foi com Lula que a classe trabalhadora ganhou protagonismo político para colocar uma pá de cal na ditadura”, sublinhou.
“Em 1980, como tinha relação com o sindicato (Metalúrgicos do ABC), fui orientado a morar longe da fábrica da Volks para a repressão não controlar a gente. Eu não era nem diretor, era da base, mas, mesmo assim, soube que era o segundo nome em uma lista de 30 ativistas sindicais entregue pela empresa ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, onde ocorreram muitas das torturas de militantes contra a ditadura). Minha militância fez com que eu fosse demitido da Volks e depois consegui entrar na Mercedez. Quando descobriram quem eu era, me deslocaram no pátio da fábrica, onde recebia as peças e ficava isolado dos demais trabalhadores. Até ser demitido de novo”, lembrou.
Estratégias articuladas de perseguição
Ex-funcionário da Mercedez, preso com o ex-presidente Lula, em 1980, e um dos organizadores do encontro, o diretor da Associação dos Metalúrgicos Aposentados Anistiados do ABC (AMA-A/ABC), Djalma Bom, defendeu que a classe trabalhadora foi uma das vítima preferenciais dos crimes praticados pela ditadura. “Se fala muito em Lula, Djalma Bom, em Vicentinho e Zé Ferreira, mas não podemos esquecer que centenas de ativistas foram perseguidos, presos e demitidos por justa causa de seus empregos por conta das malditas listas negras das empresas”, afirmou.
Bom conta que vários diretores do sindicato foram cassados, presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. E algumas empresas de São Bernardo tornaram-se verdadeiros quartéis do exército. A Mercedez Benz tinha o general Queiroz para fazer contato com a diretoria do sindicato. Ele recorda que a Mercedez tinha como chefe de segurança o major Saturnino Franco.
Para desestabilizar o movimento sindical, o regime militar utilizou entre seus mecanismos o fim da estabilidade no emprego, intervenções nos sindicatos, arrocho salarial e prisões de lideranças. Além disso, infiltrava agentes nas empresas. Bom conta que quando foi preso, reconheceu agentes da Polícia Federal na cadeia. “Eles estavam infiltrados no movimento com carteiras assinadas e esquentadas pelas empresas.”
Empresas, governo e polícia
Com a comprovação de que o golpe foi cívico-militar e não apenas responsabilidade das Forças Armadas, o deputado estadual e presidente da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” Adriano Diogo (PT-SP) destacou que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) deva apontar a responsabilidade também dos patrões.
“Sem as multinacionais que prepararam, financiaram, usufruíram do golpe e fizeram listas de trabalhadores e dirigentes sindicais para entregar aos militares, o regime não teria a força que teve e nem durado quanto durou. Pela punição aos torturadores, pela identificação do papel das empresas na ditadura e pela abertura definitiva dos arquivos dos militares”, cobrou.
A coordenadora do grupo dos trabalhadores dentro da CNV, Rosa Cardoso, alertou que, para isso, seria necessário uma atuação mais ampla da comissão. “Estamos lutando por um processo de Justiça, mas é preciso ter clareza de que não alcançará empresas, porque apenas podemos criminalizar pessoas. Precisaríamos fazer uma construção especial como Argentina e Chile estão fazendo, para buscar reparação das empresas”, explicou.
“O golpe foi longamente ensaiado, houve cinco tentativas antes de 1964, muitos foram mortos no campo e na cidade e esses crimes são imprescritíveis”, afirmou Rosa. “A ditadura procurou desmantelar a vida sindical brasileira, não só os sindicalistas, mas a classe trabalhadora como um todo”. Ela informou ainda que as empresas que apoiaram a ditadura também estão sendo investigadas e que o país deve encontrar uma forma de reparação.
O prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), ressaltou a responsabilidade da imprensa em mostrar à juventude a importância de combater as heranças do período de repressão. Não apenas para que novas ditaduras não voltem, mas também para impedir que as práticas daquele período contaminem a democracia.
“É fundamental olharmos as ditaduras vigentes, porque somos vítimas de uma ditadura da comunicação. Não é possível dar continuidade a um monopólio tão grande em nosso país. Devemos lembrar do passado para nunca mais termos uma ditadura militar, mas também devemos olhar para o presente para que garantirmos o acesso à informação. Outro segmento que precisa passar por um processo de democratização é o Judiciário brasileiro, que determina ao Congresso Nacional e aos partidos políticos como agir e impõe barreiras ao movimento sindical por meio de penalidades e multas, como forma de impedir a luta”, criticou.
Reformas atrasadas
Homenageado em nome do pai, João Vicente Goulart, lembrou que o Brasil ainda está em dívida com o povo brasileiro ao não promover as reformas que tiraram João Goulart do poder. Ele disse que além de exumar o corpo de seu pai para confirmar se houve envenenamento, deveriam ser exumadas as reformas que Jango começou. “As reformas tributária, urbana, educacional, bancária, a lei de remessa de lucros são mudanças que este país, 50 anos depois, ainda precisa fazer. É necessário que exumemos as reformas de base para que possamos avançar pelos trabalhadores e por aqueles que ainda são marginalizados. A democracia venceu, mas ainda fala justiça social”.
O ato terminou ao som de “A Internacional”, numa versão em espanhol, para destacar a necessidade da integração latino-americana no combate ao imperialismo que apoiou e financiou as ditaduras instauradas na América Latina. Previsto para participar, o ex-presidente Lula não compareceu devido a a uma série de exames médicos que realizou no dia.
Entre os apelos feitos pelos representantes das centrais sindicais estão a desmilitarização da Polícia Militar, a democratização dos meios de comunicação, a descriminalização dos movimentos sociais e, principalmente, que os responsáveis pelas violações aos direitos humanos sejam punidos.
Durante os próximos meses, o GT dos trabalhadores já tem manifestações semelhantes agendadas no Pará, Bahia, Ceará, Goiás, Porto Alegre e Vale do Paraíba, em São Paulo.