Em debate, a capacidade privada de financiar o desenvolvimento em meio à crise
“Muitas vezes, ficamos presos a conceitos que não dizem nada da realidade. Tem que ver historicamente o papel da iniciativa privada. Quem vai dizer que ela está superada é a história. Por hora, ela é fator fundamental para o impulso das forças produtivas, como a própria China, dentro de suas perspectivas socialistas, leva em conta”, afirmou.
Na sexta-feira, a compreensão da dimensão da crise do capitalismo, assim como seus impactos foram discutidos por Paulo Balanco e pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Suas características cíclicas tornam as crises capitalistas uma convulsão permanente do sistema, gerando respostas instintivas do sistema financeiro, como o recuo no investimento e no financiamento do setor produtivo. No sábado, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, focou o debate nas consequências da crise para o Brasil, antecedido por Lécio Morais, que mostrou como o Estado tem sido o principal financiador do desenvolvimento nacional em todos os seus ciclos, com baixa participação do setor privado. Por meio de gráficos, ele explicita os momentos de crise como aqueles em que o recuo do capital privado é maior, demandando um esforço maior do BNDES. Ainda no sábado, o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, aproveitou a polemização em torno do leilão do campo de pré-sal de Libra, para mostrar como funcionam os níveis de parceria possível entre o Estado brasileiro e o capital privado, nacional e internacional, para desencadear a produtividade da exploração do petróleo.
O rentismo e a produtividade
Desta forma, sob o tema “Projeto para uma nova etapa de desenvolvimento”, Renato Rabelo encerrou o seminário tirando o tema do financiamento do projeto nacional de desenvolvimento da tangente em que foi abordado nas demais palestras. Voltou a dizer da dificuldade que o capitalismo enfrenta em encontrar espaço para investir seus excedentes, em meio à instabilidade econômica. A financeirização foi a resposta para esse dilema ao abrigar o capital na esfera fictícia de circulação, onde ele se multiplica sem chegar ao sistema produtivo. “O capital fictício é o vetor principal do capitalismo atual. O capitalismo não volta atrás, nisso, a não ser que haja uma guerra mundial que demande transformações profundas”, analisou.
Os detentores das fortunas do mercado financeiro, conforme afirmou Rabelo, são os verdadeiros detentores do poder. “Eles foram responsáveis pela crise e, ao mesmo tempo, são capazes de se resgatar da crise, à custa dos trabalhadores”. O dirigente comunista se refere à crise de crédito provocada pelo setor financeiro, que ao quebrar, foi capaz de convencer os Estados nacionais a pagarem a conta de sua falência com os recursos públicos.
Em meio às turbulências, o grande problema, hoje, é onde investir os excedentes do capitalismo. Rabelo observa que, neste cenário, o Brasil é o país preferencial para esse investimento. “Mas para investir, exigem garantias, que significam voltar atrás. Esta é a condição deles”. Ele se refere à exigência de desregulamentação financeira e a um livre mercado, com participação secundária do Estado. “Por isso, dizem que a presidenta é intervencionista”, explicou. O governo tem que ter controle fiscal, e acabar com os aumentos reais de salário mínimo. Aliás, de acordo com o raciocínio de Rabelo, estes setores financeiros são contra o salário mínimo, “ainda mais, aumento real do salário mínimo”.
“Querem colocar a presidenta nas cordas, e a oposição corre pra dar as garantias que eles [os financistas] querem. Temos que entender o que está em disputa hoje. Senão vamos ficar vendo só o varejo”, alertou Rabelo. Ele diz que, enquanto lemos essa década de avanços sociais com distribuição de renda e redução da desigualdade, os economistas da oposição que quer voltar a governar, dizem que estes doze anos foram de gastança. “Os economistas deles falam isso, que foi uma orgia de gastos. Aí, o cidadão eleitor vê o rapaz de Minas como o novo e não faz ideia do que está por trás daquilo.”
Crescimento e aumento da produtividade
“A prioridade do nosso projeto é a elevação do crescimento e da produtividade do trabalho e dos elementos gerais do capitalismo”, resumiu Rabelo. Ele ressalta que os últimos governos estavam muito focados no aumento do consumo e no fortalecimento do mercado interno, elementos que jogaram um papel importante na distribuição de renda e na redução da desigualdade. A mobilidade social de milhões só ocorreu por que grande parte da população não consumia e passou a consumir devido ao aumento do crédito e do salário mínimo. “Isso é um começo, colocar as pessoas no círculo do mercado. Mas é preciso avançar.”
Rabelo joga as perguntas para o plenário: Num mundo em crise, com desemprego aberto, vamos conseguir manter o aumento da renda do trabalho e do emprego pleno? Como sustentar isso, sem aumento do crescimento e da produtividade? A própria pergunta sobre qual a experiência da derrocada da URSS do ponto de vista econômico, segundo ele respondida pela perda de produtividade. “Lênin diz que o socialismo só pode ser superior ao capitalismo se tiver produtividade maior que o capitalismo”.
A meta da integração territorial
Qual seria, grosso modo, uma estratégia de crescimento para a nova etapa do desenvolvimento? É o questionamento que se faz. Rabelo aponta a questão da integração territorial nacional, iniciada precariamente pelo PAC, como um fator central. “Se o Juscelino Kubstchek interiorizou o Brasil, a grande meta da Dilma tem que ser integrar o país”, afirmou.
O líder comunista mencionou inúmeros exemplos de infraestrutura de integração que ainda não foi concluída e que representaria um salto para o país, como a energética, – “Temos uma matriz limpa como poucos países tem, que precisa ter pequenas e médias hidrelétricas pra todo lado, para quando não chover nas grandes” -, troncos rodoviários e ferroviários como “coluna vertebral” com ramificações para todos os lados, nossos portos e aeroportos, que são mais defasados que os de outros países do Continente com menor intercâmbio internacional que o Brasil. “Deus é brasileiro e nos deu petróleo da melhor qualidade, que é o pré-sal, por issso somos uma potência energética”, completou.
Outro elemento fundamental para o aumento da produtividade do trabalho está relacionado com a profunda crise urbana, em que a mobilidade é o problema mais básico. “São grandes regiões metropolitanas sem nenhuma estrutura”. Para ele, a modernização das cidades brasileiras seria um elemento atrator de investimento e crédito.
O enfrentamento macroeconômico
Agora, como financiar esta modernização do país? “O tesouro e o orçamento não têm condições para esses grandes investimentos”, disse, voltando ao tema subjacente ao seminário. Para ele, a solução para financiar partiria da ideia de criar um sistema de intermediação financeira, para deslocar recursos para setores chaves como infraestrutura. “É preciso carrear recursos por crédito bancário e venda e compra de títulos”, disse. “O BNDES joga esse papel, mas sua base é o Tesouro Nacional e, agora, com Luciano Coutinho, pela captação de recursos”.
Rabelo também aponta a necessidade da política macroeconômica ter que ser a indutora de crédito com taxa de câmbio que permita competitividade internacional. Juros altos e câmbio sobrevalorizado prejudicam a indústria. “O que é o plano real senão um acordo tácito de estabilização de preços em que os juros são sempre altos e o câmbio sobrevalorizado?! Essa é a garantia deles. Na época da hiperinflação, ganhavam no overnight, enquanto o trabalhador corria com o salário pra fazer estoque e aguentar até o próximo mês. A presidenta tentou enfrentar isso, ao reduzir os juros a níveis impensáveis, e acabou sendo derrotada pelo setor financeiro”, lamentou ele.
Enfrentar esse dilemas macroeconômicos é fundamental para construir uma economia planificada, com participação nos mais de 500 sistemas produtivos globalizados, para não ficar dependentes dos países que participam. “Temos dado passos importantes na cadeia produtiva internacional dos fármacos. E temos que fortalecer as cadeias produtivas internas, também”. Rabelo encerrou apontando outras questões estratégicas que interferem diretamente neste projeto de desenvolvimento, tais como as reformas do estado, a formação de uma coalizão política mais favorável e o fortalecimento dos movimentos sociais.