O desafio de ganhar a Copa nas ruas
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Há um reconhecimento e destaque, não por escolha do Governo, mas da mídia corporativa, de que a Copa é fator integrante da luta pela sucessão presidencial. Há um campo político que torce e atua pelo fracasso do evento para obter dividendos eleitorais. Tanto o secretário de Movimentos Sociais do PT, Bruno Elias, como o do PCdoB, Júlio Vellozo, observam esta vertente de disputa política dos setores dominantes contaminando segmentos dos movimentos sociais. Segundo eles, estes segmentos precisam entender a importância da Copa para o povo brasileiro, não apenas do ponto de vista econômico, mas também simbólico.
Vellozo parafraseou Lênin, de que “a essência da tática é a correlação de forças”, para destacar a importância dos movimentos sociais no apoio à pauta progressista do Governo Federal, e derrota de setores da base parlamentar que agem para travar os avanços sociais. O comunista é otimista quanto à possibilidade de um clima positivo em torno do evento esportivo, não apenas pela necessidade do grande capital de que a Copa gere lucro, mas pelo modo como o brasileiro incorpora o futebol como traço cultural. Voltando ainda à Lênin, ele disse que “o patriotismo na periferia é revolucionário”, no sentido de que as forças progressistas não devem se constranger em vivenciar esse espírito patriótico que a Copa sucita. Ele citou como exemplo o episódio em que black blocs tentaram agir durante um show de Paulinho da Viola, no aniversário de São Paulo, e foram rechaçados pela plateia do show.
Dentro deste espírito ofensivo, houve intervenções de mobilizadores sociais que coadunaram com o raciocínio de Vellozo, como Nivaldo Santana, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). O sindicalista disse que o Governo e movimentos precisam ir para a ofensiva nesse debate, que está umbilicalmente ligado a sucessão presidencial. Ele critica o modo como temas defensivos impostos pela mídia para negativar a Copa acabavam virando agenda dos movimentos sociais, como a questão do turismo sexual. “O governo sentiu que a Copa virou um problema e foi pra defensiva para não se contaminar. Quem joga na defensiva não faz gol”.
Velloso ainda tratou do que considerou um profundo equívoco do governo, em meio a postura defensiva: a preocupação em criar mecanismo mais duros para reprimir manifestantes, diante do surgimento da tática black bloc. O comunista considera importante que os movimentos sociais antecipem-se na mobilização por um programa avançado, para obscurecer pautas retrógradas como a apresentação de um projeto antiterrorismo, que visa a aumentar o controle policial sobre manifestações.
Bruno Elias também compreende a importância do caldo das “manifestações de junho” continuar atuando para avançar as políticas públicas. Ele lembrou que mais de 800 cidades reduziram as tarifas de ônibus, naquele período, além das votações no Congresso direcionando os royalties do petróleo para a educação e a implementação efetiva do Programa Mais Médicos. Ele também criticou a urgência para a apresentação de um projeto de regulação de manifestações. “Cadê a urgência da desmilitarização da polícia e do fim dos auto-de-infração que levam ao extermínio da população negra e pobre das periferias”, sugere.
Ambas as lideranças afirmaram não se opor a nenhum tipo de manifestação, mas divergem de um segmento desses movimentos que unilateralmente e autoritariamente proclama a negação da Copa. Igualmente se opõem ao uso da violência por parte de um pequeno setor destes movimentos e manifestações. Manifestações da plateia que compunha a oficina, formada tanto por lideranças e militantes de movimentos, como militantes partidários, intelectuais, gestores e blogueiros, foram uníssonos em repudiar a repressão social contra os movimentos.
Desse modo, um primeiro grande consenso dessa oficina foi o de que os participantes se opuseram com firmeza à proposta do Ministério da Justiça de enviar para o Congresso uma lei para regulamentar as manifestações de rua. Para os participantes, já existe no país leis em demasia para coibir atos criminosos que venham ser praticados nas manifestações e, além disso, a proposta pode dar brecha para setores da oposição lançarem sobre o governo a pecha de autoritarismo.
Estratégica de comunicação
Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, apontou um cenário de muitas incertezas para a realização da Copa, no que tange ao apoio da população à realização do evento e a capacidade de manipulação da mídia corporativa da opinião pública contra o Governo Federal. “A única certeza que eu tenho é que o Governo Dilma perdeu essa batalha da comunicação, até agora”, afirmou, referindo-se à invisibilidade do legado positivo que a Copa deixará. Para ele, “a mídia pulsa” tentando sentir para onde caminham as manifestações populares, observando em que medida pode agir para atingir a imagem do Governo.
“Se as manifestações crescerem, vão investir muito para desgastar o governo”, disse ele, apontando para a necessidade que a mídia percebe de isolar a tática violenta dos black bloc para atrair mais jovens às manifestações do Não Vai Ter Copa. A mídia também aproveita para impor a “lei antiterror” contra os movimentos sociais, mas é cautelosa, já que depende do sucesso da Copa para lucrar. Do mesmo modo, a Oposição ainda não sabe que discurso adotar em relação ao evento, pois também tem cinco cidades-sedes do torneio governadas por seus quadros. Para ele, a mídia vai continuar apostando na linha do legado que não existe, na incompetência administrativa e nos gastos excessivos.
Miro é cauteloso numa avaliação sobre os ingredientes explosivos que cercam megaeventos desse tipo. “Temos que evitar extremos, desde um cenário sombrio até a histeria nacionalista”. Ele citou o trabalho recente de Manuel Castells, Redes de Indignação e Esperança, em que analisa as grandes manifestações que cobriram o planeta quase simultaneamente. Eram manifestações em que os participantes estavam em rede, procuravam espaços públicos simbólicos com agendamento de eventos específicos para expressar desagrado contra seus governos. “A Copa é prato cheio para isso, com espaço público e data definidos, contando com a eficiência da horizontalidade das redes”, alertou.
Miro acredita que, se por um lado os black blocs atrapalham o crescimento das manifestações, a repressão policial as fermenta, gerando uma onda de solidariedade. Ele sugere que a proposta que ficou apelidada de “lei antiterror” seja um bom motivo para levar os movimentos sociais tradicionais às ruas.
O blogueiro lamenta que o Governo tenha perdido a oportunidade de uma investida publicitária sobre os ganhos da Copa. “A Copa das Confederações era uma bola erguida pra isso. Agora é a onda racista”, disse ele, referindo-se à possibilidade de uma campanha ofensiva contra o racismo na Copa, já que tem havido manifestações contra esportistas negros no futebol.
“Desinterditar o debate sobre a regulação da comunicação deixa a mídia acuada”, lembrou ele, que tem este tema como caro à sua militância. Miro contou que o gancho da Ley de Medios, que democratizou a mídia na Argentina, foi o grupo Clarin transmitir o futebol apenas em TV paga. “O governo tem que ter uma ofensiva publicitária com bandeiras progressistas. A bola está quicando na área da Copa sem Racismo e da questão das mulheres”, disse ele, citando a preocupação da Governo com a questão do turismo sexual que cerca a Copa.
“Não podemos sair das ruas, senão alguém ocupa”, alertou ele. O militante considera uma “grande sacada” a proposta de organizar uma manifestação inaugural da Copa “contra o racismo, o machismo e a homofobia”. A proposta surgiu de intervenções de participantes que acreditam ser o torneio esportivo uma oportunidade histórica para afirmação de bandeiras avançadas e projeção de uma imagem do país, democrática e positiva, para o resto do mundo.
Agendamento para alimentar as redes
O editor da revista Forum, Renato Rovai, avalia que o “jogo está sendo jogado por um lado só, desde a Copa das Confederações”, enquanto exibia um vídeo com produção profissional que projeta uma imagem do Brasil narrada pelas elites, de um Brasil injusto, corrupto e com enormes dificuldades de gestão pública. O vídeo contra a Copa teve quatro milhões de views e é uma das muitas peças publicitárias que formam opinião contra a realização da Copa.
Para Rovai, as manifestações do movimento Não Vai Ter Copa são próprias do jogo democrático. Ele defende que, se há opinião divergente, que se faça a disputa nas ruas, algo que não tem sido feito pelos movimentos sociais que acreditam na importância da Copa para o país, deixando o outro lado sozinho.
Para ele, se há uma disputa, está sendo feita com o recorte errado. “Falar em legado, depois da Copa, ninguém entende quem é esse cara: o Legado. Parece que estamos falando de um Congresso de Economia, em que no final vai ter um legado. O debate tem que ser feito em termos simbólicos: somos um país que ama o futebol e isso, por si só, justifica fazer a Copa no Brasil”. Para ele, os números apresentados pelo Governo refletem uma racionalidade que não funciona em momento de intensa emocionalidade.
Na opinião de Rovai, a Copa é “uma baita oportunidade”. “Temos que fazer a Copa do movimento social com grandes arenas em todos os lugares para discutir temas políticos. Vamos chamar os turistas para discutir e mostrar que a Copa do Mundo nunca mais vai ser a mesma depois do Brasil”, entusiasma-se ele.
Rovai também considera a Marcha contra o Machismo, o Racismo e a Homofobia, na proximidade da abertura do evento, uma ótima ideia para alimentar o debate das redes. Segundo ele, a opinião contra a Copa se alimenta das agendas de manifestações que são repercutidas com imagens e emocionalidade nas redes sociais. Por outro lado, não existe nenhuma agenda, seja publicitária ou mobilizatória, para alimentar o imaginário pró-Copa. Esta marcha renderia as imagens e ideário necessários para o contraponto.
Ideias não faltam
As intervenções de militantes negros e negras, mulheres e jovens apontaram para a necessidade de que os movimentos sociais precisam se juntar ao povo na sua espontânea cultura de ter a Copa como um acontecimento importante nas suas vidas. O músico de hip-hop Beto Teoria, por exemplo, revelou que já atua para realizar eventos na periferia para integrar os moradores dessas áreas distantes ao clima de alegria da Copa, por meio de eventos em centros comunitários com telões, música e os jogos. “Os moradores de Parelheiros [extremo sul da Capital paulista] não têm condições de participar da das Fan Fest, nem usufruirão das obras na Zona Leste ou no Aeroporto de Guarulhos, então estamos preparando estes eventos de integração para que todos possam se sentir parte deste grande evento”.
No período da manhã, outras iniciativas desse tipo foram citadas como forma de sair da defensiva. O Movimento dos Recicladores de Materiais foi à Coca-Cola e exigiu estar nos estádios para a coleta de materiais, no que teve o apoio do Governo. Há outras iniciativas da Abong e da Ação Educativa, no sentido da inclusão de jovens, além da campanha “Chute no Preconceito” do Tinga, que chegou a afirmar que, como jogador, fica envergonhado da sua classe não liderar esse movimento. Também foi apontada a realização integrada com o evento principal, de uma Copa de Futebol de Várzea.
O vereador de São Paulo, Orlando Silva (PCdoB), compareceu à oficina. Ele atuou como ministro do Esporte do Governo Lula, por ocasião da conquista da Copa e das Olimpíadas para o país. Orlando criticou a postura neutra do Governo diante dos ataques contra a Copa, “iniciativa que tem o DNA do Lula” e não pode ser tratada com essa indiferença. “Temos que assumir a defesa das coisas positivas, dos empregos gerados e das medidas anticíclicas que estes eventos representam para a economia”, afirmou ele. Mas também apelou para que não haja mais erros, como uma nova lei para regular manifestações. “Isto é um tiro no pé”.