A participação estrangeira no golpe de 1964
Há um dado novo nesse meio século do golpe de 1964. Vieram à tona, há quatro anos, informações sobre o que o governo americano fez e planejou para alterar a situação brasileira. E as gravações americanas reveladas chocam nosso sentimento de brasilidade.
Em uma delas, no Salão Oval da Casa Branca, a 30 de junho de 1962, a situação brasileira foi discutida. A certa altura o presidente John Kennedy perguntou ao embaixador Lincoln Gordon: “Você acha aconselhável que façamos uma intervenção militar?” Gordon responde: “… isso é o que eu chamo de contingência perigosa possivelmente requerendo uma ação rápida”. O presidente aquiesceu. Admitiu, assim, uma intervenção militar em nosso país para derrubar o governo constitucional existente!
Quarenta e seis dias após esse diálogo, Kennedy foi assassinado. Sua imagem foi construída, a partir daí, com uma auréola de simpatia e cordialidade, que, para nós brasileiros, acabou. Aliás, ele também deflagrou, três meses depois de tomar posse, a Invasão da Baia dos Porcos, no sul de Cuba, para derrubar o governo de Fidel Castro, no que foi rotundamente derrotado.
Depois de Kennedy, assumiu o governo dos Estados Unidos Lindon Johnson, que herdou do antecessor 12.000 “conselheiros militares” americanos no Vietnã e transformou essa herança maldita na Guerra do Vietnã, a maior contenda travada no planeta desde a II Guerra Mundial, onde os EUA sofreram humilhante derrota; Johnson herdou também a linha intervencionista para com o Brasil e tomou as medidas para, segundo suas próprias palavras, “… nos expor no que for preciso”.
A interferência americana no Brasil de Goulart começou com Kennedy liberando financiamento, através do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, o IPES, e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD, para campanhas eleitorais de 1962, meios de comunicação, grupos religiosos e propaganda, tudo para desestabilizar o governo brasileiro. O ex-agente da CIA, Philip Agee, informa que houve apoio financeiro para, entre outros, “quinze candidatos ao Senado, duzentos e cinquenta candidatos à Câmara e mais de quinhentos candidatos às Assembleias Legislativas.”.
Mas a intervenção também foi feita com a introdução de americanos no território brasileiro, travestidos de membros de “corpos de Paz”. “Somente no ano de 1962, quase cinco mil cidadãos americanos entraram no Brasil, número muito superior à média histórica” (JFerreira, Revista Brasileira de História).
E finalmente veio a Operação Brother Sam, articulada para dar apoio às forças golpistas brasileiras caso houvesse alguma resistência. O acerto foi que, em seguida ao aparecimento de um presidente que confrontasse Goulart, os Estados Unidos o reconheceria, e daí por diante dariam o respaldo necessário.
A Operação baseou-se na Frota do Caribe, e foi capitaneada pelo porta-aviões de propulsão nuclear Forrestal, acompanhado por seis destróieres, um encouraçado, um porta helicópteros com 50 helicópteros, um navio de transporte de tropas, uma esquadrilha de aviões de caça, navios petroleiros com 130 mil barris de combustível e 25 aviões C-136 para transporte de material bélico. Era uma frota de guerra. Parte dela chegou às costas do Espírito Santo e outra parte foi orientada a retornar, posto que não houve resistência. Algumas das informações acima eram conhecidas, se bem que negadas. Agora, essas e muitas outras vieram de arquivos americanos e foram apresentadas no extraordinário documentário “O dia que durou 21 anos”. Não são mais contestadas.
Imagino que nem todos os que participaram da conspiração que levou ao golpe de 1964 tinham consciência de que estavam em conluio com uma potência estrangeira agressiva. Até acredito que, se soubessem da magnitude do conluio, não teriam concordado. Mas agora sabem que foram cúmplices, conscientes ou não, de um estratagema que previa a invasão do país. Os que tinham consciência disso cometeram o que se chama de traição nacional.
* Haroldo Lima é ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e membro do Comitê Central do PCdoB