A Frente de Esculacho Popular (FEP) realizou um escracho nesta quarta-feira (9) em frente à Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), na Avenida Paulista, região central da capital. É a primeira vez que uma instituição civil, e não um militar ou agente do Estado, é alvo do grupo, que usa a estratégia para expor envolvidos com crimes cometidos contra opositores da ditadura brasileira.

O grupo, munido de baterias e cartazes, informava aos pedestres que a Fiesp e o Banco Itaú financiaram a tortura durante o regime autoritário. Antes de sair em direção à Fiesp, o grupo colocou cartazes em canteiros da avenida nos quais tentava explicar por que o Itaú colaborou com a ditadura. “Os vínculos do Itaú com a ditadura foram tamanhos que um de seus controladores, Olavo Setúbal, foi prefeito nomeado (sem voto popular) de São Paulo, de 1975 a 1979. Em 2014, o mesmo banco distribuiu uma agenda a seus clientes, chamando o dia 31 de março de “aniversário da Revolução de 1964”, dizia o cartaz.

“Esse escracho é para deixar claro que essas instituições não só apoiaram e legitimaram, como deram dinheiro e se beneficiaram da ditadura”, afirma o cientista social e membro da FEP, Rafael Pacheco. O assessor da Comissão da Verdade Nacional da Verdade, Ivan Seixas, foi pontual ao apresentar uma demanda: “Exigimos que a Fiesp faça uma retratação pública e a reparação às famílias que foram atingidas por seu apoio à repressão – disse Ivan Seixas, ex-preso político e membro da Comissão da Verdade e da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

“A Fiesp é o símbolo da ditadura, que beneficiou a classe dominante. Não à toa Geraldo Resende de Mattos ia todos os dias ao Dops entregar listas com nomes dos trabalhadores a serem perseguidos pelo regime”, disse Ivan Seixas. Ele lembrou ainda que livros de visita do Dops de São Paulo mostram que o “Dr. Geraldo” frequentava o centro de repressão e tortura até quatro vezes por semana entre 1971 a 1978. “A Fiesp deu dinheiro para a repressão, para o Dops, para o DOI-Codi. Temos de exigir que faça retratação pública e reparação às famílias dos trabalhadores.”

Outra reivindicação apontou a necessidade da Fiesp abrir e manter um centro de memória da ditadura, para contar a história dos trabalhadores perseguidos pelas empresas. “As pessoas pensam que os presos políticos querem revanchismo quando fazem esses atos, mas não se trata deles. É para as novas gerações que interessam essas denúncias, para que elas não passem pelo que sofreu nossa juventude”, disse o ex-senador italiano José Luís Del Roio, presidente do Instituto Astrojildo Pereira. 

O grupo afirma que na sede da Fiesp ocorriam reuniões, organizadas pelo então ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, em que se recolhia uma “caixinha” entre representantes de empresas para financiar a construção de centros de tortura e a manutenção de operações de espionagem. Entre esses empresários estariam Henning Boilesen, da Ultragaz, e Gastão de Bueno Vidigal, do Banco Mercantil. Outras empresas, como Ford, Volkswagen, Camargo Corrêa, Chrysler e Folha de S.Paulo foram lembradas como prestadoras de apoio logístico a operações, fornecendo carros blindados, caminhões e marmitas.

Boilesen, segundo relatam os membros da FEP, teria trazido dos Estados Unidos uma máquina de eletrochoque. A atuação do empresário é tema de documentário de Chaim Litewski, premiado em 2009 no festival É Tudo Verdade. O filme é farto em depoimentos, até mesmo de pessoas ligadas à Operação Bandeirantes – organização da repressão financiada por empresários –, que atestam a conduta do empresário, que chegava a assistir a sessões de tortura e emprestar carros da Ultragás para os órgãos militares. Boilesen acabou morto em uma emboscada feita por guerrilheiros em 1971.

Os militantes, apoiados por familiares de desaparecidos e ex-presos políticos, afirmam que, para fazer as afirmações, se baseiam em vasta bibliografia, incluindo a obra do jornalista e escritor Elio Gaspari, além de documentos oficiais. Em fevereiro do ano passado, Ivan Seixas, encontrou no Arquivo do Estado de São Paulo os livros de controle de entrada do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, um dos principais centros de tortura do período, que mostra que diversos empresários frequentavam o espaço.

“Esse documento é importantíssimo porque não é um documento produzido por nós. É um documento produzido por eles mesmos e que demonstra essa relação”, afirma Seixas. A Fiesp nega que Mattos tenha sido seu funcionário. Mas era dessa forma que ele se apresentava no Dops, onde esteve mais de 50 vezes em 1971, em um período de 10 meses.

Para o deputado estadual Adriano Diogo (PT), – presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva de São Paulo, instalada na Assembleia Legislativa, onde os documentos foram analisados -, é preciso apontar os envolvidos na ditadura para que a população possa optar por boicotar seus produtos. “A Ford americana foi uma das principais apoiadoras do nazismo. Por isso judeus de nenhuma parte do mundo compram carros dessa marca”, comparou o deputado.

Empresas negam
Por meio de nota, o Itaú nega genericamente que defenda alguma posição política, sem comentar o episódio específico: “O Itaú respeita manifestações pacíficas, diversidade de pensamentos e ideias e a democracia, mas reitera que nunca defendeu qualquer posição política”, diz a nota.

A Fiesp, em nota, defendeu a apuração dos eventos denunciados: “A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo tem se pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito, e pelo desenvolvimento do Brasil. Portanto, eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados”.

Entre os participantes do protesto, estavam a ex-guerrilheira do Araguaia Crimeia de Almeida, viúva de André Grabois; Denise Crispim, viúva de Eduardo Collen Leite, o Bacuri, e Angela Almeida, viúva de Luiz Merlino. 

Embora não estivesse na pauta da 8a. Marcha da Classe Trabalhadora a denúncia do apoio à ditadura pela Fiesp, o “esculacho” acabou se beneficiando da manifestação sindical ao atrair imprensa e mais público para seu protesto. A Marcha reuniu milhares de manifestantes para cobrar uma pauta unificada pelas centrais sindicais ao Governo Federal.