Eles são quatro, um pouco afastados da última rotatória que leva, por uma pequena estrada, a um posto de vigia. Não tiram os olhos dos cerca de vinte militantes da Confederação Geral do Trabalho (CGT) que nesta manhã de janeiro, parados e com os braços carregados de panfletos, esperam a saída de centenas de trabalhadores do imenso canteiro de obras ao lado.

Uma primeira caminhonete se aproxima. Sindicalistas a param, interrogam os trabalhadores a respeito de sua origem, entregam panfletos em português. Apesar da barreira da língua, uma troca de informações sobre seus direitos começa através da janela entreaberta. Logo, os quatro homens se aproximam. “Circulem!”, solta o mais velho, ameaçador. “Vocês não têm o que falar com eles. Entrem no canteiro.” Os sindicalistas expulsam energicamente o quarteto, que volta a se distanciar.

A cada nova caminhonete parada, os quatro indivíduos anotam o número da placa e discretamente tiram fotos, sussurram num pequeno gravador. A cena aconteceu em 2014, na França. Em Loon-Plage, mais precisamente: um no man’s landvarrido por um vento glacial, na costa do Mar do Norte.

Descobrimos que o homem agressivo é ninguém menos que o responsável pelo canteiro do terminal de navios metaneiros [que transportam gás natural liquefeito – GNL] da Electricité de France (EDF); os três outros, seus capangas. Todos se recusam a responder a nossas perguntas. “Aqui é uma rotatória pública”, solta Marcel Croquefer, delegado CGT da Polimeri Europa France. “Vocês imaginam o que acontece dentro da obra?”

Efetivamente, é preciso ter imaginação para saber o que ocorre no segundo maior canteiro de obras da França – atrás apenas do canteiro do reator pressurizado (EPR) de Flamanville. O release de imprensa produzido pela responsável pelas obras, a Dunkerque LNG (filial da EDF), e datado de 19 de fevereiro de 2014 anuncia 1.337 trabalhadores: “95% europeus, dos quais um terço originário do Nord-Pas-de-Calais”. Mas, se os sindicalistas se deslocaram com seus panfletos em línguas estrangeiras, é porque eles sabem que ali os trabalhadores provêm majoritariamente da Itália, de Portugal e da Romênia.

É esse o resultado da diretiva europeia 96/71/CE sobre o trabalho terceirizado que permite às empresas europeias recrutar estrangeiros pagando as taxas sociais de seus países de origem? “Temos dificuldade em saber o número exato de trabalhadores estrangeiros no canteiro. Gira em torno de 60%”, estima Christelle Veignie, secretária da união local da CGT de Dunkerque.

Os sindicalistas vão esperar por muito tempo os trabalhadores italianos. Bloqueados por sua direção nos acampamentos onde estão acomodados, eles só serão autorizados a voltar para o trabalho lá pelas 10 horas da manhã, quando o último militante tiver ido embora…

Foi graças a uma operação similar, realizada em 10 de dezembro de 2013 por sindicalistas da Confederação Francesa do Gerenciamento – Confederação Geral dos Gerentes (CFE-CGC) e da CGT da construção, que essa questão da proporção dos trabalhadores terceirizados estrangeiros no canteiro do terminal de navios metaneiros ganhou visibilidade na imprensa local. No entanto, foi preciso esperar a intervenção espetacular de cerca de quinze militantes do Front National (FN) para que o caso ganhasse espaço. No dia 12 de dezembro, estes ocuparam o telhado da Câmara do Comércio e da Indústria (CCI) de Dunkerque e desenrolaram a faixa: “Emprego, os nossos primeiro”. A ação chamou a atenção da mídia nacional, que enlouqueceu as autoridades políticas e das prefeituras a alguns meses das eleições municipais. Claramente, a bela fachada que rodeava o canteiro acabava de desmoronar.

Quando o presidente Nicolas Sarkozy, no dia 3 de maio de 2011, anunciou a construção do terminal em Loon-Plage, este ganhou ares de panfleto publicitário patronal e político em matéria de luta contra o desemprego na região de Dunkerque, que sofria particularmente com o problema. Tudo começou quando, diante de uma multidão de jornalistas, Sarkozy prometeu centenas de empregos – no ano anterior, o fechamento da refinaria de Flandres tinha levado à demissão de 370 trabalhadores. A responsável pelas obras, a Dunkerque LNG, e os agentes locais, econômicos e políticos, promoveram então uma jornada midiática de envergadura: em 12 de dezembro de 2011, por exemplo, a filial da EDF organizou uma grande manifestação no Palácio do Congresso de Dunkerque, em parceria com o Polo Emprego, a CCI e a Entreprendre Ensemble (Empreender Juntos), uma associação para a inserção e o emprego presidida pelo prefeito socialista da cidade, o ex-ministro do Trabalho Michel Delebarre. Este evocou, na ocasião, uma “chicotada psicológica” para a região (Nord Littoral, 19 dez. 2011).

Dispostas a fazer qualquer coisa para encontrar o Graal de um emprego, 1,5 mil pessoas se deslocaram: “Um verdadeiro rush, à altura das esperanças suscitadas pelo canteiro do terminal metaneiro”, comentou o jornal Nord Littoral, em 19 de dezembro de 2011. “O terminal metaneiro tem um efeito objetivo e indiscutível”, declarou em outubro de 2012 o responsável pela seção local do Polo Emprego, Cyrille Rommelaere. “Seiscentos e dezoito contratos foram assinados com os interessados pelo emprego. A metade deles estava inscrita no Polo Emprego havia mais de doze meses, e 68% deles vinham da Costa de Opale.”1

“Contra o dumping social”

Algumas semanas depois, já se ouvia falar italiano, português e romeno na região. A miragem se dissipou; a população entendeu: “Nós lutamos contra o dumping social, contra as distorções do direito do trabalho, não contra os estrangeiros”, insiste Christelle. “Mas as pessoas estão cansadas das belas promessas”, completa Croquefer. “O FN só precisa surfar na decepção acumulada. O voto em Le Pen nas eleições municipais será culpa deles!”

O escândalo dos trabalhadores estrangeiros de Loon-Plage caiu mal para o governo de Jean-Marc Ayrault, emaranhado no fim de 2013 pela promessa do presidente François Hollande de inverter a curva do desemprego. Em dezembro, uma renegociação em Bruxelas da diretiva relativa aos terceirizados estrangeiros ofereceu ao ministro do Trabalho Michel Sapin um pretexto para esclarecer, ao retornar, que a França obteve um “acordo satisfatório e ambicioso, conforme a posição [que ela] defendeu com constância”.2 As mídias propagaram rápido.

Mas não se trata apenas de um “compromisso” entre os ministros do Trabalho europeus no seio do Conselho, que suaviza uma proposta inicial do Parlamento – e que permanece submissa à validação dos deputados. Acompanhado do ministro do Interior Manuel Valls (e então de um grande número de câmeras), Sapin se dirigiu rapidamente ao terminal metaneiro para uma visita surpresa: “Para ver se o código do trabalho e as diretivas europeias sobre a terceirização estão sendo bem aplicados”, explica “com firmeza” à AFP a comitiva do ministro (19 dez. 2013).

No local, alguns agentes do Estado ficam furiosos. A visita “surpresa” tinha sido anunciada… no dia anterior pela imprensa local. Na data em questão, os empregadores aconselharam os trabalhadores italianos e portugueses a ficar em seus trailers. O diretor adjunto da inspeção do trabalho de Dunkerque, Olivier Moyon, que se recusou a participar dessa “farsa”, denunciou a expedição em uma carta de 5 de fevereiro, que chegou ao nosso conhecimento: “A divulgação na imprensa local na véspera dos detalhes da operação eliminou qualquer chance de efetuar as constatações em flagrante das infrações do trabalho ilegal, além de descreditar nossos serviços, sobre os quais alguns trabalhadores encontrados em nossas missões já expressaram regularmente suas dúvidas. […] [Eles questionam] a realidade de nossa determinação em fazer que o direito trabalhista seja respeitado por seus empregadores”.

Fracasso do controle, vitória da operação de comunicação. As mídias foram embora de Loon-Plage, as autoridades locais puderam novamente fechar os olhos, e a Dunkerque LNG pôde continuar a subcontratar seus trabalhadores com uma forte proporção de operários estrangeiros.

O retorno da lei do silêncio, contudo, não satisfez os militantes sindicais. No dia 14 de fevereiro, em mais uma manhã glacial, a união local da CGT de Dunkerque se instalou novamente na entrada do canteiro com um caminhão de som e panfletos. Mais jornalistas, mas ainda muitos trabalhadores italianos e portugueses… Ônibus, caminhonetes, alguns carros: numa contagem baixa, quatrocentos trabalhadores desfilavam diante dos sindicalistas, decididos a não aceitar tal situação.

No dia seguinte, em torno das 17h30, o mesmo balé retornou, mas no sentido contrário. O que houve com as 35 horas regulamentares? Um operário português ousou responder: “Atualmente, trabalhamos quarenta horas por semana, mas normalmente trabalhamos cinquenta. Para a gente é bom, pois ganhamos um pouco mais. Precisamos do dinheiro, precisamos trabalhar”.

No canteiro, não há sindicato nem Comitê de Higiene, de Segurança e de Condições de Trabalho (CHSCT). Difícil, então, obter informações sobre o respeito ao pagamento das horas extras. “Na construção, as sete primeiras horas além das 35 têm um acréscimo de um quarto. As seguintes, de 50%. Vocês imaginam quanto as empresas podem ganhar se não respeitarem isso?”, solta David Sans, delegado CGT do grupo Vinci. “Não pudemos ver as fichas de salário, porque elas são entregues diretamente aos países. Soubemos que alguns operários estavam hospedados em cinco em uma pequena casa. Eles recebiam o Smic [salário mínimo interprofissional de crescimento], mas seu aluguel era descontado do pagamento.” “Durante os chamamentos da Dunkerque LNG no lote de eletricidade, a empresa Spie se posicionou com o valor de 16 milhões de euros em um mercado proposto de 25 milhões. Os italianos da Techint Sener ganharam por 12 milhões”, confiou Didier Czajka, delegado CGT da Spie. “O diferencial do nível de encargos sociais entre a França e a Itália não é tão grande assim.” Uma única explicação: “O desrespeito às convenções coletivas francesas”.

Traduzir a notificação custa mais do que a multa

No dia 5 de março, o triálogo (ler o artigo na pág. 22) entre negociadores do Parlamento Europeu chegou a um acordo de princípio visando “reforçar os controles e responsabilizar as empresas que dão ordens”, segundo Sapin. Para o comissário europeu encarregado das questões sociais, László Andor, trata-se de um “sinal claro: a Europa não aceita a fraude ou o abuso das regras aplicáveis em detrimento dos trabalhadores terceirizados”.3

Entre os agentes do Estado, nem todos estão convencidos disso, principalmente os inspetores do trabalho, dos quais muitos denunciam as dificuldades crescentes em garantir sua missão. Num primeiro momento, a empresa estrangeira que contrata um trabalhador estrangeiro para a França deve fornecer uma declaração à direção local do trabalho. Mas o documento – no qual constam o nome do trabalhador, sua qualificação, a empresa onde ele deve trabalhar, a duração de sua missão, seus horários, suas horas de descanso, a taxa de salário por hora – normalmente fica esquecido. E, quando um inspetor constata a presença de um estrangeiro sem o envio da famosa declaração, a sanção do empregador continua sendo uma ameaça muito longínqua. “Se um de nós tentar contatar a empresa por carta, a tradução se revela frequentemente mais cara do que a multa paga. Na maior parte das vezes, o tribunal torna o caso sigiloso”, constata, um pouco amargo, Pierre Joanny, inspetor do trabalho em Lille e ex-secretário da Sud Travail. Imaginemos que, apesar de tudo, a justiça condenasse uma empresa? “As multas raramente são pagas”, diz.

Restam as dezenas de milhares de trabalhadores terceirizados regularizados, que poderiam ser controlados. Mas ainda aí seria preciso poder fazê-lo… A árvore do canteiro do terminal metaneiro esconde uma floresta densa. A leitura dos quadros de declarações de terceirização de 2013 e 2014 ilustra a amplitude do fenômeno, em uma região onde se concentram um dos principais portos da França e quinze fábricas de tipo Seveso 2, majoritariamente controladas por multinacionais. Vinte e cinco romenos na Polimeri Europa France, oito lituanos na Total, treze romenos no McDonald’s, diversas centenas de portugueses na Aluminium Dunkerque… No total, diversos milhares de trabalhadores europeus foram contratados em 2013 para empresas de Dunkerque. Eles eram 144.411 na França em 2011, contra 16.545 em 2002, segundo um relatório parlamentar publicado em abril de 2013.4

Basta passear um domingo pelos campings da região de Dunkerque – Mer et Vacances, em Leffrinckoucke; Les Palominos, em Les Hemmes de Marck; ou Vert Village, em Crochte – para ver caminhonetes portuguesas, carros italianos e homens discretos e furtivos, que falam pouco e entram nos trailers. Basta ir ao hotel Première Classe de Armbouts Cappel à noite para ouvir polonês, a Looberghe para aprender romeno, a Bray Dunes para descobrir o lituano. Nos sites de pousadas francesas do norte, em pleno inverno, todas as hospedagens na região de Dunkerque estão lotadas.

“As empresas alegam se voltar para o estrangeiro por não poder encontrar na França as especializações de que necessitam. Na verdade, os trabalhadores franceses poderiam efetuar a maior parte das funções”, precisa Joanny. “A verdadeira motivação? Os ganhos obtidos sobre os horários, os salários, os abonos profissionais, a hospedagem e a alimentação”, completa Christelle. “Para os trabalhadores franceses, é a introdução organizada da maçã podre no cesto.”

Essa concentração maciça de estrangeiros terceirizados aumenta a carga de trabalho que já é pesada para os dez agentes encarregados do serviço da inspeção do trabalho de Dunkerque. Mas uma reforma governamental em andamento poderia piorar ainda mais as coisas: no Nord-Pas-de-Calais, há atualmente 147 agentes. “Não haveria mais que 129 se essa reforma terminasse”, preocupa-se Joanny. “Se os governantes tivessem realmente a vontade de proteger os trabalhadores, bastaria, por exemplo, construir o mesmo quadro de cooperação internacional que existe em matéria policial. Poderíamos então ir para outro país europeu para trabalhar com nossos colegas.”

Mas essa vontade política existe? Em sua carta a Sapin, Moyon escreve: “O procurador da República em Dunkerque já foi destinatário de dois processos verbais de infrações múltiplas constatadas junto a empresas estrangeiras controladas em 2012, sobre os quais no dia de hoje os prosseguimentos judiciários são desconhecidos”. Os empregadores dos trabalhadores terceirizados talvez tenham razões para não se preocupar com o “endurecimento” da diretiva 96/71/CE… 

Gilles Balbastre

Jornalista e codiretor, com Yannick Kergoat, do documentário Les Nouveaux Chiens de Garde [Os Novos Cães de Guarda], (Jem produções, 2012).

1 Libération, Paris, 5 out. 2012.

2  Libération, 9 dez. 2013.

3  AFP, 5 mar. 2013.

4 Éric Bocquet, “Rapport d’information fait au nom de la commission des affaires européennes sur les normes européennes en matière de détachement des travailleurs” [Relatório de informação feito em nome da Comissão de Casos Europeus sobre as Normas Europeias em Matéria de Terceirização de Trabalhadores Estrangeiros], Senado, Paris, 18 abr. 2013.

Publicado no Le Monde Diplomatique Brasil