Não era nada, não era nada, e não era nada mesmo
O fiasco dos protestos fica ainda mais patético quando se observa o cartaz levado por alguns manifestantes, onde se podia ler: “Dia Mundial contra a Copa”.
O que houve, afinal, foi o desfile de variados grupos em uma dúzia de cidades, cada qual levando suas reivindicações específicas. Na maioria dessas passeatas, a presença de cartazes contra a Copa foi repudiada e os chamados “black blocs” tiveram que fazer suas depredações longe da massa dos manifestantes.
Na região de Itaquera, em São Paulo, torcedores do Corinthians trataram de se misturar aos integrantes do movimento dos sem-teto para evitar que se aproximassem do estádio. Segundo relato dos jornais, um grupo de vinte manifestantes tentou levar pneus para queimar perto da arena, mas os corintianos jogaram os pneus num matagal. Posteriormente, a própria polícia fez uma barreira para impedir o acesso aos portões.
A imprensa não pode quantificar quantos torcedores estavam infiltrados na manifestação, porque todos eles vestiam camisetas vermelhas, conforme havia sido combinado entre integrantes da agremiação Gaviões da Fiel.
O episódio mostra como a correlação de forças entre os que se mobilizam contra a Copa e aqueles que desejam apenas torcer pela seleção brasileira é muito diferente do que faz supor o noticiário. Na verdade, há uma supervalorização dos protestos, como parte de um clima artificial de histeria – muito mais presente no noticiário do que na vida real.
O dia a dia das grandes cidades onde houve manifestações não sofreu mais transtornos do que aqueles da rotina, e a variedade das palavras de ordem das muitas aglomerações abafou os gritos dos que pensam impedir a realização do torneio de futebol. Como de praxe, nas fileiras dos anti-Copa concentravam-se os vândalos que parecem interessados apenas em atirar pedras contra vidraças.
Muito barulho por nada
Além da passeata contra a Copa, que se concentrou na Avenida Paulista, os jornais acompanharam mobilizações dos sem-teto comandados por um filósofo, dos professores da rede municipal de São Paulo, de metalúrgicos ligados a um deputado que pretende se candidatar a vice-governador, além de grevistas de diversas categorias e, na capital paulista, até mesmo ex-funcionários de uma empresa terceirizada pela prefeitura. Nas demais cidades, rescaldos de greves da polícia, grupos de interesses variados e até funcionários de uma rede de lanchonetes fizeram o caldo das manifestações.
O relato dos acontecimentos deve ter exigido o máximo da capacidade de organização dos editores, e o resultado da leitura dos principais jornais de circulação nacional é que se criou muita expectativa para um acontecimento que não se concretizou. O clima de histeria provocado por articulistas, comentaristas de vários meios e por apresentadores de programas populares do rádio e da televisão era apenas isso: histeria dos meios de comunicação.
A impressão que fica é que o cidadão comum quer apenas fazer em paz o seu trajeto de casa para o trabalho e assegurar seu caminho de volta no fim da jornada.
No meio da narrativa sobre o protesto dos sem-teto em Itaquera, o apresentador da Rede Record arriscou-se a cravar uma justificativa para o que entendia ser uma manifestação contra a Copa do Mundo, afirmando que “as pessoas ouvem o tempo todo denúncias de superfaturamento das obras, e o governo gasta em estádios enquanto faltam escolas e hospitais”. Sem querer, o jornalista tocava no ponto central: a ignorância geral sobre o processo de organização do campeonato mundial de futebol no Brasil e a crença, generalizada, de que o governo banca todas as despesas.
Tudo começa, portanto, na desinformação. E desinformação tem a ver com falta de qualidade no jornalismo.
Quando as pessoas se dão conta de que foram manipuladas, aquilo que se anunciava como a “mãe de todas as manifestações” acaba como o enredo daquela comédia de Shakespeare: muito barulho por nada
Publicado no Observatório da Imprensa