Um dos traços da campanha eleitoral para eleger deputados no Parlamento Europeu, um processo cada vez menos alheio aos eleitores, é a exploração pelos candidatos de assuntos nacionais acima dos pan-europeus.

No meio de uma crise econômica ainda latente no coração da Europa, um dos argumentos mais usados por grupos ultra-nacionalistas é o suposto perigo da chegada de imigrantes para disputar seus salários, rendas e benefícios sociais.

Nações como o Reino Unido, Áustria, Hungria, Holanda ou Dinamarca registram um avanço acelerado e preocupante de forças da ultra-direita que pela primeira vez poderiam formar um bloco específico na Eurocâmara.

A aplicação de medidas de ajustes na recente crise levou a uma rejeição social bastante generalizada, devido a suas consequências negativas para o emprego, a seguridade social e o próprio sistema de bem-estar do pós-guerra na Europa.

Tudo isso, em grande parte, empurrou a população a cair sob influência de grupos de ultra-direita ou neofascistas que, depois de anos de trabalho, finalmente conseguiram captar grande quantidade de adeptos com base em um discurso euro-cético e contra os imigrantes.

Os políticos de ultra-direita europeus souberam tirar proveito de um descontentamento da população com as consequências das medidas de ajuste que foram aplicadas, sobretudo, porque em geral as ordens vieram de entidades europeias.

Ficaram notórios por suas medidas antipopulares o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, a chamada troika que impôs medidas em troca de entregar resgates financeiros como aconteceu na Irlanda, em Portugal, na Grécia ou Chipre.

Mas ainda que nem todos os respectivos governos das nações da UE aplicaram as dolorosas receitas da troika, suas demandas foram gerais e vistas como uma intromissão na política e economia dos estados nacionais.

Sem contar com uma base legal estabelecida, a troika exigiu eliminação de empregos, recorte de ministérios, eliminação de despesas em matéria de educação, saúde e seguridade social, assim como ordenou confiscar contas bancárias, como em Chipre, entre outras.

Tudo isso provocou o auge do euro-ceticismo, no qual se apoiaram, principalmente, partidos de corte nacionalista, neofascista e de ultra-direita.

Para Javier Casals, professor de história contemporânea da Europa na Universidade de Pampeu Fabra, os partidos euro-céticos quase todos nascem de estruturas da extrema direita.

O conselheiro europeu de Relações Exteriores Ignacio Torreblanca considera que as formações euro-fóbicas atacam dois pontos cruciais da integração europeia: a moeda comum e a livre circulação de pessoas.

Os partidários de tais grupos políticos consideram que as instituições europeias são uma ameaça para a própria existência da identidade nacional e, sobre esse argumento, manipulam o apoio de seguidores e reforçam suas oportunidades nas urnas.

Sobre isso fala o avanço inusitado na França da Frente Nacional (FN), dirigida agora por Marine Le Pen; ou o progresso do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) que lidera as pesquisas em intenções de voto para as europeias nesse país.

Além disso, pode ser observada a ascensão do partido dirigente húngaro Fidesz, com grande tolerância para a atividade de organizações neonazis como o Partido para uma Hungria melhor (Jobbik), acusado de crimes contra ciganos e que controla uma organização paramilitar de mesmo corte.

Na Dinamarca também é palpável o avanço dos ultra com o Partido do Povo Dinamarquês, enquanto que na Grécia o Amanhecer Dourado, de tendência neofascista, aparece com mais força, similar ao Partido Nacional Eslovaco (SNS) ou o Vlaams Belang, na Bélgica.

Já na Bulgária avança a União Nacional Ataque (Atak); na Romênia, o Partido da Grande Romênia, que procura anexar territórios de idioma majoritário de sua língua; e na confederação helvética, o partido Democratas Suecos, ao qual se soma o partido Verdadeiros Finlandeses, todos de corte euro-cético e xenofóbico.

O holandês Geent Wilders, do Partido da Liberdade (PVV) tristemente conhecido por seus chamados xenofóbicos em público, poderia procurar alianças com outras organizações de ultra-direita.

Especialistas consideram que entre os candidatos a essa união, Wilders procuraria o SNS, o separatista Liga Norte da Itália, o Partido da Liberdade da Áustria (FPO), o Vlaans Belong da Bélgica ou o Partido Democrático da Suécia para criar um bloco na Eurocâmara.

No entanto, o professor da Universidade estadunidense da Georgia, Cas Mudde, estima que numa situação como essa, Wilders corre o risco de ser apontado como principal responsável por qualquer fracasso da bancada de ultra-direita no Parlamento Europeu.

De acordo com recentes pesquisas para as eleições, o Partido Popular Europeu (direita) poderia conseguir 212 de 751 cadeiras, enquanto que a aliança de socialistas e democratas atingiria 209, dominando assim juntos 421 assentos, maioria absoluta.

Os euro-céticos e a ultra-direita poderiam chegar a ter 20 e 30% dos votos, ainda que a atomização de ideias e tendências dentro dessas forças podem impedir um trabalho conjunto na Eurocâmara.

Ao mesmo tempo, em muitos casos, com raras exceções como Polônia ou Croácia, onde a crise ucraniana ou a recessão relegaram a um segundo plano as eleições europeias, em quase todos os casos essa disputa eleitoral foi usada para tratar de temas nacionais.

Os gregos procuram soluções à profunda crise econômica, o desemprego e a pauperização social em uma votação que coincide com eleições locais e regionais e em Londres, o governo conservador enfrenta o desafiou do Partido da Independência do Reino Unido.

De fato, as consulta nas urnas para a Eurocâmara se converteram em uma espécie de plebiscito da atuação das instituições europeias frente à crise dos últimos cinco anos, segundo especialistas.

Os desafios europeus

Das eleições parlamentares europeias de 22 a 25 de maio, à qual estão convocadas cerca de 390 milhões de pessoas, participam 13 partidos europeus que deverão enfrentar os desafios do próximo quinquênio como energia, desemprego ou comércio internacional.

A luta contra o desemprego na Europa deverá levar em conta 25 milhões de afetados por esse flagelo, sem uma solução palpável nos últimos anos, independente do otimismo demonstrado por alguns estados da região.

Em alguns casos, como Grécia e Espanha, com mais de 25% de desocupados na população economicamente ativa, a situação mostra como será complicada a tarefa dos próximos eurodeputados e a direção da Comissão Europeia para demonstrar uma gestão positiva da UE.

Outro desafio importante para as autoridades comunitárias será o assunto da segurança energética que tomou preponderância entre os governos europeus, principalmente no meio da crise ucraniana.

A Rússia recusou desde um primeiro momento a ruptura constitucional na Ucrânia e a instalação em Kiev de um governo eleito por um Parlamento vigiado por paramilitares neofascistas que também tomaram posse das sedes do Executivo e da Presidência.

Moscou desconheceu as novas autoridades ucranianas e apoiou um referendo de soberania da maioria de idioma russo na Crimeia, que finalmente se reincorporou à Federação Russa, à qual pertenceu até 1954.

Além disso, o Kremlin foi favorável a uma federalização da Ucrânia para procurar uma saída política à crise no país, onde elementos neofascistas vinculados ao novo poder tentaram cercear direitos da população de idioma russo no leste e sul do país.

A posição assumida na crise ucraniana levou as potências ocidentais europeias e os Estados Unidos a impor sanções à Rússia que já afetaram companhias específicas, como foi feito por Washington.

Tudo isso acontece no meio da dívida de Kiev pelo gás fornecido pela Rússia, o que demandará o pagamento adiantado das entregas a partir de junho deste ano.

Cerca de 80% dos mais de 160 bilhões de metros cúbicos de gás russo consumidos a cada ano na Europa passa pela rede ucraniana de gasodutos.

Moscou procura há vários anos vias independentes para evadir a passagem pela Ucrânia do gás fornecido ao Velho Continente e a atual crise deu razão aos russos.

No entanto, várias nações europeias, sobretudo a Polônia e as repúblicas ex-soviéticas do Báltico aproveitam a situação na Ucrânia para falar de uma menor dependência energética da Rússia.

Varsóvia fez um chamado, inclusive, a criar uma união energética europeia a partir da compra conjunta de combustível e a redução do orçamento inchado de 400 bilhões de euros destinados à compra anual de gás, petróleo e carvão para a UE.

Um terceiro problema a ser resolvido pelas entidades comunitárias é o comércio internacional, especificamente o tratado de libertação transatlântico que a UE negocia com os Estados Unidos, mas que poucos duvidam seja possível assinar antes de acabar 2015.

No entanto, levá-lo à prática incidirá sobre os próximos cinco anos e será uma das principais tarefas da nova composição da Comissão Europeia (CE), o órgão executivo da UE.

O escândalo de espionagem massiva norte-americana, denunciado pelo ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA) Edward Snowden, colocou em evidência o rastreamento exercido por essa entidade a cerca de trinta chefes de estado no mundo inteiro.

Vários dirigentes europeus estiveram entre os espiados, inclusive a chanceler federal alemã, Angela Merkel, um assunto que na cúpula da UE de outubro de 2013 dificultou as relações entre a Casa Branca e o bloco comunitário.

A isso se soma a tradicional tendência protecionista dos europeus, especialmente a seu setor agrícola e automotriz, o que promete negociações bem ásperas em matéria de livre comércio.

Um ponto a resolver entre todos os europeus está vinculado ao problema migratório, tanto entre estados da UE, onde o Reino Unido se destaca por suas medidas de restrição, como a entrada de imigrantes fora do bloco.

A eleição europeia

Nos últimos anos, o Parlamento Europeu aumentou suas áreas de competência e se converteu em um órgão poderoso dentro da UE, destacam especialistas comunitários.

A nova legislatura contará com 40 novos tópicos nos quais suas decisões estarão no mesmo nível de tomada de decisões que o Conselho Europeu, que reúne estadistas de 28.


Entre as referidas áreas estarão segurança energética, agricultura, justiça, assuntos do Interior e fundos estruturais.


Além disso, nas eleições europeias também será eleito candidato para presidir o CE e substituir nesse posto o português Jose Manuel Durão Barroso.

Para isso, cinco dos partidos europeus apresentaram seus respectivos candidatos.

O Partido Socialista Europeu será representado pelo atual presidente da Eurocâmara, o alemão Martin Schulz, enquanto que o ex-presidente do Eurogrupo, o luxemburguês Jean Claude Juncker, o fará pelo Partido Popular Europeu (conservador).


A alemã de 33 anos Ska Killer será a candidata da Aliança dos Verdes (EG), enquanto que o ex-primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt será o dos Liberais, e o líder do partido grego Syriza, Alexis Sipras, se candidatará pelo Partido da Esquerda Europeia.

O período eleitoral europeu começa 22 de maio na Holanda e no Reino Unido, onde coincide com as municipais, No dia 23 será na Irlanda, 24 na Estônia e 25 no resto da UE.

Os deputados eleitos estarão em melhores condições que na legislatura de 2009, pois operariam com as novas prerrogativas concedidas no Tratado de Lisboa, assinado esse mesmo ano.

Ao concluir esse processo, o presidente do Conselho da Europa, Herman Van Rompuy, se reunirá com os 28 estadistas do bloco para detalhar as propostas para a presidência do CE e do Eurogrupo, que deverá levar em consideração o resultado das parlamentares europeias.

Por enquanto continua latente a ameaça de uma maior presença da ultra-direita na Eurocâmara como possível confirmação de seu preocupante avanço na Europa, tendo a xenofobia como uma de suas pontas de lança.

Fonte: Prensa Latina