A costura do invisível: sobre a carga tributária brasileira
Não é novidade a arquitetura que será feita a seguir tomando informações aqui e ali de fontes oficiais do Brasil e do exterior. A maior parte delas não será encontrada na velha mídia, onde as informações são coadas várias vezes até ficarem com o aroma e o gosto pretendidos pelo editor-chefe, quando são liberadas para a composição final, ou poderá ser, sim, encontrada uma parte reduzidíssima delas, a qual será observada apenas como uma referência despretensiosa, descaracterizado o teor principal.
Outros arquitetos como eu já incursionaram por esse tipo de exercício buscando juntar as peças do quebra-cabeças que norteia a análise e a avaliação da economia brasileira diante da invisibilidade ou falta periódica e intencional de informações nos jornais, revistas e TV a despeito da abundância de informações medíocres ou mal intencionadas que são veiculadas.
Tomei emprestado o título destas notas do último desfile realizado por Jum Nakao em 2004 no São Paulo Fashion Week, posteriormente divulgado em livro de mesmo nome cujas concepção, composição, arte gráfica e edição ficaram a cargo de minha filha, Adriana Peliano.
Vamos então à costura do invisível. Começando pela comparação direta entre carga tributária e produção. Pois é, parlamentares, empresários e consultores de parlamentares e empresários, todos eles há tempos fazem ecoar aos quatro ventos que a carga tributária do Brasil é indecente. Percentual altíssimo que desestimula a produção e os investimentos.
Houve até um momento em que se discutiu a oportunidade e a viabilidade de se instaurar no país o imposto único que serviria para não só rebaixar os custos da produção em todos os níveis e setores, mas também amenizar os custos e as despesas de consumo e investimento tanto das famílias quanto das empresas. A tese e as tentativas não vigoraram e o esforço desapareceu, embora continue querendo ressuscitar vez ou outra pelas investidas dos mesmos parlamentares e empresários e seus seguidores.
Pois bem, a primeira fonte de informação é a insuspeita The Heritage Foundation, organização conservadora com sede em Washington, a qual defende políticas públicas sob o princípio do livre mercado, governo limitado, liberdade individual, valores tradicionais e defesa e segurança nacionais fortes. Os dados por ela divulgados indicam numa comparação internacional qual a posição do Brasil na escala das maiores cargas tributárias do mundo.
O Brasil é o último colocado no conjunto de 18 países com as maiores cargas tributárias do mundo. À frente dele estão Kiribati, Zimbabwe, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Cuba, França, Finlândia, Noruega, Áustria, Itália, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Argentina, Portugal e Rússia.
A percentagem do total de tributos cobrados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do nosso país é de 34,4%. Enquanto isso, relação igual na Dinamarca chega a 49%, França 44,6%, Itália 42,6%, Alemanha 40,6%, Espanha 37,3%, Argentina 37,2%, Portugal 37% e Rússia 36,9%.
Desde a crise financeira de outubro de 2008 eclodida nos Estados Unidos e espalhada pelo mundo afora, o Brasil tem sido um dos poucos países que conseguiu manter-se relativamente saudável na expansão de seu PIB e afetado sem maiores prejuízos em suas contas externas pelas oscilações da moeda e do crédito internacionais. Por outro lado, boa parte dos países acima listados foram afetados, uns mais, outro menos, com redução forte do PIB e aumento do endividamento bancário e da dívida externa.
Com todo o chororô parlamentar e empresarial de ocasião, não foi o tamanho da carga tributária brasileira que impediu o país de reagir bem à crise internacional. Ao contrário de muitos dos demais países acima que, sim, com cargas tributárias maiores acabaram reduzindo os ritmos de crescimento, chegando uns até mesmo à recessão, para enfrentarem melhor a situação financeira internacional.
Ao mesmo tempo o Brasil é o primeiro produtor mundial de etanol e biodiesel e o maior exportador de soja do mundo, além de ser o quarto produtor mundial de cimento, o quinto de telefones celulares – ao mesmo tempo o quinto em acessos de usuários na internet – e o sétimo de veículos. Somando tudo isto, o país apresenta a sétima economia mundial em tamanho do PIB.
Esses volumes e cifras alavancam seus respectivos nichos produtivos bem como a economia como um todo por serem setores portadores de sinergias fortes para frente e para trás no complexo da produção agrícola e industrial nacional. É uma falácia, portanto, pontuar a carga tributária como obstáculo e gargalo à expansão produtiva do país. O rescaldo da crise financeira, no entanto, ainda ronda muitas países e repercute no Brasil pelo arrefecimento localizado do movimento do comércio exterior.
O reflexo positivo das boas colocações do país nesses e noutros setores produtivos chega aos dados do desemprego. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE divulgada nesta quarta-feira, 22 de maio, mostra que a taxa de desemprego em abril último atingiu 4,9%, o menor percentual para esse período desde sua implantação.
Mais significativo é que, na comparação mensal, a taxa de março tinha sido de 5%, enquanto na comparação anual, a taxa em janeiro deste ano chegou a atingir 5,9%. Quedas seguidas, portanto, reduzindo mais ainda o contingente sem emprego formal no mercado de trabalho – a população desocupada ficou 17% menor do ano passado para cá.
A formalização dos trabalhadores igualmente aumentou desde o ano passado, quando o número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado chega a 11,7 milhões com acréscimo de 2,2%. Por fim, o rendimento médio real praticamente se mantém de março para abril deste ano, mas sobe 2,6% de 2013 a 2014, saindo do nível de R$ 1.977,24 e chegando ao nível de R$2.028,00. A situação de emprego e renda do trabalhador brasileiro, portanto, apresenta um quadro de melhoria gradativa apontando um cenário positivo daqui para a frente.
O resumo da ópera é que a produção nacional continua bem nos setores mais expressivos mundialmente e a carga tributária não indica ser empecilho crônico nem vilã do recuo momentâneo do crescimento, tanto é assim que os resultados conjunturais do desemprego e do rendimento mostram evolução gradativa para melhor nos dois casos. Os efeitos positivos sobre a desigualdade de renda são imediatos e inegáveis.