Imprensa arrisca publicar pautas positivas sobre a Copa
Pela primeira vez, em anos, é possível usar um texto da imprensa brasileira como referência para desmistificar informações equivocadas sobre a Copa do Mundo. Somente nesta sexta-feira, 23 de maio, é possível encontrar uma manchete na Folha de S. Paulo que resolve dizer que os gastos com o torneio esportivo equivalem a apenas um mês do orçamento para a educação. Em complemento, um título do Estadão, escondido entre tantos outros, diz que essa Copa será a mais lucrativa de todos os tempos. Ou seja, embora o gasto seja pequeno, se comparado à capacidade do país, os lucros serão nunca vistos para o país, considerando o interesse mundial sobre o evento no Brasil.
O ineditismo da postura da mídia, que vinha estimulando a desinformação sobre o evento, há anos, geraram até uma reação da presidenta da República, no mesmo dia. Em sua página no Facebook, Dilma Rousseff citou os dados publicados na Folha, que reafirmam que os recursos para construção e reforma de estádios não foram retiradas da educação e da saúde. Uma informação bastante básica, que sempre esteve à disposição, mas que só agora, há 21 dias da abertura dos jogos, ganha destaque na imprensa corporativa.
A reportagem mostra que os gastos e os empréstimos do governo federal, dos Estados e das prefeituras com a Copa estão previstos em R$ 25,8 bilhões. O valor equivale a 9% das despesas públicas anuais em educação, de R$ 280 bilhões. Em outras palavras, é o suficiente para custear aproximadamente um mês de gastos públicos com a área.
Há ainda uma distorção sutil na reportagem. Se considerar que o compromisso efetivo com a FIFA, entidade organizadora da Copa, são as reformas de estádios e infraestrutura específica para o mês de torneio, o número real cai de R$ 25,8 bilhões para R$ 8 bilhões. Este número daria para cobrir pouco mais de uma semana do sistema público de educação. Com o detalhe de que, a maior parte deste custo é composto de empréstimos do BNDES, que deverão ser pagos pelos clubes.
Ou seja, quase R$ 18 bilhões deste custo que a mídia insiste em colocar na conta da Copa do Mundo, equivale a obras em aeroportos, portos, metrô, corredores de ônibus, viadutos, túneis, duplicações de avenidas, terminais de ônibus, transportes sobre trilhos, etc. Obras que contribuirão para melhor receber os turistas estrangeiros e nacionais, mas que sempre foram uma demanda da sociedade brasileira e foram aceleradas por ocasião do torneio.
Ofensiva presidencial
“Muitos ainda se confundem sobre a origem dos recursos destinados ao evento e, também, sobre o legado do mundial no Brasil. Dizem por aí que a Copa tirou dinheiro da Educação e Saúde, mas isso é pura balela”, escreveu a presidenta. Em relação a saúde, a presidente destacou que o investimento na área é bem superior aos recursos aplicados na Copa. “Os recursos destinados à saúde anualmente somam R$ 206 bilhões. Enquanto isso, os gastos com a #CopaDasCopas somam R$ 25,8 bilhões, sendo que parte deste valor ainda retornará aos cofres públicos, como é o caso da construção dos estádios”, destacou a petista.
“É importante lembrar que os R$ 8 bilhões investidos na construção e reforma de estádios são recursos do BNDES, verbas locais e da iniciativa privada. Todas informações sobre execução orçamentária e financeira do governo federal são de acesso público e podem ser conferidas no Portal da Transparência”, concluiu.
O comentário de Dilma acontece em meio a onda de pequenos protestos de rua que pedem o cancelamento da Copa. Parte dos manifestantes afirma que o governo federal deixou de investir em saúde, educação e habitação para pagar a construção dos estádios. Essa desinformação foi estimulada por colunistas de jornais e rádios, reportagens e apresentadores de televisão, visando a fermentar o caldo de manifestações para atingir a presidenta, candidata à reeleição. Mesmo com o esforço sistemático, articulado e massacrante de toda a imprensa, as manifestações geraram mais reações negativas da população, do que adesão.
Copa das Copas
O Estadão foi mais tímido. Coloca em pé de página a manchete “Copa no Brasil baterá todos os recordes financeiros da história do futebol”. Um texto complementar ao da Folha, que, em nenhum momento, aponta o retorno que virá dos investimentos citados. A Folha compara negativamente a prioridade do governo dada à Copa, em contraponto a outras obras como a usina de Belo Monte ou a transposição do rio São Francisco.
O Estadão, por sua vez, cita os lucros inéditos que terão todos que investiram na Copa, como a própria Fifa, evitando falar dos benefícios que chegarão à população em geral. O tom quase irônico da reportagem visa a reafirmar os argumentos dos protestos que apontam para uma “Copa sem povo”, como se isso fosse possível diante dos reflexos econômicos que o evento tem para o emprego, o turismo e a imagem do país.
Restringindo-se exclusivamente aos fatos, a reportagem do Estadão diz, baseada em dados da Fifa, que o torneio está sendo o mais caro, o mais lucrativo, o que distribuirá maiores prêmios, o que será visto por um número inédito de pessoas, o que mais teve ingressos pedidos e o que terá em campo os craques mais caros da história do futebol.
Na final da Copa em 2010, 530 milhões de pessoas assistiram a Espanha levantar o troféu. Desta vez, os números devem ultrapassar essa marca. No Brasil, mais de 14 mil jornalistas foram credenciados para o evento, outro recorde. Mais de 11 milhões de pessoas enviaram seus pedidos para os 3 milhões de ingressos disponíveis. Só para a final no Maracanã, a Fifa poderia ter preenchido cinco estádios com os pedidos que recebeu. “Das seleções aos clubes, dos atletas aos cartolas, todos sairão do Brasil com um volume de dinheiro inédito nos bolsos”, diz o texto, agora, sem dados concretos.
O Estadão, aliás, é o veículo que mais repetiu que a Copa “poderia ter” mais reflexos políticos, que econômicos. Enquanto veículos estrangeiros já contabilizaram até a proporção que a Copa terá de contribuição para o PIB brasileiro, o Estadão insiste na tecla de que as obras de infraestrutura, a circulação de milhões de turistas pelo território nacional, a gigantesca máquina de propaganda, a formação técnico-profissional de milhões de jovens, a visibilidade de bilhões sobre o país, não terá efeito nenhum sobre a economia. Estes dados a imprensa continua devendo ao leitor/público.
A opinião publicada
Naturalmente, a total ausência da informação oficial na imprensa corporativa teve um efeito sobre a opinião pública. Há uma desconfiança confirmada em pesquisas de opinião, de que a Copa do Mundo seria usada para desvios de recursos e roubalheira. Fica sempre de escanteio dados como aquele apresentado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), convidado por senadores oposicionistas para um debate sobre a Copa, que revelou manter fiscalização permanente sobre os preparativos e que conseguiu economizar R$ 550 milhões nas obras da Copa. Além disso, a imprensa não encontrou nenhum esquema de corrupção nas obras digno de nota em suas capas.
Em pesquisa recente do Datafolha, mais da metade da população é pessimista em relação à realização do evento. Revela ainda que a maioria desses brasileiros que não acreditam que a Copa será bem realizada, são os mais bem informados pela mídia corporativa. E que a outra metade que é otimista equivale ao perfil de eleitores de Dilma: mais pobres, menos escolarizados, moradores de estados mais pobres da federação. Uma pesquisa com intenções bem duvidosas, que, se fosse levada a sério, revelaria apenas o óbvio: quem presta atenção na imprensa, tende a cair numa profunda depressão e incapacidade total de realização de grandes feitos.
Adesão à euforia popular
Por que publicar pauta positiva agora, depois de tanta queimação? Os motivos são muitos, a começar da estratégia de jornais como a Folha de S. Paulo que publicam uma pauta favorável ao governo, em meio a milhares contrárias, para causar uma impressão de isenção e neutralidade. Ninguém poderá dizer que eles não publicaram a informação negada por tanto tempo. Enquanto pauta negativa vira suíte (um conjunto seriado de reportagens), a matéria positiva sobre a Copa deverá morrer na edição daquele dia.
Mas há motivações políticas também. É preciso entrar no clima de euforia inevitável que um evento desse porte vai causar por todo o país. Ainda que timidamente, a pauta política positiva cria o assoalho para as inúmeras reportagens que obrigatoriamente terão que ser feitas por todo o país, caso queira vender papel. O sucesso estrondoso do álbum de figurinhas da Copa é um exemplo do tipo de lucro que uma empresa gráfica como a Folha de S. Paulo pode ter se souber capitalizar o clima positivo. Mantido o clima de ataques à Copa, até mesmo anunciantes poderão evitar tais veículos, para não contaminar sua publicidade verde-amarela.
Do ponto de vista político, o golpe contra a Copa não foi capaz de gerar os frutos desejados. A Oposição continua patinando sem saber como atingir a candidata à reeleição. Grande parte da Oposição está diretamente envolvida com a realização da Copa e também pode ser responsabilizada por eventuais problemas, como nos casos de desapropriações que são responsabilidade direta dos gestores locais. O movimento anticopa desmoronou para um tipo de violência, ataques a patrimônio público e privado e perturbação da mobilidade urbana, que só gerou repúdio e afastamento popular. O radicalismo esquerdista dos manifestantes não foi capaz, mesmo com a ajuda permanente da mídia, de criar uma onda pacífica e festiva de protestos.
É preciso registrar que a maioria dos portais, rádios, jornais e programas televisivos, se juntaram ao volume inexpressivo daquelas manifestações para coberturas ao vivo e integrais dos protestos. Era comum ler, ver e ouvir jornalistas descrevendo cada gesto de manifestante, cada cartolina, cada virada de esquina, numa tentativa explícita de atrair mais manifestantes. Nada adiantou. Os manifestantes sequer reconheceram o papel que a mídia exerceu como aliada de primeira ordem, chegando a hostilizá-la. Esta talvez seja a derrota mais inaceitável para a mídia, que tanto esforço fez para dar espaço nobre em seus noticiários para manifestações de algumas centenas de jovens mal humorados e mal agradecidos.