Entre os anos 1950 e 1970, quase 40 milhões de brasileiros marcharam da zona rural para as cidades. Desprovidos de tudo, migraram buscando trabalho e uma vida melhor. E esta “diáspora” prosseguiu. Pelos dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 84,4% dos 190 milhões de brasileiros vivem nas cidades. Em1940, a população urbana era apenas de 31%.

Essa vertiginosa e acelerada urbanização se deu sob a mesma lógica da grande expansão capitalista ocorrida no país: grande crescimento econômico, volumosa produção de riqueza e, simultaneamente, gigantesca concentração de renda e exclusão da imensa maioria do povo dos benefícios do crescimento econômico. As cidades brasileiras de hoje, sobretudo as metrópoles, são um produto e um retrato desta lógica.

No espaço geográfico no qual se expandiram as cidades, cada metro quadrado adquiriu, conforme a localização, o valor do ouro. Assim, poderosos grupos capitalistas e sua teia de agentes nas diferentes esferas do Estado mercantilizaram, privatizaram o espaço urbano e concentraram, nas regiões de moradia, lazer e trabalho dos ricos e muito ricos, os investimentos públicos para assegurar-lhes bem-estar e qualidade de vida. Enquanto isto, para os trabalhadores, para os pobres, foi destinada outra “cidade”, ou melhor, uma “não-cidade”, sem saneamento, sem espaços de lazer, sem infraestrutura adequada, sem segurança, sem transporte coletivo que atendesse à demanda com o mínimo de qualidade.
Décadas se passaram desde o início daquela grande corrida para as cidades. Hoje, os números escancaram e o grito das ruas denuncia: está instaurada no país uma grave crise urbana. As cidades que antes significavam perspectiva de uma vida melhor estão prisioneiras de graves problemas, como o estrangulamento da mobilidade urbana, violência com estatísticas de guerra civil, a degradação do meio ambiente, falta de moradia para o povo. O entretenimento, a cultura, o esporte ainda são privilégio de poucos. Na cidade de São Paulo, um em cada cinco habitantes vive em favelas – fenômeno comum a outras metrópoles com suas imensas periferias pauperizadas.
Do sonho de um paraíso, as cidades se transformaram numa espécie de purgatório. Mesmo as elites, com suas áreas “nobres”, tiveram a qualidade de vida afetada seja pela violência, seja pelo trânsito caótico.
A situação só não é pior porque, desde os anos 1960, travou-se uma luta liderada por entidades populares e lideranças progressistas por uma Reforma Urbana que humanizasse as cidades e rompesse com essa lógica que, na prática, nega à maioria do povo o direito às cidades. De lá para cá essa jornada, mesmo com oscilações, obteve vitórias significativas que resultaram no capítulo temático sobre a questão urbana na Constituição de 1988 – êxito que abriu portas para a aprovação, em 2001, do avançado Estatuto da Cidade. Contudo, o conservadorismo freou a aplicação desse Estatuto e bloqueou a realização das reformas necessárias.
Nos últimos 11 anos, os dois governos do presidente Lula e o governo da presidenta Dilma Rousseff aprovaram importantes dispositivos legais e conceberam audaciosos programas para dar respostas à pauta da crise urbana. Entre as realizações deste período, destacam-se a criação do Ministério das Cidades, a realização de conferências nacionais sobre o tema, o PAC da Mobilidade Urbana, o Programa Minha Casa Minha Vida – atualmente, já na segunda etapa, que prevê a construção, até o final deste ano, de 2, 7 milhões de moradias, e, para o próximo quadriênio, se estipula como meta a edificação de outras 3 milhões de unidades.
Como desafio para o próximo período, destaca-se a necessidade de acelerar a instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) como instrumento indispensável para conjugar as ações das três esferas de governo para que a Reforma Urbana, questão de dimensão nacional tantas vezes postergada, seja finalmente realizada.

Adalberto Monteiro é editor da revista Princípios