Foto: Marcelo Martins

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A voz firme e lúcida está longe de evidenciar as mais de oito décadas de vida, com uma memória, rica em detalhes, Maria do Carmo Ribeiro Prestes vivenciou alguns dos momentos mais históricos e importantes do Brasil do século passado. Filha de um camponês comunista, a jovem passou a militar, ainda jovem, no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nesta terça-feira, esse nome, que tem seu lugar guardado na História e nos bancos escolares e acadêmicos do país, esteve em Santa Maria. Em sua passagem pelo município, ela divulgou a obra, de sua autoria, Meu Companheiro – 40 anos ao Lado de Luiz Carlos Prestes.

Ao Diário, ela falou por quase 30 minutos. A pernambucana, nascida em Poçal na década de 30 e que tem como seu nome verdadeiro Altamira Rodrigues Sobral, contou à reportagem, por exemplo, como passou a se chamar Maria do Carmo Ribeiro. A nova identidade teve de ser adotada, na década de 50, já que ela passaria a fazer a segurança do militar de formação Luiz Carlos Prestes, que liderou a chamada Coluna Prestes, movimento de militares liderado por ele, nos anos 1920,  que denunciava a pobreza e o descaso dos políticos no Brasil.

Na companhia dos filhos, Luis Carlos Prestes Filho e Mariana Ribeiro, ela falou sobre o sistema político brasileiro, as recentes manifestações que varreram o país desde junho do ano passado. E, claro, ela não deixou de falar sobre a sua convicção no modelo socialista. Para ela, que se refere à Rússia como União Soviética (já extinta) ainda “há esperança” na volta do regime apregoado pelos esquerdistas mais românticos:

_ Eu acredito que o povo soviético vai resolver esse problema (risos). Eles têm capacidade e são muito patriotas para se fazer um socialismo mais aperfeiçoado e, principalmente, com a experiência do passado. O socialismo não é um céu de cor de rosa. Ele (socialismo) tem tantos problemas quanto o capitalismo. Mas te garanto uma coisa: no socialismo não há crianças sem escola. Conheço bastante gente que lamenta o fim da União Soviética. Sempre há esperança.

O segundo amor do Cavaleiro da Esperança

O gaúcho Luiz Carlos Prestes, nascido em Porto Alegre, conhecido como “O Cavaleiro da Esperança”, foi casado com a comunista Olga Benário. Com ela, ele teve a filha Anita Leocádia Prestes, que nasceu em uma prisão na Alemanha, mas foi resgatada pela mãe de Prestes, após intensa campanha internacional. Olga foi deportada e morreu numa câmara de gás num campo de concentração nazista.

Maria do Carmo Ribeiro Prestes foi a segunda mulher de Prestes. Os dois se conheceram quando ela, militante, foi destacada para fazer a segurança dele na clandestinidade, na década de 50. Para enganar a vizinhança, o chamava de Pedro, apelido que ficou.  Ela se refere carinhosamente ao  ex-marido como ‘Velho’. Ela é mãe dos sete dos oito filhos de Prestes, com quem foi casada por 38 anos. Ao contrário de Olga, que era uma comunista histórica, Maria do Carmo era uma do povo. À época, o que não faltou era militante partidário do PCB que não se agradava também do fato de ela ser três décadas mais nova do que o Cavaleiro da Esperança.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista dada por Maria ao Diário:

Diário de Santa Maria – A sua atuação na política se deu ainda jovem. Já que o seu pai também era um atuante militante político… 
Maria do Carmo Ribeiro Prestes – Eu sou filha de comunista. Meu pai (Rodrigues Sobral) era camponês do Interior de Pernambuco. Ele era considerado um subversivo. Foi deportado de navio para o Rio de Janeiro. Lá, ficou preso ao lado de outros também considerados subversivos. Quando chegou à Bahia, ele se jogou no mar e voltou para Recife a pé. Aí, quando ele chegou ao Recife passamos à clandestinidade. Daí em diante tivemos que nos mudar várias vezes.

Diário – A senhora viveu sob um aparato de repressão do Estado. Como a senhora fazia para se manter na militância política?
Maria do Carmo – Em 47 (1947), o partido (PCB) foi para a clandestinidade e eu, que já tinha sido presa no governo Barbosa Lima Sobrinho e tive a minha cabeça raspada, fui chamada, depois que saí da cadeia, pelo partido para ser segurança do Prestes.

Diário – Falando sobre isso. Como foi a experiência de ser segurança de Prestes, já que, à época, a senhora era jovem e foi designada para tal atividade?
Maria do Carmo – Isso foi nos anos 50, tanto ele quanto eu estávamos na clandestinidade. Teve uma casa (na Rua 19 de Fevereiro, em Botafogo, no Rio de Janeiro) que foi determinada pelo Comitê Central do PCB que na época tinha o Giocondo Dias (figura importante do PCB) e que era da nossa ligação. Foi para essa casa que eu tive a missão de ser enviada para receber o hóspede. E eu não sabia quem era o Prestes. Quando ele chegou eu fiquei admirada pela sua magreza. Ele vestia um chapéu na cabeça. O Giocondo (Dias) me perguntou “você conhece esse companheiro?” e eu disse “conheço”. Até porque eu passei a minha vida inteira distribuindo panfletos e fazendo finança e vendendo jornal para o Luiz Carlos Prestes. Fiquei, praticamente, dos anos 50 aos anos 90 como responsável por Prestes. Foram 40 anos de vida com ele, sendo dez anos na absoluta clandestinidade, que foi de 50 a 59. Nesse período, em 59, teve uma meia legalidade, no governo (Juscelino) Kubitschek. De 60 a 62, ficamos no Rio e, depois, voltamos a São Paulo. Após isso, de São Paulo, em janeiro de 64, parti, pela primeira vez com ele, rumo à União Soviética (atual Rússia). Quando voltamos (ao Brasil) já estava anunciado o golpe (em referência à ditadura militar). Em São Paulo, na Vila Mariana, onde tínhamos uma casa ele (Prestes) entra na casa e um vigia da rua veio nos avisar que a nossa casa estava sendo vigiada por militares. À frente da casa, tinha um carro, que estava parando em frente da casa como se estivesse quebrado. Só que na verdade eram militares que nos vigiavam. Dali em diante, ele (Prestes) parte para a clandestinidade e desaparece. Eu já não podia ir porque já tínhamos uma família muito grande. De 64 a 70, ficamos lá (na casa) e a nossa casa foi invadida por delegado que pegou toda a biblioteca, com os livros de Prestes, e jogou os livros em um terreno e queimou (os livros). Diante esse cenário de dificuldades, fomos para a União Soviética (de 1970-1979). Em 79, voltamos ao Brasil. Todas essas histórias e tantas outras, assim como relatos, eu mostro no livro.

Diário – Sobre a obra, o que a senhora destacaria?
Maria do Carmo – É a minha vida com o Prestes que eu relato na obra. O livro mostra ao povo brasileiro que o Luiz Carlos Prestes não era só um comunista. Foi um pai de família e um homem que gostava de ajudar nos afazeres da casa. Também tinha muito gosto por plantar e de fazer jardins, de brincar com crianças, de fazer bolo, doces e, claro, de descascar um abacaxi (risos).

Diário – A senhora é de uma época em que fazer política e militar em um partido poderia, inclusive, custar a própria vida. Como a senhora avalia as recentes manifestações do Brasil, desde junho do ano passado, em que jovens mascarados têm tomado as ruas?
Maria do Carmo – Na minha época em que eu era da Juventude Comunista, a gente não era baderneiro. Não fazíamos quebra-quebra, depredações, roubos ou agressões. Era um protesto com dizeres como “Luiz Carlos Prestes”, que significava “Leite, Carne e Pão”. Íamos para as portas das prefeituras, das delegacias, para frente do palácio do governo. Mas nunca fazíamos badernas. Alguns companheiros eram presos. Também se tinha infiltrados nas passeatas e nos comícios. Essas badernas não se constituem no conceito de protesto. Há, hoje, sim grupos revoltosos e penso que há policiais infiltrados para fazer essas barbaridades. O povo brasileiro é pacífico e a juventude tem mostrado que está disposta a cobrar as promessas e essas propagandas enganosas dos políticos. Porque depois de eleitos (os políticos) esquecem da população. E a juventude está ficando revoltosa e com toda a razão. Há desemprego, falta de moradias, problemas sociais. E tudo isso faz parte da luta de um povo que busca por melhorias. Com tanta terra para se plantar e com tanta gente querendo trabalhar não é de se aceitar que esses problemas persistam.

Diário – Quantos documentos e nomes a senhora teve quando viveste na clandestinidade?
Maria do Carmo – O meu nome verdadeiro é Altamira Rodrigues Sobral. Mas para ser segurança do Prestes tive de mudar o meu nome e, desde então, passei a me chamar Maria do Carmo Ribeiro Prestes, uma mineira nascida em Itajubá (no Sul de Minas). Todos os meus filhos tem o nome de Prestes porque o meu Velho reconheceu todos eles. Meu RG, meu título de eleitor tem esse nome (em referência à Maria do Carmo). O Ministério da Justiça me deu uma autorização, no final dos anos 80 por meio da anistia, para eu ficar com esse nome. Assim, eu não trago prejuízo aos nomes de todos os meus nove filhos, 25 netos e 3 bisnetos (risos).

Diário – Por tudo que a senhora viu e vivenciou, porque a experiência socialista não deu certo?
Maria do Carmo – Foram 70 anos de revolução e de uma construção de uma sociedade, mas há o papel do capitalismo nisso (fracasso do socialismo). No máximo, se pagava 10% do seu salário, na União Soviética, por serviços de água, luz, telefone, aquecimento. E isso valia para qualquer cidadão. Lá, na União Soviética, as escolas tinham dias de turnos integrais. O modelo educacional funcionava. É claro que tinha coisas, próprias do capitalismo, que não se tinha: como máquina de lavar, liquidificador. Essas coisas não se tinha o privilégio de tê-las. O atraso científico existiu. Mas é como o Prestes dizia “a cabeça do homem é a última a mudar”.  Já no capitalismo, se trabalha para acumular. No comunismo, você gasta de acordo com as suas necessidades. Se tinha no socialismo a construção de uma sociedade, com tamanho e poder, que era temida pelos Estados Unidos. Até hoje, a União Soviética (atual Rússia) mantém no espaço os astronautas. É a União Soviética também que faz lançamentos dos ônibus espaciais. Os Estados Unidos não tem mais recursos financeiros. Eu acredito que o povo soviético vai resolver esse problema (risos). Eles têm capacidade e são muito patriotas para se fazer um socialismo mais aperfeiçoado e, principalmente, com a experiência do passado. O socialismo não é um céu de cor de rosa. Ele (socialismo) tem tantos problemas quanto o capitalismo. Mas te garanto uma coisa: no socialismo não há crianças sem escola. Conheço bastante gente que lamenta o fim da União Soviética. Sempre há esperança.