Em meio a negociações de paz, cresce campanha palestina de boicote a Israel
Autoridades palestinas e israelenses estão mais uma vez envolvidas em uma rodada de negociações a fim de estabelecer um acordo de paz que coloque fim ao conflito político.
Denominada de “Iniciativa Kerry”, em referência ao secretário de Estado norte-americano John Kerry, que media o diálogo, essa tentativa de pacto tem atravessado problemas que dificultam um pacto. Entre idas e vindas de negociações de paz falidas e um aumento crescente do ceticismo nessas iniciativas, o movimento de BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) contra Israel cresceu na Palestina e mundialmente, conquistando espaço como uma forma de luta não violenta em direção à paz.
“O BDS pede pelo fim da ocupação israelense de territórios palestinos e árabes, ocupados desde 1967, incluindo o desmantelamento de muros e assentamentos; fim do sistema discriminatório de Israel contra seus cidadãos palestinos, o que se enquadra na definição das Nações Unidas de ‘apartheid’; e o direito de retorno de refugiados palestinos a suas terras de origem, um direito reconhecido pela ONU e pela lei internacional”, explica a Opera Mundi um dos fundadores do movimento, Omar Barghouti.
Movimento de boicote atingiu produto anunciado pela atriz Scarlett Johansson, que recebeu críticas pela propaganda
A campanha, lançada em julho de 2005 por mais de 170 organizações da sociedade civil palestina, foi inspirada pela iniciativa vitoriosa de boicote ao regime de apartheid sul-africano e pede boicote, desinvestimento e sanções contra empresas israelenses ligadas a e que lucram com a ocupação dos territórios palestinos.
Além do boicote econômico, a campanha incentiva o boicote cultural, acadêmico e esportivo de Israel – seguindo os moldes sul-africanos. Dezenas de artistas, músicos e pesquisadores renomados já afirmaram seu apoio ao movimento. Roger Waters, músico do Pink Floyd, se recusou a tocar em Israel; o diretor de cinema Ken Loach proibiu seus filmes de serem exibidos no país desde a invasão de Israel ao Líbano em 2006; e Stephen Hawking, maior nome da física, anunciou sua adesão à campanha ao se negar a participar de conferências no país.
“Assim como no caso do apartheid na África do Sul, é evidente que é o sistema integrado de Estado, suas instituições, empresas e representantes que têm a responsabilidade coletiva pelo regime de exclusão, ocupação e colonialismo implementado contra o povo palestino”, afirma a ativista italiana do grupo Stop the Wall, Maren Mantovani.
A ideia geral da campanha é a de pressionar Israel até que os direitos palestinos sejam efetivados, uma forma de ação que chegou a ser desenhada em diversas resoluções da Assembleia Geral da ONU, nas quais os Estados-membros são chamados a “cessar imediatamente, individual e coletivamente, todas as relações com Israel com a finalidade de isola-lo em todos os campos”.
Em poucos meses, muitas vitórias
A campanha internacional de BDS contra Israel já demonstrou afetar o governo israelense tanto por seus efeitos econômicos quanto políticos, sendo elencada por Tel Aviv como uma “ameaça estratégica”. No início deste ano, depois de vitórias significativas do movimento, o governo de Israel destinou 30 milhões de dólares em ações nacionais e internacionais de combate ao BDS.
Até o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, reconheceu a relevância da iniciativa durante discurso na Conferência de Segurança de Munique em fevereiro deste ano. “Existe uma crescente campanha de ‘deslegitimação’ contra Israel – e as pessoas estão muito sensíveis a ela”, afirmou, enquanto discutia a necessidade de maior comprometimento com as negociações.
Somente neste ano, uma série de vitórias foi conquistada pelo movimento de BDS: o segundo maior fundo de pensão do mundo, o holandês PGGM, decidiu desinvestir nos cinco maiores bancos israelenses por conta de suas operações ilegais nos territórios palestinos ocupados; o governo alemão também excluiu entidades israelenses de bolsas de pesquisa e acordos de cooperação científica; o maior banco dinamarquês, o Danske, colocou, em sua lista negra, o maior banco israelense, Hapoalim; o fundo de pensão norueguês, o maior do mundo, desinvestiu de duas empresas israelenses, ‘Africa Israel Investments’ e ‘Danya Cebrus’, por conta de seu envolvimento na construção de assentamentos israelenses em terras palestinas; o fundo de pensão de Luxemburgo desinvestiu de bancos e empresas israelenses pela mesma razão; e grandes empreiteiras europeias saíram de projetos de construção com Israel com medo de serem, também, boicotadas.
A polêmica propaganda da atriz norte-americana e também embaixadora da ONG de direitos humanos Oxfam, Scarlett Johansson, para a marca Soda Stream, empresa baseada em território palestino e fabricante de máquinas que gaseificam líquidos, também chamou a atenção em janeiro deste ano. Imagens ironizando a atriz, supostamente defensora dos direitos humanos, se tornaram virais na internet e culminaram com a expulsão de Johansson da Oxfam, depois da atriz ter decidido manter contrato com a empresa israelense. Roger Waters, que já aderiu ao BDS, chegou a escrever duas cartas à atriz, lembrando-a das violações cometidas pela Soda Stream, que não foram nem respondidas.
“Quebrando o impasse”: BDS chega à elite econômica israelense
A repercussão foi tamanha que o movimento não só ganhou as manchetes dos principais noticiários de Israel como também um grupo dos maiores empresários israelenses e palestinos resolveu se unir para defender a paz.
“100 líderes da economia alertam sobre boicote contra Israel. O mundo está perdendo sua paciência e a ameaça de sanções aumenta. Nós precisamos alcançar um acordo com os palestinos”, diz a capa do Yedioth Ahronoth, maior jornal impresso do país, no dia 20 de janeiro. Na mesma linha, se seguiram artigos de opinião e até uma matéria de 16 minutos no programa televisivo mais assistido em Israel.
Ativistas protestam em Boston contra empresa francesa Veolia, que desenvolve trabalhos nos territórios palestinos ocupados
Slogans com pedidos pela paz se multiplicaram nas cidades israelenses como também nas paginas dos jornais. Com ditos como “Bibi, sem um acordo não conseguiremos reduzir o custo de vida, só você pode”, as propagandas foram financiadas pelo grupo de empresários, autodenominado de BTI (“Breaking the Impasse” ou ‘quebrando o impasse’, em tradução livre).
Conforme mostrou reportagem da BBC, esses empresários argumentam que o acordo de paz trará vantagens econômicas para ambos os lados do conflito e entendem que o movimento BDS já afeta, largamente, a economia nacional.
Luta não violenta
Para Barghouti, o papel desempenhado por ativistas internacionais, incluindo muitos judeus e israelenses, foi e continua sendo fundamental para o fim do apartheid israelense e, portanto, para a luta palestina. “A compreensão, por muitas pessoas ao redor do mundo, de que a impunidade de Israel pode ter um fim por meio de resistência interna popular juntamente com pressão internacional eficaz e moralmente consistente, deu grande impulso às campanhas de BDS”, acrescenta o ativista.
Prova disso foi a recente mobilização de ativistas argentinos contra um acordo de seu governo com a empresa de água israelense Mekorot, uma das principais responsáveis pelo ‘apartheid’ da água vivido pelos palestinos nos territórios ocupados. Segundo os manifestantes, a empresa iria levar suas políticas discriminatórias para a Argentina. Frente a mobilização, o governo argentino suspendeu o contrato de 170 milhões de dólares.
Nos Estados Unidos, a empresa multinacional francesa Veolia perdeu contrato de 4,2 bilhões de dólares do governo de Massachussetts depois de dois anos e meio de protestos. A empresa desenvolve trabalhos nos territórios palestinos ocupados.
“No auge de seu poder militar e econômico, Israel está se sentindo estranhamente vulnerável. Mas, dessa vez, ironicamente, a ameaça está vindo de um movimento não violento de BDS, ancorado nas leis internacionais e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, afirma Barghouti. “Um ‘momento’ de África de Sul está sendo alcançado pelo movimento de BDS”, diz.