Dos campos aos meios de comunicação

Como consequência do seu êxito no gramado, a Costa Rica virou notícia tanto na mídia quanto nas redes sociais, e não só no que diz respeito ao futebol. Algumas das características do país que têm sido destacadas se referem à sua política de proteção ambiental, à abolição do seu exército em 1948 e ao título de ‘povo mais feliz’ da América Latina, segundo o informe World Happiness Report de 2013 realizado pela ONU. Com essas declarações, parece ser que a Costa Rica é um paraíso perdido entre seus irmãos centro-americanos.

Um paraíso para poucos

Situemo-nos. Localizada na América Central, a República da Costa Rica, em relação aos seus países vizinhos, de ‘patinho-feio’ não tem nada. Com um território de 51 mil km2 e uma grande biodiversidade, ocupa o segundo lugar a nível latino-americano no índice de competitividade turística, ficando atrás somente do México. Os ingressos da indústria turística giram em torno de 1.900 milhões de dólares por ano [1]; os visitantes estrangeiros proveem  majoritariamente dos Estados Unidos e Canadá (46%), e de países da União Européia (16%).

Com uma população de 4.889.826 segundo o último senso [2], a taxa de natalidade é inferior a dois filhos por mulher. Porém, nos últimos anos a população subiu 20% devido, em grande parte, à imigração de países vezinhos.

Como qualquer onda migratória, um dos principais estímulos é a busca por melhores condições de vida. Assim como a imigração latino-americana nos Estados Unidos nos anos 90 e inícios do século XXI, a maioria esmagadora desses trabalhadores não tem formação superior e chegam para ocupar setores de serviços e trabalhos de grande desgaste físico, como a construção e o serviço doméstico.

Devido a este fluxo intenso que tem chegado à Costa Rica, as fronteiras vêm mantendo uma posição de restrição e xenofobia. Comprar uma passagem aérea com destino à Costa Rica é para poucos, e por isso, tanto imigrantes quanto viageiros, preferem entrar ao país via terrestre.

Ao chegarem ao posto de imigração das fronteiras de Sixaola ou de Pasos Canoas (com Panamá) e de Peñas Blancas (com Nicarágua) os passageiros devem apresentar um bilhete de saída da Costa Rica. Entretanto, as regras se mostram flexíveis conforme o passaporte de cada viajante: os cidadãos europeus, estadunidenses e canadenses frequentemente recebem seus carimbos sem maiores problemas.

Ser de outros países latino-americanos significa receber um tratamento totalmente diferente e, até mesmo, ‘ser convidado’ a ser interrogado. Como sempre, nem todos são bem-vindos.

Além disso, para os que conseguem entrar no território costarriquenho levarão um susto com os preços e o cambio da moeda: 1 dólar equivale a 547.09 colones (compra) e 560.10 (venda). Alugar um quarto para estudantes pode custar 250.000 colones (500 dólares) e para gastos básicos deve contar em média com o mesmo valor [3].

Nas zonas turísticas os preços sobem ainda mais: na praia de Tamarindo (Pacífico) o preço médio dos petiscos e comidas mais simples (tacos mexicanos, hambúrguer, ceviche, empanada argentina, etc.) é de 3.000 a 5.500 colones (6 a 11 dólares). A praia de Manuel Antônio (Pacífico), uma das mais famosas e visitadas pelos turistas, é também uma das mais caras, pois está voltada ao turismo de alto poder aquisitivo.

Para entrar nos parques naturais o turista deve desembolsar entre 10 e 15 dólares. A cobrança ou não das entradas é questionável, pois se por um lado este dinheiro supostamente contribuirá para a conservação desses parques naturais, por outro lado exclui aqueles que não podem permitir pagar este valor.

Um monopólio chamado United Fruit Company

A presença de empresas estrangeiras e seu peso na economia costarriquenha não são de hoje. Em 1899, o estadunidense Minor Keith realizou a fusão da sua empresa Tropical Trading and Transport Company com sua concorrente, a Boston Fruit Company de Andrew W. Preston, criando assim a United Fruit Company (UFC). Antes da fusão, a empresa de Keith já era proprietária de extensas terras cultiváveis na Costa Rica e em outras regiões da América Central e Caribe.

Também conhecida pelos nativos como Mamita Yunai (“Yunai” faz referência a United), a empresa se estendeu da Guatemala até a Colômbia e dominou o mercado de frutas tropicais no sul dos Estados Unidos. Depois da Grande Depressão de 29 que afetou as ações da UFC, Samuel “Sam” Zemurray, em 1933, compra a maior parte das ações e toma o controle completo da empresa.

A United Fruit Company atuava na América Central de forma voraz. Um dos mecanismos amplamente utilizado consistia em comprar a preços baixíssimos grandes hectares. Esta manobra evitava que surgissem competidores e garantia o seu monopólio sobre a produção de bananas. Muitas vezes extensas zonas agrícolas eram conservadas sem cultivar com o pretexto de que as secas e os desastres naturais obrigavam a manter “em reserva” grandes extensões de terreno.

Como consequência, os camponeses mais pobres abandonaram o cultivo em pequenas propriedades individuais e se tornaram peões da UFC, subordinados a um regime de trabalho sem direitos e salários reduzidos. A multinacional também reprimia qualquer tentativa de protestos e formação de sindicatos, contando com o apoio das corruptas autoridades nacionais de cada país, que emitiam leis a favor da formação de um “ambiente favorável” para os negócios da companhia.

A UFC também monopolizava as vias ferroviárias e os correios, o que aumentava ainda mais o seu poder sobre os governos locais que se mostrassem pouco colaboradores. Se alguma autoridade atuava contra os interesses da United Fruit Company era rapidamente destituída.

Um dos exemplos mais conhecidos foi o golpe de estado de 1954 na Guatemala, quando o então presidente Jacobo Arbenz Guzmán tentou aplicar uma lei de reforma agrária e foi deposto pelo militar Carlos Castillo Armas, com a colaboração da Casa Branca. Para justificar o patrocínio e o apoio estadunidense no golpe de estado, o diretor da CIA Allen Dulles (quem era sócio da firma de advogados que patrocinava a UFC) acusou o regime de Arbenz de ser “tentáculo do comunismo”.

Em 1969, a United Fruit Company foi comprada pelo magnata Eli M. Black e posteriormente relacionada com George H. W. Bush, chamando-se United Brand Company. Seis anos mais tarde, o millonario Carl Lindner Jr. comprou a empresa e a nomeou Chiquita Brands International, nome com o qual opera até os dias de hoje.

Entretanto, com a abertura da importação de frutas tropicais a outras regiões, a empresa foi perdendo sua influência política e econômica. Em 2007, Chiquita Brands foi julgada nos Estados Unidos por ter financiado em território colombiano grupos de autodefesa paramilitar (AUC: Autodefensas Unidas de Colombia), responsáveis pelo massacre de sindicalistas e camponeses [4].

O monopólio da banana deixou consequências tanto sociais quanto ambientais. Muitos terrenos, explorados ao máximo, perderam sua fertilidade, os pequenos proprietários foram diminuídos pela companhia e os trabalhadores rurais, após a queda da empresa, se viram obrigados a imigrar para a cidade [5].

Da banana às multinacionais

Economicamente o país passou por uma revolução. Até os anos 60 os setores de agro-exportadores tradicionais eram predominantes, principalmente o café e a banana; porém, as flutuações nos preços internacionais destes produtos geravam instabilidade.

Atualmente, graças ao seu ambiente pacífico frente aos demais países da América Central, o turismo e os serviços são as principais fontes de ingressos e muitas multinacionais têm suas centrais de serviços na Costa Rica, destacando-se Procter & Gamble, Coca-Cola, Intel, Sony, DHL, Amazon,Western Union, Baxter, IBM, Oracle, Walmart e Dole Food Company.

No ano de 2006, a planta de microprocessadores da empresa Intel foi responsável por 20% do total das exportações e produziu 4,9% do PIB do país [6] [7]. Sendo assim, juntamente com o turismo, sua base econômica flutua sobre o presente e o futuro das multinacionais acolhidas no país.

Contudo, ter uma economia baseada em parte nos ingressos de multinacionais tem um forte efeito colateral. Em abril deste ano, a Intel anunciou o fechamento da sua fábrica na Costa Rica, deixando 1.500 trabalhadores desempregados e dividindo a economia costarriquenha em um ‘antes’ e um ‘depois’ da sua instalação. O motivo que levou a multinacional a tomar esta decisão é claro: a redução de custos. No jogo das multinacionais as consequências para a população não são levadas em conta; as jogadas são realizadas somente visando o lucro (próprio), lição que já havia sido vivida com a United Fruit Company durante o século XX.

The american way of life centro-americano?

Embora o país tenha experimentado um crescimento significativo da economia e da riqueza, o índice de pobreza parou de reduzir porque os modelos orientados a geração de empregos especializados excluem quem não tenha formação universitária ou técnica. Somam-se a isto o alto custo de vida, baixos salários para profissões que não requerem ensino superior e um estilo de vida totalmente ao modelo norte-americano.

O país vive a cultura do carro. O serviço dos transportes coletivos é usado em grande parte pelo setor social de menor poder aquisitivo e dispõe de um serviço precário.

Caminhar pelas cidades também não é algo fácil: a maioria das ruas não tem calçadas, o que torna o uso do carro ‘imprescindível’ no dia-dia e entra em conflito com a imagem de país defensor do meio ambiente. Consequentemente, o trânsito é intenso e nos horários de pico os engarrafamentos tiram a paciência dos trabalhadores e motoristas.

As moradias estão sendo organizadas cada vez mais em condomínios privados. Desta forma, se exclui tudo o que não é ‘agradável’, formando pequenas bolhas privadas, realidades compradas que dão as costas para o que pode ser encontrado do lado de fora. Este estilo de construção e organização urbana, juntamente com o uso do carro, caracterizam uma sociedade egoísta, na qual o interesse, o consumo e o bem estar individual é o único que conta.

Viver para crer

Sem dúvidas, a Costa Rica é um dos países com uma biodiversidade incrível e um dos lugares considerados mais seguros na zona centro-americana. Contudo, a imagem de paraíso que o resto da América Latina parece ter sobre o país se baseia nestes dois aspectos que vão acompanhados de listas e informes de instituições internacionais, como o World Happiness Report. Um país não se define por completo segundo a sua posição em listas internacionais. A definição está em vivê-lo.

Referências:

[1] http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=984876.

[2] http://countrymeters.info/es/Costa_Rica/.

[3] http://universidades-iberoamericanas.universia.net/costa-rica/vivir/coste-vida.html.

[4] http://www.terra.com.pr/noticias/articulo/html/act774242.htm.

[5] Carlos Luis Fallas (1941). Mamita Yunai. ed. Soley y Valverde, São José.

[6] Intel supone el 4,9 por ciento del PIB de Costa Rica.

[7] Intel fabrica el procesador “más veloz del mundo” en Costa Rica.