Sobre o segundo debate entre os candidatos presidenciais
No debate de hoje Dilma Rousseff foi mais incisiva. Seu desempenho melhorou em relação ao debate anterior. Marina Silva continuou ambígua, incapaz de abandonar aquela pose de estar acima de partidarismo, apesar de ter sido criada por intermédio de um partido e ser sustentada atualmente por outro. A candidata do PSB não conseguiu explicar seu recuo em relação ao casamento gay depois que foi enquadrada pelo Malafaia no Twitter. Sob intenso ataque de vários adversários, ela não consegue esconder sua fragilidade política.
Aécio Neves foi o grande derrotado no debate do SBT. Ele ficou escaneado. Sumiu diante das câmeras. Levy Fidelix e Eduardo Jorge conseguiram ser mais interessantes do que o candidato tucano. Aécio parece sofrer de um grave problema. Ele está tão acostumado a ser paparicado pela imprensa simpática à sua candidatura que se tornou incapaz de superar qualquer adversidade. Pobre menino rico… Aécio será derrotado facilmente e no primeiro turno. José Serra pode até ser considerado asqueroso por seus adversários, mas nas eleições presidenciais que disputou ele demonstrou muito mais fibra do que o neto de Tancredo Neves.
Luciana Genro também se saiu melhor do que Aécio Neves no debate do SBT. A jovem candidata do PSOL é promissora, mas condenada a ficar na lanterna em razão de pertencer a um partido nanico que mais parece uma religião sem deus. Mesmo assim, devemos admitir que Luciana Genro é mais coerente do que Marina Silva. E certamente menos ridícula que o pastor Everaldo, candidato a presidente que deveria se limitar a fazer o que faz bem (usar a bíblia para tirar dinheiro de crédulos em situação de fragilidade econômica na sua igreja).
O predomínio de temas religiosos foi evidente neste debate. Bom para os pastores e seus seguidores, ruim para o público em geral. Quando a religião entra por uma porta do debate, a política sai pela outra. A política é um campo delicado em que deve prevalecer a disputa racional, a qual desaparece junto com o próprio campo se ele for invadido pela intolerância religiosa.
Não tenho nenhum problema em defender abertamente a tese de que os temas religiosos deveriam ser banidos das disputas eleitorais e proibidos nos debates televisivos. Quem quiser discutir a sua religião que faça isto na sua comunidade religiosa. Num debate político aberto a todos os cidadãos, assim que o candidato começasse sua arenga religiosa ele deveria ter o microfone cortado. Em caso de reincidência, deveria ser colocado para fora do recinto. Os temas religiosos impedem os fieis de verem as virtudes dos candidatos que não professam seu culto e os defeitos dos pastores que eles seguem irracionalmente nas igrejas (e que poderiam não seguir nas urnas). Além disto, as altercações por causa dos dogmas conspiram contra a saúde da CF/88, diploma que prescreve o caráter laico do Estado e garante a liberdade de culto e de consciência política e ideológica (algo absolutamente necessário num país plural que não pretende se tornar uma teocracia comandada por pastores).
As eleições presidenciais de 2014 deveriam ser uma oportunidade para os partidos discutirem o presente e os futuros possíveis do Brasil. O que interessa aos eleitores são os programas de governo, não os projetos teológicos de cada candidato. As discussões teológicas realizadas nos debates são inúteis, elas roubam dos eleitores a única oportunidade que eles tem para ver os candidatos em conflito direto e longe dos ambientes controlados das propagandas eleitorais. Isto para não dizer o óbvio: a teologia não é capaz de resolver os problemas concretos econômicos, urbanísticos, hídricos e energéticos do Brasil. No limite os conflitos teológicos tendem a evoluir para o fanatismo e para o conflito armado entre os fieis nas ruas.
Já que estamos falando de um debate na TV – que pode também ser entendido como um programa de entretenimento – utilizarei algumas metáforas cinematográficas para qualificar o desempenho dos candidatos.
Aécio Neves entrou em cena como se fosse um grande cavaleiro andante montado num alasão cintilante. Mas o tucano foi escanteado e reagiu como se fosse Lorde Farquaad (o vilão baixinho do filme Shrek). Marina Silva se apresentou como se fosse senhora absoluta da disputa eleitoral, como se já estivesse eleita por antecipação, como se fosse um dragão capaz de aniquilar seus adversários. Após receber algumas críticas contundentes a candidata do PSB começou a se coçar, a mudar de cor e a perder a saúde exatamente como a Madame Mim durante a disputa com Merlin no filme A Espada era a Lei.
Levi Fidelix parece até o Gato Felix, sempre querendo tirar um monotrilho de sua sacola. O pastor Everaldo não ficaria mal como o Bispo Cauchon no filme “A Paixão de Joana d’Arc” de Carl Theodor Dreyer. Se ele ficasse mudo talvez conseguisse convencer o respeitável público a queimar Dilma Rousseff. A candidata do PT é marruda, não foge da briga e resiste bem aos confrontos verbais. Dilma lembra a heroina do filme Jogos Vorazes, um pouco mais velha, mais volumosa e certamente não tão bem vestida quanto Jennifer Lawrence.