O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, falando recentemente para um grupo de estudantes em seu Instituto, disse que a política está apodrecida como nunca esteve na história do Brasil. Segundo ele, a causa é a negação da política. “Quando você nega a política e não coloca nada no lugar, tudo o que vem é pior. É que não tem precedente histórico em que a negação da política ajuda em alguma coisa. Ou seja: no fundo, no fundo é a afirmação da política que pode ajudar”, esclareceu. “E quando eu digo afirmação da política não é a afirmação do deputado tal, do senador tal, do governo tal, do presidente tal. Não! Não é a afirmação das pessoas! É a afirmação do comportamento dessas pessoas no governo, as atitudes dessas pessoas no governo”, emendou.

Para Lula, a podridão na política só será removida com uma firme atitude das forças políticas comprometidas com a democracia. “Por isso que a gente vai tentar ver se faz uma Reforma Política para ver se a gente muda financiamento de campanha, acaba com o financiamento privado, convocar uma Constituinte exclusiva. Por que não dá! Virou um mercantilismo insuportável”, diagnosticou, fazendo um contraponto às opiniões intelectualistas que procuram desviar o tema da sua essência. O “Programa de Governo” de Marina Silva, por exemplo, prega como ponto principal para a Reforma Política a falácia da “Verdade Eleitoral”, que não é outra coisa senão as velharias bem conhecidas dos sistemas distritais — como o sistema de eleição dos mais votados independente de partidos.
Fim da história
Trocando em miúdos, propostas como essas de Marina Silva seriam uma espécie de fim da história da vida partidária brasileira, uma reprodução mal-ajambrada da teoria segundo a qual o mundo do pós-Guerra Fria só tem lugar para a univocidade política. Estaríamos vivendo, segundo os teóricos dessa tese, a era em que os paradigmas que alavancaram o século XX perderam a razão de ser. O grande problema, para os adeptos dessa teoria, é que ela foi cabalmente desmentida pela experiência do ciclo de governos iniciado com a eleição de Lula em 2002. Ficou provado que os conceitos clássicos de esquerda e direita estão mais vivos do que nunca, assim como a oposição básica que lhes dá sentido — socialismo versus capitalismo.
Essa experiência mostrou também a falsidade da tese de que onde havia a chama da revolução teria passado a existir um desejo sereno de mudanças porque as forças da reação estariam tendendo a defender a manutenção dos cenários estabelecidos de uma forma menos autista. As candidaturas de direita (apesar de não vestirem a carapuça) se apresentam exatamente assim. Para elas, as possibilidades de diálogo e de solução dos conflitos sociais seriam maiores. A nova dicotomia política do país no máximo lembraria um pouco a organização partidária norte-americana, comandada por republicanos à direita e democratas à esquerda — um espectro político muito próximo do “centro”. As forças políticas estariam enquadradas por “instituições maduras” (como o Banco Central independente) no trato das políticas macroeconômicas e sem espaços para operar mudanças estruturais.
Bandeiras da direita e da esquerda
O ciclo Lula-Dilma mostrou que necessidades atendidas, em um país com enormes carências sociais históricas como o nosso, abrem caminho para outras demandas, um processo em constante evolução. Nesse período, a principal contradição social que emergiu diz respeito ao ritmo das mudanças, uma demonstração evidente de que as forças progressistas brasileiras ainda lutam contra a hegemonia do pensamento escravocrata. Essa constatação ajuda a desvendar por que no Brasil a direita morre de vergonha em admitir-se de direita e procura manter baixa a visibilidade de sua bandeira. A realidade, no entanto, mostra cotidianamente que o enfrentamento entre forças de transformação e forças conservadoras não desapareceu.
Travamos hoje uma batalha contra uma direita que age ativamente para suprimir direitos sociais, que luta com unhas e dentes para manter a imprensa a seu serviço, que abomina qualquer iniciativa que visa à distribuição de renda e que desqualifica qualquer conceito de Estado de corte humanista. Ou seja: direita e esquerda, que sempre pintaram suas bandeiras com cores nítidas, enfrentam-se com projetos claramente opostos para o país. No entanto, a direita brasileira não assume o escopo ideológico que lhe corre nas veias porque ele já está há muito tempo superado. Ela sempre se soube na contramão da história, dando sustentação a qualquer regime que proteja seus privilégios já sepultados há séculos em outros países que, não por acaso, ao fazê-lo desbloquearam seus caminhos em direção ao desenvolvimento.
Daí a tentativa da direita de camuflagem de sua bandeira, que vem sendo pintada desde antes da disputa ideológica típica do século XX — entre socialismo e capitalismo, o conflito clássico da esquerda com a direita —, quando no Brasil já havia o choque do contemporâneo com o obsoleto. A história do movimento partidário imperial — principalmente no auge das disputas entre monarquistas e republicanos, quando os últimos fundaram mais de 300 clubes no ano e meio decorrido entre a Abolição e a República — guarda perfeita simetria com o atual estágio em que as forças políticas conservadoras reproduzem a forma como as oligarquias trataram o povo ao longo do período republicano.
Unidade nacional
Ainda hoje pouco se sabe a respeito da atividade política popular contra a monarquia, registrada em muitos jornais republicanos, e do fio condutor das ações progressistas do século XX com as lutas que se vinham travando por um futuro melhor desde antes da proclamação da República — resultado da contumaz ação autoritária das forças conservadoras.
Na República Velha, que continuou restringindo a participação popular nos destinos do país, os trabalhadores começaram a construir um efetivo movimento político, que culminou na criação do Partido Comunista do Brasil. Depois da derrocada da República Velha e da consolidação da revolução que levou Getúlio Vargas à Presidência da República em 1930, com a superação da fase em que os comunistas enfrentaram a repressão varguista, o quadro partidário ganhou nova configuração. O PCB — a sigla do Partido Comunista do Brasil na época — contribuiu de forma decisiva para a unidade nacional contra a reação e conquistou a legalidade. Sua atuação junto ao povo, mesmo depois de ser cassado no governo do general Eurico Gaspar Dutra, em 1947, foi marcante.
Neste período, pelas mãos de Getúlio Vargas surgiu o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o objetivo declarado de ocupar os espaços do PCB. Também foram criados o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN), que retomaram a clássica configuração partidária da República Velha — além de outros partidos de menor expressão à direita e à esquerda. O PTB, partido ligado ao movimento operário que adotou uma plataforma nacional e democrática, revelou-se uma força ponderável na formação de um campo político nacional amplo e ao mesmo tempo com base popular, também integrado pelo PCB, e cumpriu importante papel até o golpe militar de 1964.
Inverno antidemocrático
Vencido o longo inverno antidemocrático, o quadro partidário, após uma fase de redefinição das posições políticas, voltou a ser basicamente o mesmo do período que sucedeu o Estado Novo. Hoje, pode-se dizer que, em uma conjuntura evidentemente muito mais complexa, o DEM (ex-Arena, PDS e PFL) e o PSDB são, em essência, a continuidade do PSD e da UDN. O Partido Comunista do Brasil, já com a sigla PCdoB, voltou a figurar com destaque no cenário partidário e novamente propôs uma frente popular, liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que foi se ampliando até às vitórias eleitorais que conduziram Lula à Presidência da República em 2002 e 2006 e Dilma Rousseff em 2010.
As eleições deste ano são mais um passo que concorre para agrupar no plano político as correntes progressista e conservadora. Há, no entanto, um tremendo esforço midiático para situar o quadro político fora da realidade, ignorando classes, grupos de classes e interesses antagônicos. As eleições estão comprovando a heterogeneidade de alguns partidos tidos como grandes, mas também estão evidenciando a necessidade de unir para a ação conjunta todos os setores democráticos e populares. A política de unidade preconizada pelos comunistas vem obtendo sucessos que, embora ainda parciais, confirmam o seu acerto.
A grande massa do povo brasileiro se integrará conscientemente ao projeto mudancista iniciado em 2002 à medida que ver claramente a relação entre seus interesses vitais e a defesa dos interesses gerais da nação. Talvez seja essa deficiência o principal entrave hoje para uma definição clara dos dois projetos que historicamente disputam a condução do país. Uma política progressista acertada, portanto, exige, além do apoio popular, o combate enérgico à orientação de certos círculos que pretendem levar o país de volta à dependência do capital financeiro. Isto a vida tem demonstrado.