O despejo
O despejo
Era um prédio velho, sem dono…
Daquele abandono
As pessoas sem casa fizeram um lar.
Meses se passaram. No bar da esquina,
Divertiam-se depois de trabalhar.
Os vizinhos se tornaram amigos.
As crianças iam a pé para as escolas.
Na Copa, hastearam bandeiras nas janelas.
Quando o inverno já se despedia,
O dia amanheceu com uma alvorada de bombas.
A Justiça ordenou o despejo.
Os oficiais cumpriram o dever.
Quem podia interceder
Lavou as mãos, com água e sabão.
E o velho prédio arejado,
Pela esperança de uma vida melhor,
Viu-se cercado e alvejado.
No café da manhã,
O resto da cidade vê, ao vivo pela TV
Como se fosse um filme,
O estrondo de tiros.
Uma mãe sai pela calçada,
Com um bebê no colo,
E puxando com uma mão
Uma menina de pijama,
Com um “ursinho” apertado contra o peito;
Da janela do quarto andar,
Um garotinho em pânico
Ouve os gritos do pai, ordenando a retirada.
Dos olhinhos caem lágrimas do tamanho
De uma uva.
A “guerra” se estendeu pela tarde, pela noite.
O comércio fechou as portas.
Bandidos saquearam lojas.
Na manhã do dia seguinte,
O Palácio aliviado recebeu do comando
O comunicado: a vitória alcançada,
O “inimigo” derrotado, o prédio evacuado.
É por estas e outras que desde, o século passado,
Se escuta, na Avenida São João,
Aquela canção de Adoniran:
“É uma ordem superior,
Ôôôôôôôô Ô meu senhor, é uma ordem superior”
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2005).